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Prévia: Everhood (Switch) – O que esperar dessa aventura rítmica de “RPG não convencional”?

Primeiras impressões da demo de Everhood.

Algo que acho particularmente interessante, e ainda pouco explorado, no gênero de action RPG (híbrido entre RPG e ação) é a possibilidade de mesclar elementos de RPG com outros subgêneros de ação que não o usual hack ‘n’ slash e outros tipos de ação com implementações já consagradas em séries como Diablo, The Elder Scrolls e The Witcher. Ocorre que o gênero action é muito vasto, ele abrange shooters em geral, platformers e até mesmo rhythm actions (também chamados “jogos de ritmo”); isso porque todos esses subgêneros têm em comum o fato de serem focados em desafios físicos (ações), tais como desafios de tempo de reação e de coordenação motora. Dada essa variedade de subgêneros de ação, há um grande potencial criativo para action RPGs.


E para citar alguns action RPGs que claramente fogem do “convencional”, nesse sentido, basta lembrar da jogabilidade de tiro em terceira pessoa na trilogia Mass Effect, da mescla de elementos de RPG com de plataforma nos jogos 2D de Castlevania, da alternância entre turnos e mecânicas de Bullet hell (um tipo de shooter) em Undertale, de 2015, ou mesmo da reimaginação do hack ‘n’ slash com o touchscreen do Nintendo DS em The World Ends with You, de 2007.

Pois então... ao que tudo indica, Everhood, indie desenvolvido pelas softhouses Foreign Gnomes e Surefire.Games, e que chegará em março deste ano para Switch e PC (Steam), também misturará elementos de RPG com uma jogabilidade de ação não-convencional para os padrões da indústria de action RPGs.




Quais são esses elementos de ação não-convencionais já ficaram claros para mim, mas não os elementos de RPG. Neste texto compartilharei um pouco de minha experiência com a demo do jogo e do que penso que possa sair de promissor ou não de seu estilo artístico, suas mecânicas e seu enredo.

Um enredo muito maluco e bem-humorado

A demo de Everhood começa de forma misteriosa, perguntando se o jogador concorda em abandonar o tempo e a humanidade e aceitar a imortalidade. Ao responder essa questão, o jogador controlará um boneco de madeira, chamado Red, logo após ter um de seus braços roubados. O objetivo da demo é seguir o ladrão (Blue Theif) para tentar recuperar seu braço roubado. Chegando, por fim, a um sombrio porco roxo de um só olho que, ao que parece, é um superior do Blue Theif.




Apesar de extremamente simples e linear, a narrativa da demo me deixou curioso para seus desdobramentos na versão completa, pois aparentemente as escolhas do jogador, em alguns momentos, podem fazer diferença na progressão da história. Em um certo momento, por exemplo, Blue Theif tem suas pernas roubadas e o jogador pode optar por ajudá-lo a ou não a recuperá-las. Será que ao incluí-lo ou não em sua party haverá alguma consequência em diálogos e cenas futuras, ou mesmo no gameplay? Se sim, escolhas como essa podem levar a desdobramentos interessantes.




Ademais, a pergunta misteriosa do início do jogo e o protagonista — em corpo de boneco de madeira — também me deixaram curioso para descobrir mais sobre a natureza do personagem e o mundo em que ele se encontra.

Uma pixel art minimalista e psicodélica com referências clássicas

Por enquanto, eu resumiria a estética de Everhood, de forma mais descontraída, como uma festa — muito "animada" — em que se encontram Crypt of Necrodancer, de 2015, e o já mencionado Undertale para jogar algum Guitar Hero.





Undertale claramente ecoa no humor de alguns diálogos, nos cenários minimalistas, nos personagens em estilo pixel art e um pouco também na trilha sonora. Em particular o design linear da demo — com cenários minimalistas, no escuro ou dentro de uma estrutura onde se passa uma festa — lembraram-me cenas específicas de Undertale. Veja uma comparação abaixo, com a primeira imagem de Undertale e a segunda de Everhood:





Contudo, o estilo de Everhood é um pouco mais detalhado e expressivo, além de ter um tom mais sombrio — mais próximo de Crypt of Necrodancer —, ao mesmo tempo é descontraído e inusitado. A trilha sonora também é um tanto diferente.

Salvo em lutas contra chefes, em Undertale a trilha sonora costuma ser leve, com uns poucos instrumentos acústicos ou com uns poucos sons em chiptune. Por outro lado, Everhood traz mais sons sintéticos, batidas de dance music, distorções de instrumentos elétricos e riffs de guitarra que me remeteram a blues/rock e rock psicodélico, o que não significa, claro, que não haja momentos com uma trilha mais calma ou mesmo momentos de silêncio.

O estilo musical do jogo repercute não só nos momentos de exploração, mas também no campo de batalha, cujo design remeteu-me a vários títulos de ritmo inspirados na clássica série Guitar Hero. Veja abaixo uma pequena comparação do gameplay de Guitar Hero, de 2005, com do Everhood, nessa ordem:





Esquiva, minijogos e musicalidade

Contudo, diferente de jogos de ritmo, como os da série Guitar Hero, em Everhood não se deve encostar nas representações de notas; pelo contrário, é preciso desviar delas pulando (quando possível) ou indo para um lado ou outro, analogamente como em Undertale o jogador deve desviar de projéteis lançados pelos chefes.

E falando em chefes... todos os combates disponíveis na demo de Everhood são únicos, como se cada um fosse uma batalha contra chefe, o que me faz esperar que o jogo terá somente combates nesse formato, ou seja, talvez não tenha lutas genéricos no meio do caminho, tais como costumam aparecer nos RPGs em geral.




Não vejo essa característica como algo necessariamente ruim, mas acredito que limitará as possibilidades de evolução do personagem via aquisição de itens, dinheiro, pontos de experiência ou seja lá quais recursos de RPG esse jogo possa vir a implementar, pois, pela demo, não fica claro o que propiciará a evolução do personagem. Além disso, certamente essa é uma das razões para terem avisado que se trata de uma campanha entre cinco a seis horas, bastante curta para um jogo que pretende ser, ao menos em parte, um RPG.

Com foco em lutas únicas contra chefes, a demo de Everhood já mostra que o sistema de combate, apesar de aparentemente simples, pode ser aproveitado criativamente de diferentes formas para torná-lo mais desafiador, como ao limitar a visão dos projéteis que vão na direção do jogador, inverter os comandos dos botões ou mesmo virar o cenário ao contrário.



Entretanto, a jogabilidade de Everhood não se limita aos combates. Como se pode ver tanto pela demo quanto pelo trailer de anúncio do jogo, ela envolve uma série de minijogos. A título de exemplo, o jogador, na demo, precisa usar percepção e memória auditivas para resolver um pequeno puzzle, a fim de abrir uma porta.




Mais questões do que expectativas

A demonstração do jogo da Foreign Gnomes e da Surefire.Games pareceu-me especialmente malsucedida em apresentar os elementos de RPG de Everhood, não deixando claro se a vida do personagem (três vidas que se regeneram) pode ser expandida ou se o jogador pode evoluir de alguma forma, encontrar equipamentos etc. Por outro lado, foi bem-sucedida em mostrar, em linhas gerais, o estilo artístico e narrativo do jogo, e seu apelo de adventure e, claro, de rhythm actions.

A ideia de um action RPG com mecânicas de ritmo e minijogos parece-me promissora, e o enredo, como um todo, apesar de curto e, até o momento, bastante simples, conseguiu chamar minha atenção e curiosidade. O estilo também me soou agradável e familiar. E achei a variedade de gameplay bem satisfatória para uma demo.

Por outro lado, apesar de Undertale ser um de meus jogos indies favoritos, o estilo de Everhood assemelha-se muito ao daquele jogo, e isso lhe tirou um brilho a mais que poderia ter se tivesse oferecido maior originalidade. Em contraparte, o bom-humor e a sensibilidade da narrativa de Undertale não parece ter qualquer paralelo com Everhood que, até esse momento, apresentou uma qualidade de humor duvidosa e um enredo que pode decepcionar em profundidade. Por fim, o tamanho do jogo e a ausência de elementos relevantes de RPG na demo deixam-me com um pé atrás sobre o quanto poderei experimentar da evolução do personagem nessa sua curta jornada.

De modo geral, a demo de Everhood deixou-me com uma expectativa relativamente alta e com uma sensação de que coisas promissoras podem estar a caminho, senão já nesse título, talvez em próximos desenvolvimentos da Foreign Gnomes e da Surefire.Games. De todo modo, poderei, no futuro, trazer uma análise da versão completa desse game no Nintendo Switch.
Everhood — Switch/PC (Steam)
Desenvolvedora: Foreign Gnomes e Surefire.Games
Gênero: Action RPG, Adventure, rhythm actions
Lançamento: 4 de Março de 2021
Expectativa: 4/5
Revisão: José Carlos Alves

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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