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Análise: Kingdom Hearts: Melody of Memory (Switch) é um presente para os fãs da franquia

A jornada musical recapitula os principais acontecimentos da série e também abre as portas para os possíveis futuros episódios.



Lançado no início de 2019, Kingdom Hearts III (PS4/XBO) costurou muitas das pontas soltas na jornada de Sora, Donald e Pateta. A história, que vem sendo contada há 18 anos em diversos jogos e plataformas, colecionou seguidores em todo o planeta e esse público é agora agraciado com um spin-off bastante diferente do que já foi visto na série. Melody of Memory se apresenta como uma viagem rítmica, mas seu conteúdo vai além da marcante trilha sonora. O material reunido é um verdadeiro presente para os fãs.


Desenvolvido pela parceria entre Square Enix e indieszero, o game tem em seu catálogo mais de 140 faixas — vindas dos capítulos anteriores da franquia. Nenhuma foi criada especificamente para o projeto e a escolha das que entraram no título levou em consideração a setlist da turnê mundial da Kingdom Hearts Orchestra. Tal coletânea é suficiente para render muito tempo de jogatina. Em minha experiência, precisei de pouco mais de oito horas somente para atravessar o modo principal e conferir todas as músicas.

Mas, concluir a campanha acaba se revelando somente o primeiro passo em Melody of Memory. Isso porque repetir cada uma das fases gera recompensas para o museu do jogo, que guarda cards de personagens, inimigos e Keyblades, além de figurinhas com cenas marcantes da trama. No total, são mais de 800 desses itens e obtê-los será tarefa para poucos — trabalho compensado pela montagem de um belo acervo de ilustrações. Essa coleção peca somente por não trazer textos com informações adicionais.
Alguns dos cards colecionáveis

Perdidos em pensamentos

Melody of Memory se passa logo após os eventos de Kingdom Hearts III e é guiado pelas lembranças de Kairi, que cumpre o papel de narradora no game. A garota vai recordando de passagens importantes da história e esse é o fio que conduz a jornada musical do início ao fim da trama. Quem ainda não jogou algum dos capítulos anteriores da franquia precisa ter cuidado com esse spin-off, afinal, ele está recheado de spoilers. Já para os veteranos, é uma excelente oportunidade de revisitar a série de maneira mais simples.

Assim como olha com carinho para o passado, o título também começa a preparar o terreno para o futuro. Sem entregar nenhum detalhe nesta análise, vou mencionar apenas que o encerramento escancara as portas para o que deve vir a seguir em Kingdom Hearts. Ou seja, também há um avanço na narrativa, mesmo que de modo moderado. Para continuar acompanhando o confuso e complexo enredo da obra, será preciso conferir as surpresas que estão escondidas além das notas musicais.
A narradora Kairi

Na batida do coração

O gameplay, de maneira geral, não traz grandes inovações para os jogos de ritmo. O trio de personagens corre por uma espécie de partitura e precisa derrotar os inimigos que surgem pelo caminho. Para isso, os botões de ação devem ser pressionados no momento exato em que o círculo se fecha sobre os oponentes. Apertá-los antes ou depois do tempo ideal faz com que seus personagens recebam determinada quantidade de dano. Quando a barra de vida é zerada, a fase termina e deve ser reiniciada.

São três os botões de ação: A, L e R. Quando um vilão solitário surge, é possível pressionar qualquer um deles e a criatura será abatida. Entretanto, se mais monstros estiverem alinhados, torna-se obrigatório apertá-los simultaneamente para que dois ou três dos heróis executem golpes paralelos. Algumas criaturas são eliminadas apenas com magias (botão X) e também existe a possibilidade de pular (B) para desviar de projéteis ou acertar inimigos voadores. Ao segurar o pulo, o personagem na trilha central permanece no ar.  
Dependendo do tempo, cada nota gera um ranking que vai de Miss até Excellent
Pode parecer um tanto quanto confuso e nas primeiras fases realmente existe certa dificuldade para entender os tempos e botões. Mas, em pouquíssimo tempo, o jogador domina as mecânicas e  coleciona extensos combos de acertos. Após aprender como o game funciona, ele se torna muito viciante e fica sempre aquela vontade de “só mais uma música” — ainda mais pelo fato de praticamente todas as fases terem duração que varia entre um e dois minutos, logo nenhuma delas se mostra enjoativa.  
Segurar o pulo e voar serve para coletar essas notas verdes
Há três níveis de dificuldade bem distintos entre si, com o fácil sendo realmente bem tranquilo e o difícil exigindo reflexos apurados. Fiz toda a campanha do modo principal no intermediário e confesso que não tive problemas. Acredito que foram somente três vezes que precisei repetir determinada música, sendo que duas delas eram batalhas contra os chefões. Levando em consideração que são mais de 140 faixas, fica claro que é possível avançar sem muita preocupação ou dores de cabeça.

Outro aspecto que poderia travar o progresso são as estrelas recebidas no final de cada fase. As músicas têm sempre três missões distintas, tarefas como “derrote todos os inimigos aéreos” ou “termine com 50% ou mais de vida”. Completá-las rende estrelas, que devem ser coletadas e usadas para abrir novos caminhos no mapa. Eu não precisei repetir nenhum estágio para buscar esses itens, pois conquistá-los acabou sendo um processo natural e a exigência para abrir as passagens nunca foi nada muito fora da realidade.
Cada música tem três missões que rendem estrelas...
... usadas para liberar caminho no mapa

Um pouco de RPG

Melody of Memory não esquece o gênero da série principal e tenta importar características de RPG, porém com algumas falhas. Depois de concluída cada música, os membros de seu time recebem pontos de experiência e sobem de nível. O sistema é interessante, mas não causa o impacto necessário no game. Praticamente parei de prestar atenção no level dos meus personagens logo na primeira hora do jogo e só lembrei que a mecânica estava presente quando fui alternar entre uma equipe e outra.

Também existem itens, coletados no final de todas as fases e que podem ser usados para facilitar as missões. Um deles invoca o poderoso rei Mickey para te ajudar durante determinado período de tempo, já outro é a tradicional poção para recuperar os pontos de vida. Novamente, a ideia foi bem pensada, mas executada de maneira inadequada. É completamente possível terminar a campanha principal na dificuldade intermediária sem a necessidade de abrir o menu de itens uma única vez.

Outro aspecto dos RPGs é a mudança dos personagens que integram sua equipe. Por exemplo, Aladdin te acompanha pelas ruas de Agrabah e Peter Pan voa ao seu lado na Terra do Nunca. Essas trocas são apenas visuais e não interferem no gameplay, ou seja, praticamente uma simples alteração de skin. Seria muito mais interessante se tais substituições realmente influenciassem na jogatina, colaborando para criar fases únicas e com mecânicas variadas que fortalecessem as participações especiais.
Aladdin é um dos companheiros

Para ouvir e assistir

Os fãs de Kingdom Hearts não se divertirão apenas relembrando as músicas ou colecionando as peças do museu. As dezenas de fases irão balançar esses corações com a recriação de cenários clássicos. É simplesmente impossível não sair coletando referências ao revisitar Hollow Bastion, Destiny Islands ou Traverse Town. Mesmo quem nunca chegou perto de um game da franquia, mas assistiu as animações produzidas pela Disney, é afetado por esse fator nostálgico.

A porta com feições humanas que dá acesso ao País das Maravilhas está escondida no mundo de Alice, assim como Sora e companhia atravessam o inconfundível salão de bailes no castelo da Fera. Com o gameplay exigindo atenção constante, muitos desses detalhes passam despercebidos. No entanto, o título tem um modo de demonstração em todas as fases, com as ações realizadas automaticamente e o jogador livre para desfrutar dos cenários — ferramenta que não pode ser utilizada para “pular” fases.
A porta para o País das Maravilhas, além dos potes que alteram o tamanho da Alice
O padrão muda na etapa final de Melody of Memory, quando são narrados os fatos de Kingdom Hearts III. Os mundos de Frozen, Enrolados, Toy Story, Monstros S.A. e Operação Big Hero são totalmente diferentes do restante do game. Neles, os cenários são substituídos por cenas que mostram resumos dos acontecimentos desses universos, enquanto seu time voa entre as notas. O game também conta com solução que permite assistir às cutscenes sem preocupações, disponibilizando todas no museu.

Além dessas fases diferentes, o título tem algumas poucas lutas contra os chefões para quebrar um pouco o ritmo e apresentar algo novo. Apesar de reaproveitar praticamente os mesmos padrões e mecânicas dos estágios comuns, as batalhas trazem desafios extras e que exigem uma atenção maior para que sejam superadas. A última delas, em especial, cumpre bem o papel de testar a habilidade do jogador e colocar em prova tudo o que foi aprendido e devidamente aperfeiçoado durante a jornada musical.
Frozen, um dos casos em que os cenários são trocados por cenas

Na companhia dos amigos

Melody of Memory traz uma particularidade que era bastante comum no passado, parte de seu conteúdo vai sendo desbloqueado conforme se avança na campanha principal ou outros modos. Isso acontece, por exemplo, nas jogatinas online. Antes de desafiar jogadores do mundo inteiro para descobrir quem faz mais pontos, é preciso batalhar duas vezes contra o computador. Assim como disputas via internet, o game oferece multiplayer local, tanto competitivo quanto cooperativo.
Mesmo a versão para Switch tem seu sistema de conquistas

Músicas que emocionam

Mesmo sem tentar inovar, o game oferece uma experiência sólida para quem gosta de jogos de ritmo. Além disso, tem potencial de funcionar como porta de entrada para o gênero, atraindo a atenção de um público mais acostumado com os RPGs da série principal ou que cheguem ao título graças aos personagens da Disney. Por mencionar a casa do Mickey, teria sido positiva a presença de músicas originais dos filmes, com certeza, elas enriqueceriam ainda mais o produto.

Já para quem está junto da franquia há tempos, essa é uma interessante maneira de revisitar tudo o que aconteceu até aqui na história. Soma-se a essa experiência uma ótima playlist com as músicas da série, o reencontro com diversos personagens marcantes, cenários cheios de referências e detalhes, além de uma respeitável quantidade de ilustrações e cards para colecionar. Todo esse conteúdo faz de Kingdom Hearts: Melody of Memory um belo presente para todos os fãs.

Prós

  • Sólida coleção de músicas, com mais de 140 faixas;
  • Gameplay fácil de dominar e viciante;
  • Dificuldade balanceada e com níveis bem distintos;
  • Elevado fator replay com modos multiplayer e centenas de colecionáveis;
  • Maneiras inteligentes de acompanhar os cenários ao fundo;
  • Um novo jeito de revisitar a história de Kingdom Hearts.

Contras

  • Elementos de RPG não foram bem incorporados;
  • Poucas batalhas contra chefes;
  • Poderiam ter músicas extras, vindas dos filmes da Disney.
Kingdom Hearts: Melody of Memory — Switch/PS4/XBO — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

É jornalista e obcecado por games (não necessariamente nessa ordem). Seu vício começou com uma primeira dose de Super Mario World e, desde então, não consegue mais ficar muito tempo sem se aventurar em um bom jogo. Diretor de Redação do Nintendo Blast.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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