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Análise: Rune Factory 5 não consegue resgatar o brilho da querida franquia no Switch

O quinto capítulo da franquia Rune Factory falha em colher os frutos de uma série de boas ideias.



No ano de 2006, em uma tentativa de expandir e ampliar o escopo da famosa franquia Story of Seasons (anteriormente conhecida como Harvest Moon), a desenvolvedora Marvelous decidiu unir o seu já consolidado gameplay de administração de fazenda com elementos de um RPG de ação. O resultado? O primeiro Rune Factory para o Nintendo DS, que contava até com o subtítulo “A Fantasy Harvest Moon”.

A ideia de um Harvest Moon em um mundo de fantasia, ou melhor ainda, um “Harvest Moon em que você usa uma espada”, como colocado pelo produtor da série Yoshifumi Hashimoto, sempre fez bastante sentido, e Rune Factory rapidamente acumulou uma boa quantidade de fãs dedicados.

O problema é que o último lançamento da série foi Rune Factory 4 para o 3DS em 2012, que chegou a receber um port para o Switch em 2019, mas passou muitos anos sem qualquer pista de uma continuação. Agora, dez longos anos depois, Rune Factory 5 finalmente se torna realidade no Nintendo Switch. Será que esta quinta edição consegue entregar uma experiência fiel ao legado da franquia?

A fazenda fantástica


Por algum acaso do destino, eu acabei escrevendo análises para todos os últimos grandes lançamentos da Marvelous com a temática “fazenda” no Nintendo Switch: Story of Seasons: Friends of Mineral Town, Story of Seasons: Pioneers of Olive Town e Sakuna: Of Rice and Ruin — que, embora seja apenas publicado pela empresa, ainda mantém algum foco em plantação e colheita.

Não escondo o meu apreço pelo gênero, incluindo Harvest Moon para o SNES e Stardew Valley como alguns dos meus jogos preferidos de todos os tempos, mas eu nunca havia jogado um título da série Rune Factory até então. Também sou especialmente fã do gênero RPG, incluindo action RPGs e jogos de aventura com elementos de progressão em geral, então pode acreditar que eu tenho bastante potencial para ser exatamente o público-alvo de Rune Factory.

Logo no início, porém, é fácil perceber que Rune Factory 5 sofre com alguns dos mesmos problemas estruturais de Story of Seasons como um todo (que eu já explorei de forma abrangente em minhas análises passadas da franquia). Em resumo, o enorme potencial sem dúvidas é desperdiçado por razão de uma série de escolhas ruins que vão desde a apresentação até a jogabilidade em si.

A união de dois gêneros mal-executados


A partir da tela inicial, os primeiros menus com os quais você se depara já apontam para uma certa falta de polidez no projeto como um todo. Os mesmo ícones grandes e coloridos com fontes levemente inadequadas marcam presença em Rune Factory 5 com ainda mais força do que no último Story of Seasons para Switch. Honestamente, não consigo entender a insistência da Marvelous em optar por uma interface de usuário diretamente inspirada por qualquer jogo de celular gacha chinês genérico da App Store.

Na verdade, o comentário acima pode até ser injusto com alguns mobile games que são muito mais bonitos e bem apresentados do que o último Rune Factory. A sensação de estar jogando algo mal-acabado infelizmente persiste durante todo o gameplay. Indo além do visual dos menus, os gráficos como um todo, a performance, a jogabilidade e até detalhes como a disposição dos locais na cidade e o visual do mini mapa falham em demonstrar otimização e qualidade. 


Partindo de sua história bastante simples, vemos aquele velho clichê do protagonista de anime com amnésia que acaba de chegar à cidade e que por acaso possui um grande talento para algo específico (que acontece de forma similar até mesmo no recente Pokémon Legends: Arceus). Apesar da premissa descomplicada, no entanto, é incrível como Rune Factory consegue ser desnecessariamente complicado em todos os seus aspectos.

Ao contrário da maioria dos “jogos de fazenda”, principalmente dos que são realmente bons, as tarefas que compõem o ritmo de um dia em Rune Factory 5 parecem sempre pedir um pouco mais de esforço e paciência do que o ideal. O simples ato de pegar um objeto no chão para consumir ou guardar envolve vários passos. Quase nada é coletado automaticamente e tudo pede por várias irritantes confirmações de botões. 

Trocar de ferramentas também não é nada intuitivo, limitando você a segurar apenas uma arma e uma ferramenta de fazenda por vez, algo que inclui até as sementes. Para iniciar uma plantação do zero, por exemplo, você precisa: escolher a enxada no menu; utilizar essa enxada para arar os ‘quadradinhos” do campo com o pior sistema de “mira” no solo que eu já vi em um jogo do gênero; escolher as sementes no menu algumas vezes (porque elas são separadas em pacotes de no máximo nove); plantar uma por uma usando a mesma “mira” infeliz; escolher um regador no menu; e, finalmente, regar cada “quadradinho”, utilizando o máximo de concentração para acertá-los rapidamente e poder seguir em frente com sua vida.


O problema é que seguir em frente envolve continuar no mundo lento e inconsistente de Rune Factory 5. Até mesmo o simples e supostamente instintivo ato de andar pela cidade compartilha da mesma dificuldade do trabalho na fazenda. O layout do lugar é desnecessariamente complexo, com prédios virados para lados aleatórios da rua e organizados de forma confusa, muito espalhada e pouco ordenada. O mini mapa, por sua vez, é pequeno demais e permanece mostrando ícones de evento gigantes na maior parte do tempo, atrapalhando ainda mais a localização.

Existe um sistema de teleportes rápidos pela cidade, um recurso certamente muito bem-vindo. A questão, no entanto, é que não é possível se transportar diretamente para uma localidade, apenas para um local próximo, o que faz com que você ainda continue sendo afetado pelas escolhas infelizes da disposição dos prédios do povoado. 

Tudo piora ainda mais com os problemas de performance diretamente relacionados à locomoção. Tirando os tempos de carregamento longos demais tanto ao entrar quanto ao sair de alguma localidade, quando você parte de algum lugar a queda de FPS é tamanha que o jogo congela por alguns segundos até voltar ao normal. Essas quedas, por sinal, ocorrem de forma constante, seja só andando por aí ou durante alguma batalha importante.


Já é bastante ruim que a parte de plantação e colheita seja cansativa e burocrática demais em um jogo de “fazenda”, no entanto a outra mecânica principal de Rune Factory 5 também incomoda de maneira bem similar: o combate.

É nesse aspecto que a movimentação do personagem realmente mostra os seus defeitos. O combate é simples demais, mas ao mesmo tempo complicado pelos problemas de câmera e movimentação. O dash do seu personagem é lento e pouco responsivo, a velocidade dos ataques é igualmente devagar e estranha, e muitas vezes fica difícil entender o que está acontecendo graças aos ângulos da câmera.

Lutar no corpo a corpo chega a ser insuportável em alguns momentos, o que praticamente obriga você a utilizar apenas as ilimitadas e poderosas magias de longa distância, algo que deixa o jogo 300 vezes mais fácil. Há toda uma mecânica de captura de monstros que é legal, assim como o recrutamento de amigos e interesses amorosos da cidade para sua party, mas as batalhas simplesmente não são divertidas. É normal que alguns actions RPGs possuam um combate mais quadrado e repetitivo, mas Rune Factory 5 erra feio nesse aspecto.

Um grande pacote vazio


Um híbrido de simulação de fazenda com RPG de ação que faz os dois trabalhos pela metade só pode ser considerado um fracasso. Achei extremamente difícil entrar no flow da vida de fazenda tanto quanto realmente apreciar o combate e os elementos de RPG. Infelizmente, jogar Rune Factory 5 para mim chegou mais perto de se tornar uma obrigação do que um momento relaxante e divertido com um jogo de videogame.

Para ser sincero, após as primeiras 10 horas de jogo eu me encontrei enfim apreciando alguns momentos da minha jornada. O game não é horroroso em todos os sentidos; afinal, existem muitas boas ideias e até execuções felizes durante o gameplay. O problema mesmo é a falta geral de polimento. 

Se você for realmente muito fã da franquia, ou se tiver muito tempo livre e/ou bastante amor pela temática de simulação em um mundo mágico, não será tão complicado se divertir. A história principal em si pode ser um pouco clichê e não muito longa, mas os personagens e a construção do mundo ainda podem ser considerados os pontos fortes da experiência como um todo — assim como a parte artística de fato. Há uma quantidade saudável de garotas e garotos mágicos de anime muito bem desenhados para você conhecer, conversar, casar e até lutar ao lado contra os monstros da região. 


Também existe um bom número de coisas para fazer, construir, coletar e melhorar. É possível achar novas armas, fazer upgrades em ferramentas, aprender magias, criar monstros, decorar sua casa, melhorar e aumentar as opções das lojas e prédios da cidade, entre várias outras opções. Há muito conteúdo disponível aqui, a questão é que você precisa conseguir ignorar os problemas estruturais e realmente gostar da fórmula da jogabilidade para poder aproveitar.

Eu queria muito conseguir apreciar melhor o mais novo Rune Factory, ainda mais após esse enorme tempo de espera que os fãs ferrenhos da franquia tiveram que suportar, mas o resultado é um tanto doloroso. Nem a parte sonora se salva do sentimento genérico do pacote final, entregando faixas cansativas e repetitivas junto a efeitos de som que beiram ao irritante. 

Ideias boas, porém sem rumo


Todas as boas ideias estão aqui, a Marvelous só precisa criar coragem de executá-las da forma adequada. Rune Factory 5 consegue entregar bastante conteúdo, oferecendo uma enxurrada de elementos típicos da série para os fãs, mas entregando-os junto a uma coleção de erros e descuidos. Problemas de performance, falhas estruturais de game design e falta de polidez acabam arruinando o potencial dessa aguardada continuação da clássica franquia.

Prós

  • Um mundo rico, cheio de personagens bem desenhados, interessantes e com personalidades variadas;
  • Uma vasta gama de objetivos e possibilidades para se explorar.

Contras

  • Apresentação genérica e mal-executada;
  • Problemas estruturais de game design que complicam tarefas simples;
  • Quedas de FPS e travamentos;
  • Problemas de movimentação e câmera;
  • Trilha e efeitos sonoros repetitivos e desagradáveis.
Rune Factory 5 - Switch - Nota: 5.0
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Xseed

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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