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Análise: Sakuna: Of Rice and Ruin (Switch) é um inovador híbrido entre dois gêneros totalmente distintos

O título mescla de forma inusitada um fiel simulador de plantação de arroz a um plataforma de ação.




Depois de cinco longos anos de desenvolvimento e alguns atrasos no seu lançamento, o jogo extremamente específico da Edelweiss, publicado pela XSeed (da série Story of Seasons) finalmente está entre nós. Após finalizar o interessante Astebreed, o time de apenas duas pessoas, o diretor Nal e o artista Koichi, começou a trabalhar em Sakuna: Of Rice and Ruin, que, ao final do seu desenvolvimento, contava com uma equipe de aproximadamente dez pessoas.

O resultado é uma experiência única, cheia de detalhes e conteúdo para explorar, mas que, infelizmente, peca por algumas repetições na sua fórmula tão diferente. Ainda assim, Sakuna transborda carinho e cuidado por parte dos seus criadores e certamente conquista uma posição singular dentro da lista de lançamentos marcantes de 2020.

Um jogo como você nunca viu antes

Em uma história totalmente influenciada pelos mitos do Japão feudal, Sakuna: Of Rice and Ruin reúne elementos clássicos já bastante referenciados na cultura pop, desde animes até videogames. Além dos demônios yokai (como onis e kappas), samurais, arquitetura antiga, vestimentas típicas e referências ao budismo e xintoísmo, o centro do gameplay do título coincide com a base da economia e do modo de vida do Japão antigo: o arroz. Aparentemente, o arroz não só garantiu a subsistência de milhares de japoneses, mas também nutre a força dos próprios deuses.

Após uma série de eventos, Sakuna, uma jovem deusa um tanto mimada, acaba sendo exilada junto com uma família improvisada de mortais em uma ilha controlada por demônios. De forma conveniente, a ilha já vem pronta com uma casa espaçosa que pertencia à mãe da garota, já preparada para plantações de arroz e para acolher o grupo durante esse período turbulento.


A pequena deusa é banida do reino celestial e incumbida de livrar por completo a tal ilha da influência dos demônios. Para isso, ela precisa aumentar sua força por meio do processo de plantar, colher e, eventualmente, consumir arroz. Não só plantar o arroz — cuidando de todas as minúcias do solo, dos grãos e do processo da colheita — ajuda Sakuna a subir de nível permanentemente; comer refeições com o arroz já pronto ativa uma série de buffs temporários para as habilidades dela.

Dito isso, você precisa saber dividir bem os seus dias entre duas atividades cruciais para a sua estadia na ilha: plantar o arroz e, de fato, enfrentar os monstros e libertar o local da influência maligna. O tempo passa de forma similar a um simulador de fazenda como Stardew Valley ou o próprio Story of Seasons, mas os "anos" são especialmente curtos. Os ciclos ocorrem em três dias para cada estação, começando na Primavera e terminando no Inverno. 


Em contrapartida, os dias até que possuem uma duração considerável. Geralmente — e principalmente durante as partes iniciais da aventura — não é tão difícil conseguir cuidar do arroz e ainda explorar uma área por completo antes do anoitecer. Isso é importante porque a noite do jogo significa mais do que um simples ambiente escuro e difícil de enxergar; o anoitecer acaba com o essencial efeito passivo de cura de Sakuna e os monstros ainda se tornam substancialmente mais agressivos do que durante o dia.

Mais do que apenas uma pegada diferente, o gameplay muda completamente quando Sakuna está em casa cuidando da plantação ou explorando a ilha derrotando demônios. Na área da casa, a movimentação do game é totalmente 3D e a câmera fica bem perto, logo atrás da personagem. Já durante os níveis de exploração e combate, o game se torna um side-scroller de plataforma que se assemelha a Super Smash Bros no processo de desferir golpes.

O arroz e a ruína

A variação constante de gameplay é ao mesmo tempo o ponto forte e o ponto fraco do jogo. Na verdade, as jogabilidades diferem tanto entre si que é fácil imaginar um jogador muito empolgado por uma dessas experiências, mas que não gostou tanto da outra. No entanto, primeiro vamos por partes abordar um pouco mais esses dois aspectos tão distintos.

Plantar o arroz, por exemplo, testa a sua paciência de uma maneira que eu imagino ser bastante similar ao processo real de plantar arroz. Na realidade, houve relatos de jogadores japoneses indo até o site do ministério da cultura do país e utilizando guias oficiais de plantação de arroz na vida real para se dar bem no game. 




Esqueça simuladores como Harvest Moon: plantar arroz aqui é minucioso e fiel à realidade de uma forma igualmente brilhante e frustrante. Desde o processo de separar os grãos, colocando lama na água e esperando que os melhores grãos flutuem dentro de um balde, até a longa atividade de bater o arroz para cima e para baixo infinitas vezes para alcançar a pureza máxima, todas as etapas possuem a sua importância em Sakuna.

Plantar as sementes no começo, por exemplo, é uma atividade infernal, em que as colocamos lentamente, uma a uma pelo campo, sem fazer a menor ideia de como e de onde são os locais ideais para o crescimento do arroz. Da mesma forma, a quantidade de água que irriga sua plantação é determinada de uma forma bastante arbitrária, com apenas uma simples e vaga dica de "deixar a água tocar em seus tornozelos". Em resumo, plantar arroz no jogo, para o bem ou para o mal, simula muito bem uma experiência mais séria.


Pelo menos o progresso das suas habilidades como fazendeiro — e é isso é algo com que o título lida muito bem em geral — é dinâmico, intuitivo e satisfatório. Enquanto você realiza todas essas árduas tarefas citadas acima, skills passivas que facilitam muito todo o processo são liberadas com o tempo. De repente, já será possível enxergar um grid que indica locais ideais para plantação, e você começa a adquirir habilidades como plantar mais de uma semente de uma vez, por exemplo.

A questão da irrigação também se torna menos complicada porque você consegue ver a porcentagem exata de água que se encontra no campo. Adicionalmente, ferramentas que facilitam trabalhos manuais como bater o arroz também se tornam disponíveis com o tempo e diminuem bastante a duração dessas tarefas.

Todas essas melhorias, porém, não querem dizer que o processo por completo se torna mais rápido, fácil ou até menos repetitivo. Em suma, o trabalho com o arroz em Sakuna é essencialmente igual do começo ao fim. O ato de plantar e cuidar de cada passo do arrozal com certeza se torna mais dinâmico e menos enrolado com o tempo, mas quando você chega nesse ponto já existem várias toneladas de arroz nas suas costas doloridas de trabalho. É difícil continuar empolgado com um processo tão minucioso e cansativo durante toda a duração do jogo. 


A "outra metade" do gameplay, que reúne a exploração e o combate, infelizmente se mostra um pouco mais limitada e repetitiva que o simulador de fazenda. Tudo começa com a forma escolhida para o deslocamento entre as diferentes áreas: um mapa confuso e bastante confinado em suas funções.

A forma de abrir outras áreas do mapa e seguir em frente com a história é aumentar o seu adventure rank, algo que é atingido apenas realizando objetivos específicos em cada uma dessas áreas. As missões não variam tanto e geralmente estão limitadas a derrotar um determinado chefão, achar um tesouro escondido, chegar na saída e outras poucas variações.

Cada área possui dois níveis de dificuldade diferentes, um para o dia e outro para a noite, que são equivalentes ao nível de habilidade de Sakuna. A diferença geralmente é gritante entre a força das áreas de dia e de noite, algo que acaba criando um post game de uma forma passiva. Você sempre sabe que irá demorar um bom tempo até ser possível completar determinada área durante a noite, então muitas das missões específicas para o período noturno acabam sobrando para quando você tiver acabado a história ou precisar subir seu ranque de aventura.


No início, as áreas são bem lineares e é fácil acabar todas as missões específicas de uma só vez. Basta entrar, enfrentar alguns monstros (geralmente, e até o final do jogo, uma combinação de coelhos, javalis e pássaros) e não deixar de olhar pelos cantos por algum tesouro escondido. Com o tempo, no entanto, alguns mapas se transformam em verdadeiros labirintos, ao mesmo tempo em que algumas missões se tornam específicas demais, o que complica bastante o processo de término de todas as quests de área.

Talvez você fique preso sem conseguir mais pontos para o seu adventure rank por um tempo durante as partes finais do jogo. O que complica é o fato das missões não possuírem uma explicação mais completa do seu objetivo, estando limitadas a uma pequena frase na tela principal. Também é normal que quests mais difíceis, chatas e pouco imaginativas acabem acumulando, como derrotar chefões em um tempo específico durante a noite, ou completar a área em um tempo pré-determinado. 


Ainda sobre o mapa, eu sinto que ele faz um verdadeiro desserviço para o jogador acompanhar o seu progresso. A única forma de averiguar quais missões ainda estão faltando é levar o cursor manualmente até a área que você acha que pode estar incompleta e clicar no local para então poder checar a lista. Aliado ao fato de que é impossível dar um zoom out no mapa, Sakuna realmente obriga você a mexer o cursor e "caminhar" pelo mapa toda vez que quiser explorar suas possibilidades. Em 2020, uma escolha de game design dessas não faz sentido. Uma simples lista geral de todas as missões deixaria todo o processo muito mais agradável.

Quanto ao combate em si, eu sinto que ele poderia ser bem melhor. Começando pela ambientação e os adversários, o fato é que tanto os cenários quanto os monstros são basicamente sempre os mesmos. Prepare-se para enfrentar os mesmos pássaros e coelhos a toda hora, provavelmente usando sempre o mesmo ataque, até aparecer um dos poucos chefões mais desafiadores.

Existe uma boa variedade de ataques. Há um ataque fraco e rápido com uma arma de uma mão e um ataque forte com a arma de duas mãos, os dois com direito a variações de golpes de acordo com o botão pressionado no direcional. Além disso, você pode equipar até quatro ataque "especiais" e quatro movimentos para o pano mágico de Sakuna. Sem acabar por aí, também é constante a troca de equipamentos durante o jogo, com direito a uma série de novas habilidades passivas. 


O problema é que, em grande parte, é mais fácil confiar sempre na mesma estratégia — uma questão até comum de jogos hack ‘n’ slash, mas que aqui parece encontrar seu ápice. Usar o ataque forte, por exemplo, quase sempre resulta em você ser atingido por um golpe inimigo. É mais sensato pressionar freneticamente o ataque fraco, repetir os mesmos ataques especiais para dar mais dano em alguns momentos e, por fim, usar o pano de Sakuna para movimentação pelo combate. Tirando um um dois chefões mais complexos nos seus padrões de ataque, utilizei essa mesma estratégia durante a maior parte da aventura sem grandes empecilhos.

Como você já deve imaginar, o resultado dos trechos de exploração e combate de Sakuna é parecido com a simulação de fazenda: um tanto repetitiva. É difícil se manter extremamente empolgado para viver essencialmente sempre a mesma experiência durante toda essa parte, assim como durante a plantação de arroz. De alguma forma, limitar o tempo de duração dessas duas "fases", mantendo alternância entre elas, acaba adiando o tédio das tarefas repetitivas e beneficiando o flow do jogo. O problema é que ele dura tempo demais e tanto o combate quanto a plantação inevitavelmente se tornam cansativos.

Uma colheita farta

Não deixe a seção anterior assustá-lo; no final de contas há muito o que se apreciar em Sakuna: Of Rice and Ruin. É importante frisar também que, embora as mecânicas principais possuam essa natureza de repetição, isso não quer dizer que elas não sejam bem divertidas em alguns momentos. Na verdade, é provável que parte dos jogadores nunca se canse de nenhuma das fases e aprecie Sakuna até o final e mais um pouco. 


As minúcias da plantação de arroz podem ser exploradas extensivamente, desde a separação da sementes, o adubo utilizado, a quantidade de água aplicada e a distância de plantio das sementes até o tempo de secagem do arroz e muito mais. O jogo também faz um ótimo trabalho em colocar novidades no meio do processo da plantação a todo momento. Por mais que o esforço seja repetitivo como um todo, existem sim novidades o suficiente para garantir um certo frescor à experiência. Sem falar que é bastante recompensador acabar uma nova remessa de arroz e ver esse trabalho diretamente refletido nas habilidades de Sakuna.

Algo especialmente interessante durante esses momentos de plantação são os inusitados ângulos de câmera dinâmicos utilizados durantes as etapas mais braçais do trabalho de campo. Em geral, toda a direção de arte do jogo é feliz em suas escolhas. Os gráficos são lindos e igualmente efetivos em transmitir a sua mensagem, tanto nos segmentos em 3D quanto nas partes de plataforma 2D. Os personagens não se movem muito, mas são sempre muito expressivos, além de totalmente dublados com vozes perfeitamente adequadas. 


Em relação às conversas entre os personagens, elas compõem grande parte da história, que, embora não muito extensa ou complexa, agrada bastante. Durante eventos aleatórios pelos dias na fazenda e jantares em "família" ao final de toda noite, é possível acompanhar esses personagens se desenvolvendo tanto sozinhos quanto em conjunto. Todos possuem personalidades bastante distintas e suas próprias funções específicas na operação de ajudar Sakuna a "limpar" a ilha. A protagonista é quem demonstra o maior crescimento, mudando aos poucos de uma deusa mimada para uma corajosa aventureira que aprende a se importar com sua nova família.

Quanto à parte sonora, ela é bastante adequada em todos os momentos, tanto durante a ação quanto no trabalho da fazenda, seguindo a linha dos instrumentos típicos do Japão feudal de forma bastante reconhecível. Eu diria que a trilha sonora não chega a se destacar tanto como um todo, mas consegue embalar com maestria os diferentes momentos do jogo, principalmente nas horas mais quietas e contemplativas. Talvez você não repare no que está ouvindo a todo momento, mas quando reparar, será agradável.


Sakuna: Of Rice and Ruin é um jogo realmente único. O resultado final talvez não tenha alcançado um certo nível de qualidade excepcional, mas a tentativa de fazer algo novo certamente atingiu seu objetivo. Por mais que a mecânica central esteja fadada a se tornar cansativa, ela consegue mesclar dois gêneros muito distintos com maestria, e isso é algo digno de respeito.

Se você gosta de simuladores de fazenda, plataformas de ação ou simplesmente de indies que não têm medo de inventar a sua própria fórmula, não deixe de testar Sakuna com suas próprias mãos. Fico no aguardo para o próximo lançamento da criativa dupla da Edelweiss, mas espero que dessa vez não demore outros sete anos.

Prós

  • Uma junção extremamente única e interessante de dois gêneros distintos;
  • Gráficos bonitos e expressivos;
  • História simples, mas com personagens marcantes e lotada de referências ao Japão feudal e suas lendas;
  • Trilha sonora agradável com as típicas notas e melodias do Japão feudal;
  • Sistema de plantação de arroz assustadoramente preciso e minucioso.

Contras

  • Problemas no acesso ao mapa e aos objetivos atrapalham bastante;
  • Fórmula inevitavelmente repetitiva, tanto para os segmentos de ação quanto para o simulador de fazenda;
  • O processo de plantação de arroz requer uma boa quantidade de paciência.
Sakuna: Of Rice and Ruin - Switch/PC/PS4 - Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch 
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela XSEED Games

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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