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Análise: The Crimson Flower that Divides: Lunar Coupling (Switch): uma flor em meio a uma problemática disputa de nações

O otome game da Operetta Due chega ao Ocidente após 11 anos do seu lançamento original.

Originalmente lançado para PC no Japão sob o título Koezaru wa Akai Hana, The Crimson Flower that Divides: Lunar Coupling é uma visual novel otome (protagonista feminina, múltiplos interesses românticos) desenvolvida pela Operetta Due. O jogo conta a história de uma garota raptada em meio a um conflito entre duas nações e que tem a chance de conhecer o amor em meio a essa situação.

Em posse do inimigo

Naala era apenas uma garota humilde que vivia no reino de Rus com sua família. Porém, pouco após a morte de seu pai, a jovem se vê diante de uma situação aterrorizante: sua mãe foi raptada pela nação do norte (Nasla). Essa nova realidade leva Naala a ser criada como filha adotiva do rei e futura esposa do príncipe Auri, a quem ela considera mais como irmão do que como noivo.

Pouco tempo antes de seu casamento se concretizar, Naala está novamente diante do pesadelo que marcou sua infância: a nação Nasla voltou a raptar as mulheres de Rus e ela teme que suas melhores amigas sofram esse destino. Habilidosa com o arco-e-flecha, ela tenta conter os invasores, mas acaba sendo apenas mais uma vítima da diferença de força entre esses dois povos.

Uma vez que Naala é pega, porém, começamos a entender os motivos que levam o povo de Nasla a tamanha atrocidade e as forças internas daquela nação que podem transformá-la. A raíz de tudo está em uma grave doença conhecida como “The Rot” (A Podridão), que corrói os órgãos internos das pessoas e atinge em especial as mulheres.

A narrativa de The Crimson Flower that Divides: Lunar Coupling busca então discutir como esse problema e uma visão profundamente machista da sociedade levaram a uma problemática política interna e externa em Nasla. Vistas apenas como objetos a serem usados para o prazer dos homens e para manter o legado desse povo, as mulheres sofrem com leis injustas voltadas a “fortalecer a nação” e “garantir progenias”. 

Nesse contexto, é bom ver que a protagonista Naala possui uma personalidade forte e visões contrárias às várias injustiças que observa ao longo da trama. O fato da personagem possuir uma voz ajuda na construção dela com uma grande presença dentro dos eventos.

A lei da seleção

Apesar de terem sido levadas à força, a obra logo revela que o rei tem uma visão diferente sobre os raptos. Embora ele ainda não consiga mudar as políticas por conta da escassez de mulheres, Touya deseja mudar esse quadro e melhorar as relações entre Nasla e Rus. A visão de futuro dele é uma em que a epidemia é controlada e ambos os povos podem viver em harmonia sem forçar mais sofrimento às mulheres.

Enquanto não consegue mudar a tradição de raptos sem o apoio do conselho, o rei pelo menos faz com que uma nova lei seja adicionada. A ideia é simples: as mulheres terão o direito de escolher os homens com os quais desejam casar e ter filhos, e passa a ser considerado crime o abuso delas (implicando que antes realmente não era).

Se por um lado isso pode parecer uma espécie de “lado bom” da situação, na prática as mulheres continuam em uma situação asquerosa que fere seus direitos humanos. Nesse sentido, algumas pessoas podem considerar bem questionável a proposta de mostrar Naala se apaixonando por esses rapazes ao conviver mais com eles. Afinal, sabe-se na vida real sobre a Síndrome de Estocolmo e é no mínimo importante problematizar os elementos romantizados das relações afetivas nesse contexto social.

Tópicos pesados como escravidão, suicídio, assassinatos políticos e abusos físicos e sexuais são claramente mencionados na trama. Embora a obra corte o conteúdo de sexo explícito que estava presente na versão original, o tom se mantém e são perceptíveis trechos em que teria acontecido algo a mais.

Rapazes na linha entre inimigo e amante

Como um otome game, a proposta de The Crimson Flower that Divides: Lunar Coupling traz Naala se envolvendo romanticamente com vários rapazes de acordo com suas escolhas.

O primeiro interesse romântico a aparecer é Touya, o rei de Nasla e um rapaz que parece genuinamente preocupado com o bem-estar das mulheres sequestradas. Frequentemente, ele demonstra exatamente o que pensa e tem um desejo bem puro para o futuro, porém guarda segredos sobre o seu passado a sete chaves.

Outra figura fundamental é Suren, o líder das forças militares do país, que age de forma rude com frequência. Apesar disso, seus subordinados conseguem perceber que ele possui um coração bom. Suren se interessa em particular por Naala, tendo em vista que ela derrubou alguns de seus subordinados em combate, demonstrando-se uma mulher com a força física que ele tanto admira.

O terceiro interesse romântico que pode ser considerado “principal” da trama é Nohl, assistente político do rei. Embora seja o braço direito de Touya, ele é uma verdadeira “cobra” cujas atitudes são ardilosas, e a sua personalidade é simplesmente podre. Ele é uma pessoa cujas palavras são ácidas e muito sarcásticas, e a sua maior diversão é manipular todos ao seu redor como joguetes políticos.

Cada um desses rapazes é responsável pela primeira mudança de rota, mas nelas há também ramificações para que Naala fique com outros rapazes. Durante a história de Touya, a garota pode se envolver com o médico Ruzi ou nutrir muito carinho por seu serviçal Uru, por exemplo, o que leva a finais alternativos.

Há uma boa variedade de rapazes com os quais a protagonista pode se relacionar, resultando em mais de vinte finais, além de epílogos para oito encerramentos bons e algumas histórias adicionais desbloqueáveis. As ilustrações especiais já vistas durante o jogo também podem ser conferidas separadamente em uma galeria.

Chegando ao Ocidente pela primeira vez

Embora Crimson Flower seja bem interessante em sua discussão social e na variedade de opções de rapazes para Naala, a tradução infelizmente deixa a desejar.

Erros de digitação e construção de frases são frequentes, fazendo com que a leitura seja frequentemente interrompida para a interpretação do que “deveria estar escrito ali”. Notei até mesmo inconsistências de termos cuja tradução muda a grafia em certas ocasiões e frases que realmente perdem o sentido por uma tradução excessivamente literal.

A sensação que fica é a de que a equipe de tradução não pôde contar com edição e testes para garantia de qualidade. Em se tratando de uma visual novel, o texto é um elemento fundamental da experiência e a dificuldade de leitura e entendimento é uma falha gravíssima.

Para quem é muito fã do gênero e tem interesse no contexto, ainda é possível aproveitar a trama, mas é importante ter ciência desse problema antes de começar a jogar. Caso você saiba japonês, há a opção de usar o texto original (chinês também está na lista), ao contrário das versões ocidentais da Aksys Games.

Vale destacar também que Crimson Flower não conta com nenhum tipo de fluxograma ou outra ferramenta que simplifique a exploração das rotas. Apenas ao fazer uma escolha, o jogo indica o aumento do afeto de um personagem, ajudando o jogador a se guiar em relação ao seu alinhamento com os interesses românticos, mas a ausência de algo mais permanente e significativo pode atrapalhar um pouco a exploração sem um guia.

Além disso, o estilo artístico da obra acaba tendo algumas oscilações. Embora os sprites usuais dos personagens sejam charmosos e atraentes, as artes utilizadas para representar os pontos importantes da trama acabam reforçando algumas imperfeições anatômicas e em alguns momentos acabam parecendo um pouco destoantes do modelo original. Em especial, a coloração dos personagens em algumas cenas específicas acaba passando uma impressão de baixa qualidade.

Uma obra para as fãs

The Crimson Flower that Divides: Lunar Coupling é uma visual novel otome que vale a pena para quem é fã do gênero, mas a tradução para o inglês deixa a desejar. O contexto social e político da trama é envolvente e traz discussões relevantes sobre o poder e o machismo que se sobressaem à aparente romantização do afeto em um contexto moralmente questionável.

Fica a expectativa para que a HuneX possa corrigir os defeitos e trabalhar para que os próximos jogos tenham um maior cuidado com a qualidade da tradução, pois esse é um elemento essencial de uma obra do gênero.

Prós

  • Trama curiosa que envolve um contexto social e político conturbado, com destaque para uma epidemia e as disputas de poder entre nações;
  • Boa variedade de personagens que servem como interesse romântico da protagonista;
  • Naala é uma mulher forte, de opiniões claras e com forte presença graças à sua voz.

Contras

  • A tradução para o inglês possui erros textuais frequentes;
  • Ausência de elementos permanentes que facilitem a exploração da trama;
  • As ilustrações de momentos relevantes da trama acabam tendo alguns detalhes que dão a sensação de uma qualidade inferior à dos sprites básicos.

The Crimson Flower that Divides: Lunar Coupling — Switch/PC — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Dramatic Create/HuneX


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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