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Análise: Romancing SaGa -Minstrel Song- Remastered (Switch) continua desafiador e único

Minstrel Song é a culminação dos principais sistemas da série SaGa, com ampla liberdade e complexidade em customização e narrativa não linear.


Publicado pela Square Enix e desenvolvido em parceria com a Bullets, Romancing SaGa -Minstrel Song- Remastered é uma remasterização de Romancing SaGa: Minstrel Song (PS2), que por sua vez foi um remake em 3D do clássico JRPG Romancing SaGa (SFC), de 1992, que atualizou a complexidade de gameplay com mecânicas de jogos posteriores da série. O nome e a proposta ficcional foram baseados no filme Romancing the Stone (1984), de Robert Zemeckis. Essa versão retorna com gráficos em HD, alguns personagens e eventos novos e melhorias de qualidade de vida, tornando-a um pouco mais agradável e acessível, mas bem fiel ao seu design livre e desafiador.

Uma jornada livre a ser traçada a partir de boatos e contos mitológicos

Escrita e dirigida por Akitoshi Kawazu, a história de Romancing SaGa se passa em um mundo fictício chamado Mardias, criado pelo deus Marda. Nesse universo com diversas raças de mortais e deuses, três "divindades malignas" (Death, Saruin e Schirach) teriam lutado contra Elore, o "Deus bom".

Segundo a lenda, o resultado da guerra foi a extinção de algumas raças e a morte de Death e Schirach pelas mãos do "Guerreiro de Prata" (Silver Warrior) e seus quatro companheiros. Porém, Saruin teria sido aprisionado apenas com a ajuda de 10 artefatos mágicos chamados Fatestones, e o jogador se vê incumbido de impedir que esse deus sombrio retorne.


Subdividido em 11 regiões, o mundo de Mardias contém diferentes biomas nos quais o jogador pode viajar livremente com seus personagens. Há o deserto de Dry Lands; um poderoso país militarizado, Rosalia; um país fronteiriço e em constante guerra com esse, Kjaraht; uma porção de condados unificados na região de Bafal Empire; um condado independente chamado Knights Dominion; a subdesenvolvida região de Frontier; uma ilha vulcânica e pré-histórica chamada Ligau Isle; também uma ilha tropical, Walon Isle; um país de eterno inverno, Valhalland; uma região costeira controlada por piratas, Coral Sea; e uma região mágica que se move, Faerie's Grove.

Mil anos depois da guerra dos deuses, podemos assumir o controle de um entre oito personagens para seguir na história, tal como em Octopath Traveler. Cada protagonista possui uma pequena missão principal e um punhado de quests opcionais em comum.


As opções são: Hawke, um dos piratas de Coral Sea; Sif, uma guerreira bárbara de Valhalland; Albert, um nobre da região de Rosalia; Aisha, uma nômade taraliana; Claudia, uma guerreira de Valhalland; Gray, um caçador de tesouros; Barbara, uma artista viajante; e Jamil, um ladrão da cidade de Estamir, que fica na região de Kjaraht. Esse último foi a minha opção.

Uma vez escolhido seu protagonista, você pode recrutar os demais no decorrer de sua aventura ou mesmo outros personagens, e alternar entre eles. Você pode ter até cinco personagens no grupo e precisa cuidar bem deles; alguns podem ser recrutados novamente, mas outros são perdidos permanentemente.


O design narrativo desse jogo é altamente não linear também pelo fator de exploração. Kawazu inventou para Romancing Saga um sistema chamado Free-form Scenario System, em que suas decisões não possuem apenas um “efeito vertical” no enredo, mas também “horizontal”, ou seja, não apenas afeta o trajeto da jornada em eventos futuros, mas também afeta diferentes partes do mundo de forma sincrônica.

A proposta de liberdade de cenário desse Romancing SaGa é bastante ousada e, em alguns aspectos, até mais do que muitos jogos de mundo aberto. Nesse remake, você pode viajar facilmente para qualquer região em fast-travel, explorar construções, dungeons e conversar com NPCs.


Em Mardias, mais importante do que escolher o que fazer é procurar o que fazer. Não é dada nenhuma indicação no mapa, há apenas uma lista de missões encontradas. A única coisa que facilita sua exploração é uma criança em cada cidade que lhe oferece um mapa e algumas informações. Mapas de outros locais (quando há) podem ser obtidos em baús.

O mundo é repleto de mistérios e missões com sugestões fragmentárias sobre o que fazer, e os NPCs costumam ser bastante econômicos em seus comentários. Enquanto segue seu rumo, uma espécie de relógio mostra o tempo que falta para chegar o momento para você fazer a quest de seu confronto final. Há algumas variações de finais. Para liberar algum desses, você precisa ter terminado determinadas quests (há diferentes possibilidades de chegar a esses finais).


O que unifica a aventura de cada um dos personagens é a história da guerra dos deuses contada por um menestrel (The Minstrel) que se encontra nos bares das cidades. Ele também é um NPC fundamental para trocar os membros do seu grupo e será o responsável por contar a continuação dessa história.

Apesar da forma coerente e criativa de como o enredo trabalha a função do menestrel, o ponto fraco está em sua falta de profundidade. Os personagens não são muito desenvolvidos e a trama do mundo não é particularmente instigante. Tudo funciona mais como um pano de fundo para dar um contexto aos sistemas de exploração e combate.

Um dos JRPGs mais únicos e complexos na interação entre combate e exploração

O design de batalha de Minstrel Song foi dirigido por Hiroshi Takai, que mais tarde dirigiu The Last Remnant (Multi) e atualmente é um dos dois diretores de Final Fantasy XVI (PS5). Takai já tinha trabalhado nos três Romancing SaGa originais, porém em cargos menores. Só no remake ele pôde mostrar todo seu talento como designer de batalha, nesse que se tornou um dos títulos mais mecanicamente complexos da franquia SaGa. E isso não é pouca coisa, pois essa série já é conhecida por ser uma das mais complexas em JRPG.

Antes de entrar mais propriamente em como funcionam as batalhas, convém salientar que, diferente da trilogia anterior de SaGa (também conhecida como Final Fantasy Legend), na trilogia Romancing os encontros não são aleatórios, mas sim visuais, de modo que você pode se esquivar dos inimigos. Entretanto, cada criatura possui um padrão diferente de velocidade e movimento. “Driblar” os oponentes pode ser facilitado por artifícios como montaria ou poder de invisibilidade. No mais, sua jornada também envolve alguns puzzles simples e uso de itens e habilidades para desbloquear passagens ou baús.


Podemos dizer que o game foi construído na soma e na interação de vários subsistemas. Vamos começar pela parte mais fácil. Primeiramente, temos um sistema por turno tradicional, tal como em Dragon Quest. É muito simples, você escolhe sincronicamente as ações do seu grupo, depois é a vez do grupo inimigo, e assim sucessivamente.

Esse remake também preserva um sistema clássico dos jogos de Akitoshi Kawazu, o Action Point System. A ideia vem de atribuir pontos para diferentes tipos de ações. Semelhante a um RPG de mesa, aqui você tem limite de uso para suas ações tanto em exploração quanto em combate. No lugar da clássica barra única de Magic Points (MP), temos vários contadores. Um deles é o contador de usos de proficiência que dita quantas vezes você pode usar habilidades de exploração como invisibilidade, destrancar baús, pular etc.


Mas o mais interessante está na interação entre Battle Points (BP) e Durability Points (DP). Cada ataque possui dois custos distintos: BP e DP. O primeiro é regenerável e cumulativo para ofensivas de diferentes níveis de poder, mas o DP apenas decai em combate. O DP tem a ver com a durabilidade de cada arma, que pode ser reparada com os serviços de ferreiros nas cidades; também é possível fazer crafting e transformação de armas.

Ataques fracos (com baixo custo de BP e zero DP) são ótimos para economizar BP para uma ofensiva mais forte em seguida. Por outro lado, ataques de alto dano com alto custo de BP e baixo custo de DP são bons para eliminar inimigos comuns rapidamente, mas são insustentáveis em batalhas longas. E ataques de alto dano, baixo BP e alto DP são ótimos para causar um dano contínuo a um chefe, turno após turno, mas desgastam demais as armas; não são aconselháveis para inimigos comuns.

Um segundo sistema típico das produções de Kawazu desde o primeiro Final Fantasy foi readaptado em Minstrel Song, o sistema de posicionamento. Esse sistema dá uma camada tática ao combate. Você pode colocar seus personagens em três diferentes posições: linha de frente, linha intermediária ou linha de trás. Cada posição tem vantagens e desvantagens. Estar na linha de trás é mais vantajoso para usar arco, por exemplo, porque contribui para ataque à longa distância e aumenta sua defesa.




Outra peculiaridade dos JRPGs de Kawazu precisa ser ressaltada: não há sistema de level. Seus personagens melhoram seus atributos (força, agilidade, etc.) conforme agem em combate e sofrem golpes. Eles também aperfeiçoam a perícia com um determinado tipo de arma conforme a utilizam nas batalhas. Entretanto, a evolução do grupo não é assimétrica em relação aos inimigos que se encontram no mundo; eles também evoluem com o passar do tempo, o que significa que grinding não necessariamente ajudará você a enfrentá-los.

Adicionalmente, Takai trouxe sistemas que não estavam presentes no Romancing SaGa original, como o Tech-glimmering System e o Combo System. Na subsérie “Romancing”, o Glimmer (ou Tech Sparking) havia sido implementado originalmente somente em Romancing SaGa 2 e Romancing SaGa 3 como uma flexibilização do sistema de classes. Sua função é a de permitir que um personagem aprenda e treine habilidades de diferentes classes com NPCs de algumas cidades. Você gastará pontos específicos para isso, e suas opções dependerão do quão evoluídas estão suas classes (Thief, Adventurer etc.).


Por sua vez, o sistema de combos vem da terceira subsérie SaGa, SaGa Frontier. Há muitas possibilidades de combinação de ações, cada qual com diferentes parâmetros de taxas de chance de ocorrer. Os seus ataques podem ser combinados entre personagens para causar mais dano, aprender novas técnicas ou até mesmo invocar deuses — o que vai depender do seu nível de “favor divino”.

Esses são apenas os sistemas principais do jogo. Há muitos subsistemas escondidos. Por trás do sistema de combos, por exemplo, há sistemas de Reverse, Surge e outras coisas. Por tudo isso, Minstrel Song é a culminação dos sistemas da série SaGa, do ponto de vista da experiência de gameplay, com um nível de detalhamento e customização de combate com raros paralelos na indústria de JRPG. Acima de tudo, esteja preparado para ser surpreendido e desafiado. É preciso ser criativo e cuidadoso com suas escolhas dentro e fora das batalhas.


A proposta desse jogo é ousada; aposta alto tanto em uma incrivelmente longa curva de aprendizado como em experiência de gameplay emergente, largando o jogador em um mundo fortemente hostil e intrincado. Dada a complexidade do projeto, a execução da proposta possui falhas compreensíveis. Sobretudo há um nível bem significativo de aleatoriedade e de falta de transparência que pode gerar desbalanceamento e injustiça em algumas batalhas. E o level design pode ser muito punitivo caso o jogador faça algumas builds e tome decisões ruins.

Para amenizar um pouco esses problemas, essa remasterização permite ao jogador acelerar a movimentação, facilita o salvamento em qualquer lugar e acrescenta um tutorial contínuo, apresentando bem resumidamente cada sistema quando ele aparece pela primeira vez. Vale salientar que o jogo possui tantas camadas de gameplay que você pode finalizá-lo sem ter entendido, percebido ou talvez nem mesmo usado algumas de suas mecânicas.

Uma arte charmosa e esquisita envolta em uma trilha sonora variada com boas melodias

Originalmente, o design dos cenários em 3D foi liderado por Kimihiko Miyamae, que projetou um mundo bem diverso e vivo que faz jus tanto à variedade cultural e geográfica de Mardias como também ao estilo orientalista, fantástico e colorido das ilustrações de Tomomi Kobayashi, que dá um tom artístico único para a série SaGa. Neste remaster há uma galeria com seus trabalhos.

Infelizmente, dentro do jogo a modelagem em 3D não é tão detalhada, mesmo para os padrões do PS2. Por outro lado, isso é um pouco compensado por seu charmoso cel shading e suas paisagens de fundo que parecem pinturas em aquarela.


O design de personagens foi liderado por Yasushi Suzuki. Também com inspirações nas artes de Kobayashi, os personagens possuem um figurino orientalista, colorido, bem estilizado e às vezes um tanto exótico. Contudo, os modelos 3D dos personagens são simplistas e seguem proporções um pouco esquisitas para os humanos.

Além disso, os personagens são pouco expressivos em face, gestos e mesmo no voice acting, com atuações muito rígidas e insípidas. Nada foi feito a esse respeito, e a direção de som também continua muito básica.


A técnica de cel shading, alguns traços primitivistas e o estilismo orientalista fantástico do remake dão a esse jogo bastante personalidade, se comparado a outros jogos do PS2 ou mesmo ao Romancing SaGa original, porém faz falta um maior polimento estético de modo geral. A remasterização melhorou um pouco a experiência visual, principalmente nas cidades e na definição dos personagens, mas ainda é um design que deixa bastante a desejar se comparado ao potencial dos conceitos artísticos de Kobayashi.

Outra coisa que incomoda um pouco é a câmera guiada que nem sempre pega um ângulo ideal para ver o cenário. Apesar desses pontos, as poucas cutscenes possuem um charme de esboço e suas animações conseguem dar carisma e desenvoltura aos personagens. Confira abaixo um pouco da animação e da direção de som em um exemplo de transição para cinemática.

Por fim, a trilha sonora original (OST) foi composta por Kenji “Itoken” Ito, conhecido por suas contribuições nas séries Mana e SaGa. As músicas de Itoken são marcantes, porém pouco fluidas em transições ou dinamismo in-game. Seu trabalho é influenciado por trilhas de anime, além de peças populares japonesas e músicas do gênero “easy listening”, das décadas de 1950~1970, como Richard Clayderman.

Isso tudo pode ser percebido na OST de Minstrel Song, que é bastante diversa, mas nesse game é especialmente marcante a influência da música popular espanhola. Há canções relaxantes em japonês com violão espanhol, peças orquestrais delicadas para os cenários, com ênfase em cordas ou flauta, e ritmo de rock para as batalhas com sons sintéticos e riffs de guitarra. Em todos esses casos, há sempre uma harmonia bem melódica e fácil de entender, uma velocidade moderada ou um pouco rápida e uma tendência para tons maiores. Confira na playlist abaixo.

Certamente um jogo para poucos, mas bastante inspirador e desafiante

O remake de Romancing SaGa já tinha limitações e defeitos, como falta de polimento audiovisual, alguns problemas de balanceamento e um enredo muito superficial. Essas questões permanecem, mas esta versão remasterizada aperfeiçoa significativamente o visual e torna o game um pouco mais acessível por tutoriais e melhorias na qualidade de vida. De resto, não há como negar que Romancing SaGa -Minstrel Song- Remastered possui belas ilustrações e melodias. Além disso, é evidente o quão complexo, engenhoso e interessante é o seu gameplay. Esse jogo é absolutamente obrigatório a quem queira algo flexível, experimental e desafiador em JRPG, mas não é recomendável a um iniciante ou qualquer jogador que não tenha uma boa dose de paciência.

Prós

  • Design narrativo criativo, flexível, ousado e coerente com a experiência de gameplay;
  • Design de batalha engenhoso e rico em detalhes, camadas táticas, mecânicas não convencionais e sistemas altamente customizáveis;
  • Level design bastante original, livre e desafiador;
  • Belíssimas ilustrações com um estilo único de orientalismo;
  • Gráficos charmosos e com personalidade;
  • Trilha sonora bem variada, melodias marcantes e um especial bom uso do estilo de violão espanhol;
  • Remasterização visual satisfatória e importantes melhorias de qualidade de vida que contribuem para a experiência sem danificar a proposta desafiadora do jogo.

Contras

  • Enredo muito superficial, pouco interessante e com personagens subdesenvolvidos;
  • Interação entre sistemas de combate um pouco convoluta e obtusa; 
  • Level design com alguns parâmetros de aleatoriedade que podem tornar a experiência ocasionalmente desbalanceada e injusta;
  • Câmera guiada nem sempre tem bons ângulos;
  • Gráficos em 3D pouco polidos, principalmente em cenários fora das cidades;
  • Personagens são pouco expressivos em design, animação in-game e voice acting;
  • A trilha sonora não é muito fluida em transições e dinâmica.
Romancing SaGa -Minstrel Song- Remastered — Switch/PC/PS4/PS5/Mobile — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch 

Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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