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Análise: Final Fantasy Pixel Remaster (Switch) é uma coletânea obrigatória para fãs de JRPG

Embora não tenham uma versão definitiva nesta coletânea, os seis primeiros Final Fantasy estão aqui em suas melhores edições.


Desenvolvida e publicada pela Square Enix, Final Fantasy Pixel Remaster é uma coletânea remasterizada dos seis primeiros títulos principais da série Final Fantasy originalmente lançados para NES e SNES. Além de facilitar o acesso a alguns dos mais notáveis JRPGs de todos os tempos, essa versão também traz arranjos opcionais (com orquestra e banda) para a trilha sonora, melhorias de qualidade de vida, mais opções gráficas, uma revisão de pixel art para os personagens, alguns elementos em HD-2D para Final Fantasy VI, traduções refeitas, novos idiomas (incluindo português brasileiro) e atualizações técnicas diversas com base no feedback prévio do lançamento desses jogos no PC.

A era dos cristais mágicos e dos guerreiros da luz

Mesmo diante dos jogos que originaram esta franquia, é difícil definir com precisão a essência do que é um Final Fantasy, mas podemos afirmar que os seis primeiros títulos dessa série têm a alma de seu criador, Hironobu Sakaguchi, uma parte fundamental da escrita de todos os seis primeiros, além de tê-los dirigido do primeiro ao quinto e produzido o sexto. Mesmo havendo várias outras obras em seu currículo, paira no design narrativo dos jogos desta coletânea o espírito criativo de Sakaguchi como em nenhuma outra narrativa sua até então; aqui encontramos o coração de seu legado para os JRPGs.

O primeiro jogo da série possui um argumento fantástico relativamente complexo, envolvendo desequilíbrio da natureza, demônios e viagem no tempo. Contudo, na prática, a execução é bastante simples.

Final Fantasy I

Controlamos quatro guerreiros, cada qual com um artefato de luz que lhes concede poderes elementais. Com a ajuda de um navio voador (airship), esses heróis vão atrás de resgatar quatro cristais (originalmente, orbes) nos quatro cantos do mundo e derrotar os demônios que os capturaram para encobrir o mundo de trevas.

No segundo jogo, Final Fantasy ganha uma trama política e dinâmica, semelhante a Star Wars Episódio IV. Em vez de termos quatro heróis fixos, seguimos um protagonista que se junta à Rebelião com personagens jogáveis que entram e saem de nosso grupo em uma aventura sobre unir forças entre nações contra o Imperador de Palamecia, o qual convocou criaturas do submundo para expandir seu Império por todo o planeta. A premissa de exploração vem acompanhada da montaria chocobo, e mais uma vez de um navio voador, construído pelo engenheiro Cid. Esses elementos desde então são marcas registradas das histórias da série.

Final Fantasy II (com filtro)

Concluindo a geração do NES, o terceiro Final Fantasy volta com a premissa dos quatro guerreiros da luz em busca de salvar cristais e estabelecer o equilíbrio da natureza, protegendo-os das forças das trevas. Entretanto, agora conhecemos invocação de criaturas fantásticas (summons) e temos um mundo muito maior para explorarmos com veículos e montarias e nos dá um level design fantástico bem mais variado, incluindo uma floresta em que encontramos pela primeira vez um Fat Chocobo, uma cidade em que tudo está em miniatura, regiões submersas e uma aldeia em que somos apresentados aos adoráveis moogles, até hoje mascotes da série Final Fantasy.

Final Fantasy IV iniciou a geração seguinte, no SNES, com uma história que faz uma síntese entre a trama política de Final Fantasy II e a aventura dos cristais dos outros dois títulos de NES. Controlamos Cecil, um cavaleiro negro que é manipulado por um rei conquistador para ir atrás dos cristais mágicos. Percebendo que foi enganado, e que o próprio tirano é manipulado por forças que estão além de sua compreensão, Cecil junta-se a outros personagens que entram e saem do grupo em uma aventura épica sobre redenção por seus pecados, revelações do passado e uma aventura que nos leva para diferentes cantos do planeta e além.

Final Fantasy III

O seu sucessor, Final Fantasy V, dá um passo atrás em termos de complexidade de reviravoltas e sentimentos e nos dá pela última vez uma aventura com quatro guerreiros da luz em torno de proteger cristais e restabelecer o equilíbrio da natureza. Contudo, a história dessa vez é mais rica, engraçada e elaborada que aquelas de Final Fantasy I e Final Fantasy II, bem como os personagens jogáveis possuem maior carisma, entrosamento e papéis mais bem definidos.

Por fim, chegamos ao ápice narrativo do formato clássico de Final Fantasy, bem como a um dos títulos mais criativos, dramáticos e bem escritos de toda a franquia. Em Final Fantasy VI, não temos um protagonista fixo, em vez disso, escolhemos os membros ativos de nosso grupo, e isso pode alterar sutilmente eventos e linhas de diálogo. Além disso, pela primeira vez os personagens de maior destaque são garotas, Terra e Celes, que introduzem na série temas sensíveis como suicídio, gravidez na adolescência e mesmo questões existencialistas.

Final Fantasy V

No último lançamento da série no SNES, vemos mais uma vez uma tentativa de fundir uma trama política, complexa e épica com uma aventura sobre cristais, summons e o equilíbrio da natureza, e talvez esse seja até hoje o Final Fantasy que melhor conseguiu executar essa síntese, ao mesmo tempo que coloca questões interessantes, inovações no design narrativo (como se pode perceber principalmente na segunda metade do jogo) e um vilão cheio de personalidade e presença do começo ao fim da história. Não é atoa que ainda muitos o consideram um dos melhores RPGs de todos os tempos.

É ótimo poder acompanhar todos os títulos dessa coletânea em português brasileiro, particularmente aprecio como colocaram carisma e humor em jogos de palavras e expressões populares, o que na minha opinião traduz muito bem o tom leve da maior parte das histórias de Sakaguchi (principalmente Final Fantasy V). No mais, acho que os textos envelheceram bem. O enredo de Final Fantasy VI é especialmente bom, mesmo para os padrões atuais, e os outros títulos também possuem tramas com pontos altos, mas é preciso ter mais paciência com simplicidade e ingenuidade.

Final Fantasy VI

Sistemas clássicos com melhorias de qualidade de vida

A gameplay dos Final Fantasy desta coletânea foi originalmente projetada principalmente por Akitoshi Kawazu (do primeiro ao terceiro) e por Hiroyuki Ito (do terceiro ao sexto). Os três primeiros jogos são formados por sistemas de turno que misturam inspirações de RPG de mesa com elementos de Dragon Quest I~III de NES, enquanto os Final Fantasy de SNES começaram a ter sistemas próprios que marcaram a série para sempre, como o sistema ATB, que faz as batalhas terem um híbrido de tempo real com turno, além de algumas mecânicas de customização de habilidades que surgiram em Final Fantasy VI.

Diferente das últimas versões que vimos dos primeiros Final Fantasy, nesta coletânea a Square Enix procurou trazer experiências mais próximas do original em termos de sistemas. O primeiro Final Fantasy, por exemplo, não tem barra de MP. Assim como no original, temos que comprar as magias nas cidades e, no lugar do MP, temos um sistema de pontos mágicos (um limite de vezes de uso para cada magia).

Final Fantasy I

De resto não deve haver maior dificuldade para novatos em jogar essa versão. Houve um rebalanceamento, e está muito mais fácil ganhar experiência e principalmente dinheiro do que no original. Seguindo o mesmo princípio de voltar às raízes, em Final Fantasy II não temos um sistema de experiência, mas sim, tal como no jogo original, um sistema em que os personagens ficam melhores com uma arma ou habilidade conforme a usam, bem como se tornam mais resistentes à medida que levam mais dano.

Temos também o sistema de formação (podemos botar personagens na linha de trás ou na linha de frente), entre outras coisas. Esse é o JRPG mais diferente da série. Caso goste dos conceitos desse jogo, recomendo dar uma chance também à série SaGa, dirigida por Kawazu.

Final Fantasy II (com filtro)

Final Fantasy III utiliza sistema de experiência e pontos de magia (como Final Fantasy I), mas adiciona um sistema de classes dinâmico, incluindo classes icônicas da série, como Summoner, Red Mage e Dragoon. Vale salientar que foi adicionada a barra de Active Time Battle (ATB) para o quarto Final Fantasy (originalmente não tinha barra para saber quando chegou a vez de você poder escolher sua ação com um personagem). Além disso, infelizmente não temos as dungeons e demais conteúdos bônus das versões de GBA dos Final Fantasy clássicos.

Não há espaço para detalhar as mecânicas de todos os jogos, mas devo dizer que os Final Fantasy I~IV são um tanto simples para os padrões de hoje, mesmo que ainda possam soar divertidos e nostálgicos. Por outro lado, a gameplay dos Final Fantasy V e VI é complexa, customizável e polida o suficiente para ainda facilmente agradar a um público atual exigente; basta se acostumar com os velhos encontros aleatórios.

Final Fantasy VI

Infelizmente os sistemas dos dois primeiros Final Fantasy continuam sem ter uma versão bem balanceada desde que foram lançados no NES; aqui estão muito fáceis e quebrados mais uma vez. Por outro lado, fico feliz de vê-los com alguns sistemas originais que lhes dão uma forte identidade histórica.

Os outros jogos estão com um level design relativamente equilibrado. E em todos há melhorias de qualidade de vida, como meios para acelerar batalhas e para salvar quase em qualquer lugar, mapa e até mesmo opções para desativar encontros e regular ganho de experiência e dinheiro.

Remasterização em pixel art, trilha sonora orquestral e mais

Diferentemente do que ocorreu no GBA, nas últimas duas gerações recebemos remakes em 3D para os clássicos de Final Fantasy ou então remasterizações com modelos 2D sem pixel art tradicional. Contudo, dessa vez a Square Enix voltou às raízes com uma bela pixel art que mistura o estilo nostálgico dos originais com tons mais claros das releituras 2D posteriores.

O design ficou sob os cuidados da lendária Kazuko Shibuya, a única desenvolvedora ainda ativa na série do time original do primeiro Final Fantasy. O trabalho não apenas ficou bem-feito em termos de equilibrar o estilo clássico com estilo moderno dos personagens, mas também deu uma uniformidade à experiência, tornando fluida a transição de uma geração para a outra.

Final Fantasy V

Por outro lado, sinto que até hoje a magnífica arte de Yoshitaka Amano ainda não é suficientemente integrada ao game design dos Final Fantasy de NES e SNES. A atual coletânea substituiu a antiga versão remaster desses títulos no PC e Mobile, porém, aquelas remasterizações tinham a vantagem de trazer retratos durante os diálogos que se assemelhavam mais aos traços orientalistas de Amano. Contudo, é bom termos uma galeria de imagens com essas ilustrações, além de bestiário e playlist das músicas dos jogos.

Os novos retratos dessa coletânea são bonitinhos, mas não parecem o ideal para capturar o espírito daqueles clássicos. No mais, temos uma resolução melhor para os cenários, os quais estão mais iluminados do que em versões antigas, e opcionalmente com filtro CRT, caso se prefira uma experiência similar àquela que tínhamos com TVs de tubo.


Para quem jogou no PC recentemente (versão de 2022), nesta nova atualização para consoles temos uma revisão de vários pontos que foram criticados em reviews e por fãs da série. A fonte dos textos, por exemplo, está mais nítida para ler e os créditos que estavam faltando na cutscene de introdução de Final Fantasy VI estão lá agora.

As cinemáticas, embora simples, ficam muito mais imersivas com a nova trilha sonora. Confira no trecho de vídeo abaixo uma cinemática de Final Fantasy IV com filtro CRT e com fonte de texto clássica (fonte pixelizada).


É preciso ser dito também que a ambientação em pixel art da exploração no mapa-mundi e em alguns outros locais abertos já mostram sua idade. Entretanto, às vezes há sutis efeitos em névoa e outros elementos que enriquecem a cenografia, e podemos alternar a câmera em alguns momentos. Isso ocorre principalmente em Final Fantasy VI, quando montamos em chocobo, por exemplo, ou quando acompanhamos nossos heróis em um carrinho sob um trilho em primeira pessoa. E o melhor de tudo: temos a memorável cena da ópera com profundidade de câmera e outros elementos da técnica HD-2D.

Falando em ópera… acredito que a melhor adição desta coletânea em termos audiovisuais esteja em sua trilha sonora. Além de termos à nossa disposição as peças originais, finalmente, depois de décadas de espera, recebemos uma versão orquestral e de rock in-game das lendárias composições de Nobuo Uematsu. O trabalho ficou muito bom e enriquece a imersão nesses jogos. Várias peças possuem arranjos inéditos, enquanto outros são baseados em versões presentes nos álbuns Distant Worlds. Confira abaixo um trecho de música in-game no primeiro Final Fantasy.

Uma coletânea obrigatória para fãs de JRPG

Há pontos específicos em que se possa preferir versões anteriores, mas de modo geral os Final Fantasy I~VI desta versão são superiores em vários aspectos, como tradução, música e até melhorias visuais (mesmo que um tanto modestas). No mais, apesar da simplicidade narrativa e de level design dos primeiros títulos de Final Fantasy Pixel Remaster e de seus cenários já mostrarem sua idade, esses Final Fantasy ainda merecem ser jogados por sua importância histórica e conceitual, e alguns deles (sobretudo Final Fantasy VI) permanecem entre os melhores jogos da série. A coletânea é recomendada para fãs da série que queiram redescobrir suas raízes e também está bem acessível para novatos que queiram começar cronologicamente a saga dos guerreiros da luz.

Prós

  • Final Fantasy VI é um dos melhores da série até hoje, com excepcional design narrativos e alguns dos melhores personagens, músicas e sistemas em JRPG;
  • A gameplay de Final Fantasy V está entre as melhores de Final Fantasy, unindo o dinamismo do ATB com a flexibilidade e a variedade do Job System;
  • Há conceitos interessantes de mecânicas em Final Fantasy I e II e outros elementos de valor histórico que foram preservados nas versões dessa coletânea;
  • Melhorias diversas de qualidade de vida tornam a jogabilidade desses jogos mais acessível e prática do que nunca;
  • Bestiário, playlist de músicas originais e rearranjadas e galeria de imagens com um rico acervo de ilustrações clássicas da série;
  • Nova pixel art dos personagens une a nostalgia do estilo clássico com o carisma e a simplicidade das releituras posteriores em 2D;
  • Melhorias e adições visuais pontuais, mas bem-vindas, como em alguns efeitos de ambientação e em alternância de câmera;
  • Excelente trilha sonora orquestral e de rock que agrega muito para a experiência in-game, sobretudo para a imersão em momentos como a célebre cena da ópera em Final Fantasy VI;
  • Traduções revisadas e novos idiomas, incluindo uma excelente e divertida localização para o português brasileiro.

Contras

  • Os Final Fantasy do I ao V têm enredos e level design um tanto simples e/ou excessivamente ingênuos que requerem paciência e condescendência histórica;
  • O rebalanceamento dos jogos tornou-os um tanto fáceis, e especialmente problemáticos são os dois primeiros, que são muito quebráveis e desequilibrados;
  • Não estão disponíveis os conteúdos extras das versões de GBA;
  • Enquanto grandes clássicos dos JRPGs, com várias versões ao longo das gerações, os jogos dessa coletânea mereciam um pouco mais de polimento em cenário;
  • As ilustrações de Yoshitaka Amano ainda não são suficientemente integradas ao game design desses clássicos de NES e SNES.
Final Fantasy Pixel Remaster — Switch/PC/PS4 — Nota: 8.5
Plataforma utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital pela Square Enix

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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