30 anos de Romancing SaGa: a mais clássica série spin-off de Final Fantasy

Uma das mais importantes séries de JRPG, mas quase completamente desconhecida no Ocidente.




Primeira IP spin-off de Final Fantasy, a saga SaGa, com o perdão do trocadilho, começou com uma trilogia de Game Boy conhecida por aqui como Final Fantasy Legend (1989–1991), chamada de Makai Toushi SaGa no Japão. A Square (hoje Square Enix) traduziu o jogo na versão em inglês para lançamento mundial e o renomeou, vinculando-o à série Final Fantasy para melhorar o marketing.


O resultado foi que o primeiro título da trilogia superou até mesmo os jogos principais da série, de tal modo que The Final Fantasy Legend (JP/NA: 1989/1990) se tornou o primeiro Final Fantasy a vender mais de um milhão de unidades; mais precisamente 1.37 milhões. Os resultados positivos em vendas internacionais e em crítica no Japão, com nota 35/40 na Famitsu, resultaram em uma independência da série e em sua migração para o Super Famicom (versão japonesa do Super Nintendo), plataforma que seria palco de uma nova trilogia, Romancing SaGa.


A franquia SaGa foi criada por Akitoshi Kawazu, também conhecido como co-criador de Final Fantasy, por ter co-escrito o primeiro Final Fantasy e ter sido designer de batalha nos dois primeiros jogos da série. Nessa época, são notáveis fortes influências de RPGs ocidentais (tanto eletrônicos quanto de mesa) no trabalho de Kawazu nos primeiros Final Fantasy.

Por sua vez, na série SaGa, onde Kawazu trabalha até hoje, essa inspiração é ainda mais flagrante, e se mistura com um grande número de experimentalismos em design narrativo de exploração não-linear — o que é incomum em JRPGs — e em complexidades de design de batalha de formação de grupo que se tornaram sua marca, inclusive em suas participações fora dessa franquia, como The Last Remnant (Multi).

O início da série, com The Final Fantasy Legend (GB), foi marcado por trilha sonora do hoje renomado compositor de Final Fantasy, Nobuo Uematsu, e por um sistema de batalha semelhante ao de Final Fantasy II (NES), com equipamentos e habilidades que evoluem conforme o jogador os usa, sistema de turnos e escolha de classes únicas para os jogadores, assemelhada àquela escolha do início do primeiro Final Fantasy (NES).


Entre os conceitos mecânicos mais influentes introduzidos por The Final Fantasy Legend estão a possibilidade de armas quebrarem com o seu uso repetido e seu design do ecossistema de inimigos, como pelo fato de uma raça de monstros poder mudar dependendo de quais inimigos derrotados eles venham a consumir. Do ponto de vista da narrativa, também foi um jogo pioneiro na abordagem de memento mori, uma trama girando em torno da morte, enquanto o enredo consistia em histórias e missões secundárias vagamente conectadas, em vez de uma narrativa épica.

O jogo influenciou seus sucessores no Game Boy e vários outros títulos do console, até mesmo Pokémon. Sua relevância foi tal que a própria Nintendo solicitou à Square que a série fosse para o Super Famicom. Assim nasceu Romancing SaGa — título baseado no filme Romancing the Stone — e originou uma nova e mais ambiciosa trilogia que aquela de Game Boy.



1992 - Romancing SaGa (SFC)

Desenvolvido e publicado pela Square, Romancing SaGa chegou ao Super Famicom em 1992, e foi posteriormente lançado para o WonderSwan Color em 2001, versão essa portada para mobile em 2009. Contudo, o título apenas chegou ao Ocidente em 2005 na forma de remake para o PlayStation 2, Romancing SaGa: Minstrel Song.

Escrita, desenhada e dirigida por Akitoshi Kawazu, a trama, ambientada no mundo de Mardias, segue oito protagonistas diferentes em missões paralelas, que podem ser feitas em qualquer ordem, mas com escolhas que afetam o curso da história, ainda que sempre culmine em uma luta contra o deus sombrio Saruin. Assim como os títulos de Game Boy, a exploração é não-linear e as batalhas de turno usam formação de grupo (você pode colocar personagens na linha de frente ou na linha de trás, tendo repercussões no combate), porém agora mais complexa, com um sistema de combo e de ataque especial. Novamente não há pontos de experiência, os pontos de atributo e habilidades dos personagens dependem da tendência das ações escolhidas pelo jogador nas batalhas.





A série já não contava mais com as composições de Nobuo Uematsu, mas de Kenji Ito, que havia sido co-compositor da Final Fantasy Legend II (GB). Ito a partir de então trouxe maior inserção de instrumentos de percussão e, do ponto de vista de harmonia, deu à série um tom musical ao mesmo tempo dançante e relaxante, ainda que com alguns toques de rock clássico, características essas que marcam seu estilo também na série Mana (outra série spin-off de Final Fantasy). Já os personagens foram criados por Tomomi Kobayashi, um ilustrador novo na empresa que, a partir desse título, apresentaria um estilo icônico e inconfundível em JRPGs que acompanharia a série SaGa até hoje, bem como vários artbooks de suas obras.

Romancing SaGa (SFC) recebeu 31/40 da Famitsu e vendeu mais de 1.3 mi. de unidades somente no Japão. Décadas depois, infelizmente seu remake para PlayStation 2 não teve o mesmo impacto, sendo especialmente mal-recebido no Ocidente. Ficou com média 57/100 (MC) nas reviews mundiais e vendeu pouco mais de 500 mil unidades no ano de lançamento, mas 450 mil dos quais foram somente no Japão. Ainda assim, a recepção no Japão foi boa o suficiente para justificar um mangá temático em dois volumes (1994–1995), ilustrado por Saki Kaori.



1993 - Romancing SaGa 2 (SFC)

Desenvolvido e publicado pela Square em 1993, Romancing SaGa 2 foi exclusivamente desenvolvido para Super Famicom e relançado em 2010, especificamente para plataformas móveis, em uma versão que chegou ao Ocidente somente em 2016. No ano seguinte (2017), Romancing SaGa 2 foi portado para PC e para os principais consoles de oitava geração: Switch, PS4 e XBO.

Situado durante a história do reino de Avalon, dessa vez o jogador assume o papel de uma dinastia de governantes enquanto lutam contra os Seven Heroes, ex-salvadores do mundo que se corromperam e se transformaram em demônios. A jogabilidade apresenta uma exploração não-linear ainda mais rica em um mundo maior. Além de seguir as convenções de design de batalha do anterior, há o acréscimo de uma mecânica de escolher o próximo governante de Avalon, que herdará as habilidades do governante anterior.

Novamente com direção, design e roteiro de Kawazu, música de Ito e arte de Kobayashi, o jogo preserva uma estética audiovisual semelhante ao título anterior, mas com alguns arranjos de peças de Nobuo Uematsu do primeiro Final Fantasy Legend, e com os múltiplos protagonistas sendo deixados de lado para dar lugar a uma única linha dinástica de protagonistas relacionada a elementos de jogabilidade específicos.






Enquanto no Romancing Saga original os cenários eram alterados de acordo com as escolhas de diálogo durante as conversas, Romancing Saga 2 expandiu ainda mais essa ideia. A sequência contava com histórias únicas para cada personagem que podem mudar dependendo das ações do jogador, incluindo quem é escolhido para atuar em alguns eventos, o que é dito pelos personagens em diálogos e até quem está presente no grupo.

Por essas e outras razões, alguns analistas, como Jeremy Signor (PCGamesN), creditam Romancing SaGa 2 como o título que lançou as bases para os RPGs japoneses modernos com seu design de mundo aberto de forma progressiva e não-linear, bem como por seus temas subversivos. Vários de seus elementos são empregados até hoje em notáveis JRPGs modernos, como Final Fantasy XII (Multi) — cuja equipe Kawazu também fez parte — e NieR: Automata (Multi).

O lançamento de Romancing SaGa 2 foi acompanhado de uma adaptação de mangá, e o jogo se tornou o mais vendido entre os três da trilogia Romancing SaGa, tendo vendido mais de 1,5 milhão de cópias no Japão. Contudo, a recepção japonesa da versão original saiu com alguns bugs e outros problemas técnicos, além de trazer mais aprimoramentos do que propriamente inovações para a série, o que resultou em uma média de 26/40 na Famitsu. Sua remasterização em distribuição mundial muitos anos mais tarde chegou tarde para uma boa recepção crítica e de mercado, mas garantiu o reconhecimento internacional de sua importância no game design de JRPGs.



1995 - Romancing SaGa 3 (SFC)

Mais uma vez publicado e desenvolvido pela própria Square, Romancing SaGa 3 foi exclusivamente lançado no Japão para Super Famicom em 1995 e só viu a luz do dia no Ocidente em novembro de 2019, quando sua remasterização — feita em parceria com a ArtePiazza — foi distribuída internacionalmente para múltiplas plataformas.

Assumindo um design narrativo cíclico de fundo, a história parte da premissa de que há um evento — chamado de Rise of Morastrum — que ocorre a cada três séculos. O evento é marcado por um eclipse solar e termina por matar todos os recém-nascidos daquele ano, exceto um, sendo esse sobrevivente o Child of Destiny, que recebe grande poder. Por vezes esse poder acaba nas mãos de alguém que se torna um governante maligno, outras vezes, um virtuoso herói, de forma a gerar um ciclo de luta entre os legados de diferentes “destinados”. Em um contexto pós-Rise of Morastrum, o início da trama de Romancing SaGa 3 começa com oito protagonistas envolvidos na busca do Child of Destiny e na compreensão sobre o que está por trás dessa sucessão de eventos decisivos para o curso da humanidade.

O desenvolvimento contou com os mesmos nomes para arte e música e com produção executiva, design e roteiro de Kawazu. O jogador agora podia escolher qual entre oito personagens seria o protagonista, e novos personagens poderiam ser recrutados para o grupo ao longo do jogo. Além do sistema de sempre, sem pontos de experiência, foi adicionado um “sistema de vidas” ou índice de “pós-vida”, o LP system. A quantidade de LP diminui quando o HP do personagem é reduzido abaixo de zero ou quanto ele é atingido enquanto seu HP permanece em zero. Se o LP chega a zero, ele é removido do grupo, mas pode ser recrutado novamente, exceto no caso do protagonista, pois, caso seu LP chegue a zero, resultará em game over.





Kawazu também desenhou uma mecânica que permite aos personagens aprenderem novas técnicas durante a batalha, facilitando “virar a luta” a seu favor. Do ponto de vista de gerenciamento de formação de grupo, foi utilizado o Commander Mode, que requer pelo menos um personagem além do protagonista, o qual estará na linha de trás e “fora da batalha”.

O Commander Mode permite tanto configurações complexas quanto formações menores (para grupo com menos de seis personagens). Há também momentos em que o jogador emite comandos (avançar, correr, defender, recuar etc.) para soldados em vez de personagens individuais. Por fim, foi introduzido um sistema de nivelamento do level dos inimigos conforme o level dos personagens jogáveis, algo que mais tarde foi implementado novamente em Final Fantasy VIII (PS).

Com 34/40 na Famitsu para o título de 1995 e média de 73~75/40 nas reviews mundiais (MC/OC) para o relançamento de 2019, os críticos elogiaram a trilha sonora, os gráficos — que foram comparados com os de Final Fantasy VI — e a forma como Romancing SaGa 3 foi inventivo e estratégico em gameplay. Os críticos também acharam positivo que o jogo permitia recrutar personagens únicos, em vez de personagens mais genéricos, como em títulos anteriores da série.

Por outro lado, o jogo foi criticado negativamente por, entre outras coisas, requerer muito grinding, ter sidequests pouco desenvolvidas e ser excessivamente difícil e dependente de manual. Quanto à recepção de mercado, o jogo original teve ótimas vendas, com um número superior a 1.3 mi. de unidades vendidas somente no Japão, tornando-se o segundo Romancig SaGa comercialmente mais bem-sucedido e o terceiro mais vendido da série SaGa em geral.



30 anos de Romancing SaGa

Em comemoração aos 30 anos da série, a Square Enix dedicou um bom tempo de seu espaço na Tokyo Game Show de 2021 para falar sobre o histórico da franquia, sua importância para a empresa, para os JRPGs em geral e sobre sua preocupação em manter esse legado preservado dentro e fora do Japão, razão pela qual estava trazendo esses títulos para o Ocidente e também uma coletânea com a trilogia Final Fantasy Legend, que iniciou SaGa. Também para que sua memória continuasse vívida entre os japoneses, a Square Enix investiu em uma produção de tampas de bueiro muito bem-acabadas e artesanalmente tingidas em estilo pixel art para numerosas cidades do Japão.

SaGa teve uma entrada relativamente boa no PlayStation, com SaGa: Frontier iniciando uma subsérie, e teve muitos outros títulos que sucederam esse, mas não conseguiu manter a notoriedade que conquistou com os lançamentos de Super Famicom e Game Boy. É esperado um novo título dessa saga, ainda sem previsão de lançamento, e, com exceção do primeiro Romancing SaGa, os demais títulos mencionados nesta matéria estão disponíveis no Switch e em outras plataformas, os quais este que vos escreve indica vividamente a todos aqueles que são amantes de JRPGs retrô ou que são entusiastas de história e/ou game design de RPGs.

Revisão: Cristiane Amarante

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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