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Análise: Astria Ascending (Switch) é um belo RPG, mas bem esquecível e problemático

Artisan Studios entrega um RPG bonito e com ideias interessantes, mas infelizmente mal executadas em seu conjunto.




Desenvolvido pela Artisan Studios e publicado pela Dear Villagers, Astria Ascending (Switch) é um JRPG com movimentação side-scrolling e elementos de plataforma 2D com um sistema de batalha tradicional por turnos, mas com um subsistema de exploração de fraquezas, e uma trama de fantasia com inspirações mitológicas.


Levando em conta uma produção de orçamento mediano, são louváveis os esforços do estúdio franco-canadense para dar uma personalidade japonesa, e ainda assim única, a esse lançamento ocidental, tanto pelas belas artes feitas à mão quanto pelo  título contar com dublagem em japonês (além do idioma inglês), e desenvolvedores japoneses notáveis em sua equipe.

Entre estes nomes estão Hitoshi Sakimoto, conhecido por suas composições para os TRPGs da série Ogre Battle os RPGs do mundo de Ivalice da Square Enix, como os da subsérie Final Fantasy Tactics, Vagrant Story (PS1) e Final Fantasy XII (Multi); e Kazushige Nojima, escritor de cenário de vários jogos das séries Final Fantasy e Kingdom Hearts.

O jogo tinha tudo para competir com títulos AA de grandes empresas que revitalizaram os JRPGs tradicionais, como Bravely Default (3DS) e Octopath Traveler (Multi). Contudo, infelizmente esses nomes não conseguiram salvar problemas profundos no level design de exploração, roteiro e na execução do sistema de batalha, por mais que contenham conceitos interessantes.



Uma arte com identidade acompanhada de boa música orquestral

Uma das características da trilha sonora orquestral de Sakimoto é não possuir necessariamente melodias marcantes, mas uma harmonia monótona e elegante, com  ritmo geralmente pouco marcado por percussão e preferência para sons graves de cordas e sons delicados de sopro, a depender da ocasião.

Essa tendência musical também está parcialmente presente na OST de Astria Ascending, que possui boas músicas (principalmente a que acompanha as batalhas), entretanto a maioria das peças não parece ter o mesmo poder de imersão encontrado em obras anteriores do compositor, como em Vagrant Story ou Final Fantasy XII.




Além da musicalidade, a segunda coisa que chama a atenção do jogador em Astria Ascending é o design detalhado dos oito personagens principais junto ao capricho com os cenários. Metade desses personagens — os oito semideuses referidos como “The Fated Eight” — são inteiramente humanoides (Alek, Alasia, Ulan e Arpajo); a outra metade, criaturas animalescas antropomorfas com um design bem único (como Kaydin, Dagmar, Eko e Kress). Em ambos os casos, há boas variações dentro de suas classes.

Talvez alguém possa objetar que às vezes alguns trajes dos personagens são excessivamente carregados visualmente, faltando uma certa delicadeza. Mas à parte essa impressão, eles são bem feitos. Porém,o mesmo nem sempre pode ser dito dos efeitos visuais, pouco modestos em relação ao dano causado por determinadas habilidades, e as animações, que são um tanto rígidas para o movimento dos personagens em salto, caminhada ou para abrir baús.




Quanto aos cenários da vasta terra de Orcanon, há uma grande variedade, como locais desérticos, bosques, esgotos e cidades. Em geral, são muito bonitos, especialmente os ambientes mais iluminados, e a arquitetura do mundo, em retas, de cores claras, repleta de detalhes incrustrados e de dispositivos, lembra uma mescla de tecnológico com medieval, como na cidade de Arcádia, de Final Fantasy XII.

Os problemas maiores que podem ser salientados são em relação aos cenários serem bastante estáticos, além de na maior parte não haver aproveitamento da profundidade, e muito pouco da verticalidade. Também pode-se observar que alguns cenários de bosques possuem objetos que atrapalham a visibilidade do caminho onde os inimigos se encontram. E, por fim, tanto o visual quanto a movimentação dessas criaturas são muito simplórios, além de poder ser de grande valia grindar e ganhar recursos para vencer alguns chefes mais desbalanceados.



Um interessante mundo mitológico, mas para uma trama facilmente esquecível

A trama de Astria Ascending se passa na terra de Orcanon, um mundo parcialmente em paz por conta de uma fruta mágica, Harmelon, que torna os seres harmoniosos entre si. Mas quando a paz não impera, por alguma razão, os semideuses existem para resolver possíveis problemas. Esses semideuses são controlados pelo jogador: oito deles, um para cada raça do mundo.

Um conceito interessante a respeito deles é que estão fadados a morrer após três anos, sendo, em seguida, substituídos por outros oito. Um conceito que poderia ser aproveitado em fenômenos bem interessantes para a trama somente, ou ainda para criar um elo entre o design narrativo e o gameplay. Mas, no fim das contas, a impressão que fica é que tanto ele quanto a complexidade de Orcanon foram subutilizados.




Para começar, os oito semideuses são apresentados juntos, em bloco e rapidamente, logo se infere que todos já se conhecem muito bem. A princípio, não é um problema, mas no decorrer da trama a relação entre esses personagens não é muito aprofundada nem no presente da aventura nem no passado.

É difícil criar um elo com esses personagens, que parecem bastante superficiais, quase sempre apenas com diálogos que acrescentam pouco, senão apenas para reforçar cada qual um determinado estereótipo dentro do grupo quando diante de NPCs ou situações adversas. Algo particularmente problemático para um JRPG; já que um tipo de RPG que costuma ter personagens cuidadosamente desenhados para uma trama, além de possuírem personalidades facilmente penetráveis pela sensibilidade do jogador.







Um gameplay versátil, mas com level design desastroso e combates desbalanceados

Astria Ascending é fundamentalmente um RPG, mas possui uma movimentação side-scrolling com elementos simples de plataforma 2D. Compatibilizar essas duas coisas não é algo fácil. Em um action-RPG é consagrada a fórmula da série Castlevania: Symphony of the Night (PS1) para tal, mas em RPG tradicional, essa ainda é uma tarefa que exige particular ousadia e criatividade em level design.

A equipe Artisan Studios optou por um design estilo corredor com portas, bastante simples, linear e repetitivo para o lado platformer, talvez sob a hipótese de que se justificaria diante de um sistema de batalha mais robusto, com customizações diversas e job system. As áreas não corredores que não exploram profundidade e muito pouco a verticalidade, o backtracking é muito simplório —  anos luz atrás dos mais simples metroidvanias —, e os action-puzzles são, em geral, muito pouco criativos.


Ademais, há um mapa pouco claro para se orientar em dungeons mais complexas, há muitas e longas telas de loading, e os inimigos movimentam-se com uma programação uniforme e previsível. Para completar, as batalhas podem muitas vezes ser bem desbalanceadas, especialmente alguns chefes. Mas nem tudo é ruim, e o sistema de combate é satisfatoriamente rico e estratégico.

Para além das regras usuais de RPG de turno, o jogo implementa o FP System, que, semelhante aos sistemas da série Bravely Default e de Octopath Traveller (Multi), permite “acumular turnos” e utilizá-los para, entre outras coisas, aumentar o dano ou restaurar vida.


Ao mesmo tempo, o combate de Astria Ascending também lembra um pouco os jogos da série Shin Megami Tensei após Shin Megami Tensei: Nocturne, nos quais os inimigos possuem fraquezas elementares que podem ser exploradas, assim recebendo 2 pontos de FP, e, inversamente, acertar o inimigo com algo em que ele tenha resistência resultará em perda de FP.

Esses sistemas tornam-se ainda mais interessantes se combinados ao job system do jogo. Os personagens são fixos na party, mas são constantemente customizáveis não só em equipamentos e acessórios, mas também 4 evoluções de classes para cada protagonista, que vão desde as mais tradicionais de JRPGs, como Black Mage e Hunter, até outras mais particulares do jogo, como Harnesser e Wushu.


Acontece que a cada personagem é atribuído um leque específico de classes. Ou seja, a distribuição dessas classes na party não é flexível como a tradição de JRPGs que remonta a Dragon Quest III, passando por Final Fantasy Tactics, Final Fantasy III e V etc. Contudo, resta ainda um processo interessante de evolução e variedade para a party.

Somado a esse job system mais modesto, também há árvores de habilidades inspiradas no Sphere Grid, de Final Fantasy X. Ainda que menos flexível que o Final Fantasy X, esse sistema permite diferentes escolhas de habilidades passivas ou ativas, com custo de pontos de SP para os personagens.




A conjunção desses sistemas torna o gameplay mais estratégico e interessante, especialmente contra chefes, mas vale salientar que o level design é desgastante e contribui para se perder com facilidade em algumas dungeons, além de vários combates que continuam desbalanceados, inclusive entre as classes, e isso afeta o aproveitamento dessas ideias, que, a princípio, guardam grande potencial.

Por fim, e em paralelo às batalhas usuais dos personagens, ainda há, para ocupar os momentos de ócio do jogador, um minigame de tabuleiro chamado J Ster, com peças em forma de hexágono usadas para “combates” com base em valores numéricos das peças. Um sistema que lembra o minigame de cartas de Final Fantasy IX (Multi).

Muito conteúdo mas nem tanta diversão

Astria Ascending (Switch) está longe de ser um RPG amplamente recomendável, mas pode agradar aqueles fãs mais assíduos do gênero que apreciem uma arte diferenciada e queiram apreciar o potencial de seus sistemas, apesar de pontos como o level design e o design narrativo levarem a qualidade do título muito para baixo.

Para aqueles que querem ver seu dinheiro se transformar em horas de jogo, Astria Ascending compensa (e muito). Há muito o que fazer nas dungeons, além de haver minigame e riqueza de formas de evolução da party, vindo de brinde uma estética audiovisual satisfatória. Por outro lado, é bem possível que a jornada seja frequentemente repetitiva e tediosa, com elementos de plataforma e action-puzzles muito superficiais, uma história pouco engajante e alguns combates frustrantes.

Prós

  • Música orquestrada com uma execução satisfatória e algumas boas peças;
  • Ótimos desenhos feitos à mão para os personagens principais e os cenários;
  • Bastante conteúdo principal e secundário;
  • Sistema de batalha estratégico e diferenciado;
  • Riqueza e flexibilidade de subsistemas para a evolução dos personagens.

Contras

  • Combate às vezes frustrante e desbalanceado;
  • Muito loading e ocasional queda de quadros;
  • Personagens mal desenvolvidos e pouco aprofundados na trama;
  • Level design muito simples, repetitivo e pouco criativo;
  • Mapas mal projetados para se orientar nas dungeons.
Astria Ascending — PC/PS4/XBOX/Switch — Nota: 5.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela Dear Villagers



Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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