A produção de games no Brasil: um breve histórico e uma conversa com Tiago Jackson da Terça Indie

Uma história de muita luta feita por empreendedores.

Um coletivo de desenvolvedores brasileiros decidiu criar uma hashtag para dar mais visibilidade aos jogos brasileiros. Um dia por semana, jogadores, influenciadores e a comunidade em geral são convidados a conhecer, apreciar e apoiar a produção nacional. Assim nasceu a #TerçaIndie.


O Brasil é um país importante para a indústria gamer. A nível mundial está em 13º lugar, mas é o maior mercado da América Latina, movimentando mais de R$5 bilhões por ano. E a pandemia não freou o consumo dos brasileiros. Segundo pesquisa da empresa de cartões Visa, as transações financeiras feitas nas principais plataformas e consoles de jogo cresceram 140% em 2020 ante 2019. Segundo a companhia, também foi registrado um aumento de 105% na quantidade de cartões realizando compras de jogos ou extensões entre outubro de 2019 e setembro de 2020.

Apesar desses números e da qualidade do que os nossos profissionais conseguem produzir, muitos consumidores não conhecem os títulos nacionais. A concorrência contra grandes companhias internacionais e massivas campanhas de marketing é capaz de eclipsar um estúdio independente tentando colocar seu jogo na praça.

Por outro lado, o trabalho em conjunto de vários desenvolvedores para montar uma estratégia de marketing pode chamar a atenção para o grupo e beneficiar a todos. Isso torna iniciativas como a Terça Indie tão importantes, fortalecendo os estúdios brasileiros e permitindo que mais jogos sejam feitos e cheguem a mais gente. É o que nos conta Tiago Jackson, do Mirabolis Studios:
"A ideia surgiu de uma conversa mais informal entre alguns desenvolvedores, que perceberam que o público brasileiro conhecia poucos games nacionais. Muitas pessoas até mesmo desconhecem completamente a existência de produção de jogos no Brasil".

Made in Brazil

Engana-se quem pensa que a produção nacional é uma novidade. O primeiro jogo eletrônico produzido no país foi Aeroporto 83, do paulista Renato Degiovani. O numeral do nome refere-se à data de lançamento, julho de 1983, por meio da revista Micro Sistemas, a primeira publicação nacional dedicada à informática. O título vinha na forma de fita cassete (um formato mais usado para a gravação e reprodução de música) e tinha compatibilidade com a linha de computadores Sinclair ZX81.
O pioneiro Renato Degiovani
Os gráficos monocromáticos eram baseados em caracteres de texto. O objetivo do jogador era pousar um avião, representado pelo caractere “>”. Para concluir a aterrissagem, era necessário lançar bombas nos obstáculos que obstruíam a pista de pouso. Por ter tido um desenvolvimento mais curto, Aeroporto 83 acabou sendo lançado um mês antes de Aventuras na Selva, título também de Degiovani, que havia iniciado produção em 1982.

Há também títulos menos obscuros. Jogadores da velha guarda se recordam do clássico Mônica no Castelo do Dragão, lançado para Master System em 1991. Apesar de ser estrelado pelos personagens icônicos criados por Mauricio de Sousa, o game era uma modificação feita pela Tec Toy (na época representante da Sega no Brasil) do jogo Wonder Boy.

A estratégia foi um sucesso, rendendo mais três mods autorizados: duas continuações para a Mônica tendo como base outros Wonder Boy, e o game Chapolin x Drácula: um duelo assustador, de 1993. O personagem criado por Roberto Gomes Bolaños estrelava uma reprogramação do pouco conhecido Ghost House.

Os três títulos da Turma da Mônica deram coragem e credibilidade para a Tec Toy investir numa produção nacional de fato. A empresa conseguiu com a Universal a licença para o uso dos personagens da clássica animação Pica-Pau. Assim, em 1995 foi lançado Férias Frustradas do Pica-Pau, primeiro jogo brasileiro original para consoles.

A década seguinte viu crescer o número de projetos nacionais ganhando destaque e popularidade. A adaptação eletrônica do programa do SBT Show do Milhão, um fenômeno na época, foi produzida pela Editora Abril e lançada para PC em 1999 e para Mega Drive em 2000. Incidente em Varginha (PC) foi o primeiro jogo de tiro nacional, lançado em 1998. Deer Hunter 2004 (PC), um simulador de caça, fez enorme sucesso no exterior. Erinia (PC), de 2004, foi o primeiro RPG online e tinha inspiração no nosso folclore.
Outlive
Os jogos da Tec Toy e as adaptações dos programas Show do Milhão e Big Brother Brasil (lançado em 2002 para PC) faziam sucesso no país, mas ainda faltava o reconhecimento internacional. Isso mudou em 2000 com Outlive (PC). O game estilo RTS produzido pelo novato Continuum Entertainment chamou atenção desde as primeiras etapas do desenvolvimento. Cada passo do processo foi acompanhado e noticiado pela mídia especializada, gerando uma expectativa que chegou ao The New York Times. O estúdio paranaense conseguiu um acordo de distribuição internacional com a Take-Two, que enxergou o potencial AAA do título. Infelizmente, porém, as vendas decepcionaram. Além da inexperiência do estúdio brasileiro, a Blizzard lançou no mesmo período um jogo com a mesma proposta de Outlive e que virou um sucesso instantâneo: StarCraft.

O momento atual

O cenário da produção nacional atualmente é outro. O mundo volta seus olhos para nós, reconhecendo o potencial de nossas criações. Existem vários estúdios com jogos chegando às mais variadas plataformas, de smartphones aos grandes consoles. Os desenvolvedores estão conquistando seu espaço no mercado com a força da qualidade do produto. Agora falta alcançar o público.

Como Tiago Jackson nos conta, o objetivo principal da #terçaindie é "trazer o jogador para mais perto dos desenvolvedores e mostrar os jogos que estão sendo desenvolvidos". Com isso, busca-se valorizar a produção nacional, seja de um estúdio grande, seja de quem está apenas começando nessa carreira.
"Temos um grupo de desenvolvedores onde trocamos experiências, conversamos sobre a produção de jogos e discutimos sobre ações como esta. Os próximos passos ainda estão sendo discutidos pelo grupo, mas vamos continuar expandindo a #terçaindie, tentando dar cada vez mais alcance a ela e aos jogos brasileiros".
Até o momento já foram realizadas oito semanas de movimento e o coletivo considera que a repercussão está sendo muito boa. "Vários criadores de conteúdo, sites e jogadores passaram a integrar e divulgar a #terçaindie e os jogos participantes". Isso ajuda a ampliar o alcance dos títulos e aproxima o público. Tiago resume a importância da iniciativa:
"Este tipo de ação tem sido importante para que os desenvolvedores possam ter seus trabalhos vistos por mais pessoas e, muitas vezes, alcançar um público que não teriam de outra forma. O engajamento do público é essencial. Compartilhar, curtir e divulgar faz com que os jogos sejam conhecidos por mais pessoas. Com um maior apoio, os desenvolvedores conseguem realizar melhor os seus projetos, possibilitando aumentar a dimensão e qualidade dos seus jogos. Isso, a longo prazo, faz com que tenhamos uma indústria de jogos nacionais mais fortalecida e com mais jogos, o que é excelente para quem joga".

Como participar

O comunicado divulgado para imprensa pela organização esclarece como cada um pode participar do movimento. Além de medidas óbvias, como comprar um jogo, a terça-feira foi eleita como um dia chave para a divulgação da produção nacional. As orientações para participação foram divididas por categoria:
Como desenvolvedor: Postando em suas redes sociais nas terças-feiras utilizando a hashtag #terçaindie e também compartilhando sobre o jogo na thread principal no twitter, que terá um anfitrião novo a cada semana.

Como criador de conteúdo: Jogando ou soltando conteúdo sobre jogos brasileiros nas terças-feiras utilizando #terçaindie; divulgando jogos nacionais; compartilhando e curtindo as publicações dos desenvolvedores.

Como jogador: Compartilhando nas redes sociais os jogos brasileiros que tem jogado utilizando a hashtag #terçaindie; compartilhando e curtindo a thread principal da #terçaindie e as postagens oficiais dos desenvolvedores; e contando para os amigos sobre os jogos nacionais que você gosta.
O Nintendo Blast dá total apoio à produção nacional, seja divulgando os anúncios, cobrindo os lançamentos, realizando análises e conversando com os desenvolvedores. A participação brasileira no mercado contribui não somente para a pluralidade de opções, como também para a diversidade de ideias, tornando ainda mais rica e interessante essa forma de lazer.

E você, caro leitor? Conhecia esse histórico da produção nacional? Sabia dessa força atual dos desenvolvedores brasileiros? Já participou da #terçaindie? Conte para a gente nos comentários qual o seu game brasileiro preferido e confira as entrevistas que já realizamos só neste ano com pessoas envolvidas no mercado.
Revisão: João Gabriel Haddad

Nascido no mesmo dia que Manoel Bandeira (mas com alguns anos de distância), perdido em Angra dos Reis (dos pobres e dos bobos da corte também), sob a influência da MPB, do rock e de coisas esquisitas como a Björk. Professor de história, acostumado a estar à margem de tudo e de todos por ser fora de moda. Gamer velho de guerra, comecei no Atari e até hoje não largo os mascotes - antes rivais - Mario e Sonic.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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