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Análise: ghostpia Season One (Switch) traz uma boa pedida para fãs de literatura introspectiva

A primeira temporada traz uma narrativa que aborda temas como amizade, utopia e a busca pela liberdade.

Se eu tivesse que descrever ghostpia Season One, com certeza usaria o provérbio “não julgue um livro por sua capa”. Por trás de seu visual um tanto quanto único, com imagens estáticas que remetem ao estilo lo-fi, temos uma interessante aventura textual que serve como uma viagem introspectiva.

Era uma vez uma cidade fantasma

Ao longo de seus cinco capítulos, esta primeira temporada se passa majoritariamente em uma cidade fantasma com exatos 1.024 habitantes — todos fantasmas. O jogo nos coloca sob o ponto de vista de Sayoko, uma moradora do local, enquanto conhecemos mais sobre o funcionamento dessa cidade e o comportamento dos fantasmas.

Para não dar spoilers, vou me ater a alguns detalhes, aqueles que julgo mais importantes: há uma Igreja, que basicamente dita as regras da cidade; um míssil nuclear em um local que lembra uma praça central, mas que nunca explodiu (e misteriosamente possui o nome de todos os habitantes em sua carcaça); e o mais interessante de todos: os fantasmas não podem sair ao sol, sendo assim, toda a movimentação acontece à noite.


Aparentemente, a cidade é sempre gélida e coberta por neve, sem nenhum sinal de civilização para além dela. Também aprendemos, por meio de Sayoko, que fantasmas, embora sejam imortais, não são imunes à dor, tanto física quanto psicológica. A protagonista tem duas amigas, Anya e Pacifica, com as quais sua relação não é das melhores, mas ela não se lembra por quê.

No entanto, tudo parece chacoalhar a mesmice na cidade — e a amizade entre Sayoko, Anya e Pacifica como um todo — quando uma nova fantasma é anunciada, quebrando o padrão de 1.024 habitantes. Por que agora? E quem é essa garota? Esse é o pontapé inicial nesta instigante visual novel.

Uma viagem introspectiva

À primeira vista, o contato com ghostpia é um tanto confuso, já que a personagem principal tende ao melancolismo e todo o desenrolar da narrativa parece seguir fragmentos de memórias de Sayoko, que aos poucos se juntam aos de Anya e de Pacifica, mas nunca parecem estar completos. Tudo indica que as amigas estão em busca de suas memórias verdadeiras, mas falta aquele quê, o qual não conseguem encontrar.

Apesar de a apresentação audiovisual tentar disfarçar o teor narrativo da visual novel, os cinco capítulos que compõem esta primeira temporada são capazes de causar bastante desconforto no leitor — mas não de um jeito negativo, vale ressaltar. Temas como amizade, o significado de utopia e até mesmo a busca pela liberdade são apenas alguns dos vários abordados nas linhas gerais de ghostpia, que acaba dialogando muito mais com o nosso cotidiano do que aparenta na superfície.


No entanto, é difícil prever a reação de cada jogador frente às adversidades enfrentadas pelas personagens principais, em especial as de Sayoko. Este é mais um jogo que dialoga com o indivíduo como um todo; por exemplo, do meu ponto de vista, inferi que a protagonista pode sofrer de depressão, uma condição com a qual convivo diariamente, dados alguns comportamentos que compartilhamos — no entanto, outras pessoas podem ter uma impressão diferente de Sayoko, por assim dizer. 

Talvez essa particularidade, essa imprevisibilidade narrativa, seja o ponto alto de ghostpia como um todo. Confesso que foi difícil deixar o jogo de lado para escrever esta análise, tamanho o impacto que ele teve em mim.

Uma charmosa estética lo-fi, mas nenhuma escolha

ghostpia é mais uma visual novel linear, isto é, sem nenhum tipo de interferência por parte do jogador-leitor. Esse fato, por si só, pode deixar pessoas com a pulga atrás da orelha, pois a duração é um tanto quanto longa em se tratando de uma visual novel dessa categoria. No entanto, apesar de demandar um grande tempo de leitura, ghostpia consegue balancear drama e comédia de maneira ímpar, além de trazer personagens carismáticas e de fácil identificação, tornando a leitura incrivelmente prazerosa, mesmo com seus temas desconcertantes.

A apresentação audiovisual, cujo estilo remete ao lo-fi, me passou a impressão de estar lendo um livro infantojuvenil no Switch. O charme todo fica por conta do filtro CRT, que dá a ghostpia uma identidade única frente a outras visual novels na biblioteca do Switch. Claro, é possível desligar esse filtro, caso assim o jogador deseje, mas, na minha opinião, o recomendável é deixá-lo ligado.


É até curioso dizer isso, porque, de início, resolvi desligar o efeito CRT, pensando que isso facilitaria a leitura — no momento em que escrevo esta análise, joguei ghostpia apenas no modo portátil. No entanto, depois de alguns minutos, logo me habituei ao filtro e daí veio a estranheza: o efeito CRT faz parte da identidade visual do jogo como um todo. É como se a visual novel só fizesse sentido se jogada dessa maneira.

No entanto, embora tenha uma excelente performance, preciso dizer que achei a navegação nos menus um pouco confusa, especialmente quando o stick esquerdo aciona o avanço ou o retrocesso do texto. Apesar de ser interessante ver um efeito que lembra o das extintas fitas-cassete (VHS), um esbarrãozinho no analógico já é o suficiente para atrapalhar a leitura.


Além disso, o tamanho da fonte não é o mais convidativo: achei-o demasiadamente pequeno mesmo no modo portátil. Para quem costuma jogar on the go, como é o meu caso, a movimentação do ônibus ou do metrô pode dificultar a leitura, tamanha a miudeza das letras. 

De resto, como toda boa visual novel que se preze, ghostpia conta com opções para velocidade do texto, volume e outras qualidades de vida. Senti falta apenas da compatibilidade à tela sensível ao toque do Switch, o maior atrativo do console, mas nada que impacte na jogatina de forma geral.

No aguardo da “season 2”

ghostpia Season One traz cinco capítulos que formam uma trama completa. Analisando do ponto de vista narrativo, é difícil descrever esta visual novel, já que os temas abordados trazem um impacto que variam de jogador para jogador, mas, no geral, a história é satisfatória e instigante, dosando drama e comédia na medida certa.

A escolha audiovisual é, com certeza, o ponto alto de ghostpia, embora a falta de escolhas ao longo da trama e a confusa navegação pelo menu possam afastar jogadores que prefiram visual novels mais interativas. No mais, para quem curte uma leitura densa e introspectiva, mas bem amarrada, temos aqui um jogo capaz de prender por horas sem cansar.

Prós

  • A charmosa apresentação audiovisual, que remete ao estilo lo-fi, é o ponto alto do jogo;
  • Os cinco capítulos conseguem aliar drama e comédia de maneira ímpar, sem deixar pontas soltas;
  • Trama introspectiva que dialoga com cada jogador de maneira diferente;
  • Personagens carismáticas e de fácil identificação pessoal;
  • Os temas abordados dialogam com o nosso dia a dia.

Contras

  • Tamanho de fonte demasiado pequeno, mesmo no modo portátil;
  • Sem suporte à tela de toque do Switch;
  • Navegação confusa pelo menu;
  • A falta de interação por parte do jogador pode não agradar àqueles que preferem visual novels mais interativas.
ghostpia Season One — PC/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela PQube

Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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