Chronicle

Nintendo e Square Enix: 35 anos de JRPGs

Confira a história de encontros e desencontros entre a Nintendo e a gigante dos RPGs japoneses.




Em 2021 não é apenas o ano de aniversário de 35 anos de Dragon Quest, mas também de 35 anos dos JRPGs tais como os conhecemos, dada a importância de Dragon Quest (NES) para os RPGs japoneses. Assim, por consequência, 35 anos de JRPGs da Square Enix (ou da Square e da Enix) nos consoles da Nintendo, a única empresa cujas plataformas acompanharam toda a história dessa longa quest.


É sabido que grande parte dos consumidores dos consoles da Nintendo tendem a priorizar jogos da própria empresa (títulos First Party) em suas compras, mas também há jogos memoráveis de outras empresas que quase todo consumidor de Nintendo já experimentou, e mesmo podem-lhe ser tão icônicos quanto títulos da Big N para seus consoles favoritos.

Uma dessas empresas com títulos inesquecíveis é, sem sombra de dúvida, a Square Enix (ou a SquareSoft e a Enix), que deixaram nos consoles da Nintendo obras de qualidade incontestável como clássicos das séries Dragon Quest e Final Fantasy, Secret of Mana, Chrono Trigger, The World Ends with You e muito mais.

Hoje viajaremos, de forma sucinta e panorâmica, por uma longa história de encontros e desencontros entre essas empresas que termina em títulos atualmente muito aguardados da Square Enix para o Switch e em um futuro muito promissor pela frente, ao menos para os fãs de JRPG.

Sim, nossa abordagem terá como foco os JRPGs da Square e da Enix, especialmente aqueles de maior destaque comercial e/ou crítico, mas vale observar que, atualmente, a Square Enix é uma empresa muito maior que outrora e adquiriu muitos outros estúdios (inclusive ocidentais) com produções variadas, incluso franquias como Deus Ex, Tomb Raider, Thief, Life is Strange etc. Se você quer conhecer a essência dessa gigante japonesa, você está no lugar certo. Confira os tópicos a seguir.



Nintendo: o berço dos JRPGs

A relação da Nintendo com as empresas SquareSoft e Enix (que geraram a atual Square Enix) é muito antiga. Tão antiga que os consoles da Nintendo serviram de berço para o nascimento dos JRPGs tais como os conhecemos e que se originaram justamente dos esforços dessas duas empresas japonesas.

Mais particularmente, o que conhecemos por JRPG surgiu de um jogo da Enix chamado Dragon Quest (NES) — o avô dos RPGs japoneses — e de seus sucessores, em especial Dragon Quest III (NES), que consolidou uma sólida base para os JRPGs; muitos elementos importantes replicados até hoje nos jogos desse tipo, como sistema dia-noite, grupo (party), veículos para se movimentar no mapa-múndi, um robusto sistema de classes (job system) e muito mais.

A série Dragon Quest influenciou direta e indiretamente inúmeros jogos no Japão, como a série Final Fantasy, da Square, e inclusive produções da própria Nintendo, como por exemplo o surgimento da série Fire Emblem, que tratou de fundir seus elementos de JRPG com mecânicas de turn-based tactics ou TBT (estratégia por turnos em pequena escala). Não resta dúvidas de que foi aqui que Dragon Quest se tornou, já muito cedo, uma franquia de impacto incomensurável — e talvez insuperável — entre  os JRPGs.

Mas foi na geração seguinte de consoles que o relacionamento da Nintendo com ambas as empresas amadureceu e viveu seus anos dourados. Por parte da Enix, tivemos, por exemplo, o surgimento da série Star Ocean — cujo primeiro título é um dos jogos mais aclamados já feitos pela Enix — e os destacados Dragon Quest IV, V e VI que definitivamente consolidaram essa enorme franquia até os dias atuais entre os fãs de JRPG, sobretudo no Japão.




Convém destacar que DQ IV e V tornaram-se não só clássicos incontornáveis da série como profundamente influentes na história dos JRPGs e mesmo em outros gêneros, entre outras coisas, pelo uso pioneiro de elementos de programação de IA dos aliados na party em DQ IV — algo que inspiraria muito mais tarde mecânicas de Final Fantasy XII (Multi) e outros RPGs — e o conceito biográfico em narrativa de jogos, ou seja, a ideia de guiar um personagem desde a tenra infância até a fase adulta, passando por casar, ter filhos etc., algo primeiramente implementado em DQ V.

Por outro lado, a Square lançou também vários títulos populares, criativos, aclamados e influentes no Super Nintendo, como Secret of Mana, que inventou a stamina (na época, Power Bar) e foi um dos precursores dos action-RPGs, a série Romancing SaGa, que foi extremamente ousada e inspiradora para gerações futuras em termos de narrativas não-lineares e novelísticas, e, claro, os Final Fantasy IV, V e VI.

O quarto Final Fantasy foi profundamente influente na série e nos JRPGs em geral — pelas inovações narrativas e o advento do sistema ATB (Active Time Battle) em batalhas por turnos —; enquanto o sexto título é considerado por muitos até hoje o melhor da série e um dos jogos que aproveitou ao máximo o que o hardware do SNES tinha a oferecer para a criação narrativa e audiovisual. Uma das cenas desse jogo (a ocasião da ópera Maria and Draco) é considerado por muitos um dos momentos mais marcantes presentes em jogos de Super Nintendo.










Mas talvez os títulos que ficaram mais icônicos — tanto popular quanto criticamente — desse período do Super Nintendo tenham sido Super Mario RPG, cujo produtor fora Shigeru Miyamoto e tinha uma memorável trilha sonora de Yoko Shimomura, e Chrono Trigger, desenvolvido por um verdadeiro “Dream Team” (time dos sonhos), que estrelava desde o mangaká de Dragon Ball (Akira Toriyama) até o criador de Dragon Quest (Yuji Horii) como um dos roteiristas, passando por Hironobu Sakaguchi (criador da série Final Fantasy), Nobuo Uematsu (principal compositor da série Final Fantasy) e muitos outros nomes notáveis que haviam trabalhado em clássicos do NES e SNES.

O primeiro título, fruto de uma parceria entre Square e Nintendo, foi responsável por popularizar os JRPGs no ocidente, tornar mais acessíveis as mecânicas por turno e criar uma proposta gráfica bela e inovadora que hoje é conhecida como estilo isométrico 2.5D, um estilo híbrido de elementos 2D e 3D em perspectiva isométrica. O segundo título, por sua vez, resultante de uma parceria entre Square e Enix, tornou-se talvez o melhor JRPG já feito, com alto polimento narrativo, sonoro, mecânico e gráfico, além de inovador, por exemplo, pelo sistema de ATB 2.0 em batalhas e pelo conceito de New Game+, criado para facilitar o replay do jogador que quisesse experimentar outras rotas narrativas e chegar a finais alternativos.

Mas esses brilhantes anos dourados foram sucedidos por duas gerações marcadas por um grande distanciamento entre a Nintendo e as duas gigantes dos JRPGs.






Uma era de fantasias sem corações, estrelas ou cogumelos

Após o sucesso de Super Mario RPG: Legend of the Seven Stars (SNES), a Big N voltou a convidar a Square para uma continuação da história de seu mascote bigodudo. A Square Soft, porém, completamente focada no desenvolvimento de Final Fantasy VII (Multi), recusou a oferta. Desse modo, a Nintendo optou por contratar a Intelligent System para desenvolver em parceria aquele que seria o “Super Mario RPG 2”, mas que acabou se tornando Paper Mario, e o resto é história.

Enquanto isso, em 1997, a SquareSoft, com apoio da Sony, financiou aquele que ainda hoje é um dos jogos mais caros da história dos videogames: Final Fantasy VII (Multi). O custo de cerca de 145 milhões de dólares para um jogo era algo impensável na época (e muito acima da média mesmo para os padrões atuais de títulos AAA), mas, graças ao tempo de desenvolvimento, a uma equipe brilhante e ao amplo suporte da Sony, felizmente resultou em uma obra-prima dos JRPGs. Por outro lado, foi um forte fator para a empresa se distanciar dos consoles da Nintendo.




Além de Final Fantasy VII, a Square viveu seu momento de auge no Playstation, com títulos como os que continuaram as séries Mana e SaGa, Final Fantasy VIII e IX, Parasite Eve, Final Fantasy Tactics, Chrono Cross, Xenogears, Vagrant Story e muito mais. Nada disso, porém, chegando ao console da Nintendo à época, o Nintendo 64. E infelizmente a Square não foi a única. Na mesma geração de consoles (quinta), a Enix levou exclusivamente para o Playstation os Dragon Quest VI e VII, além de lá desenvolver boas IPs novas, como Valkyrie Profile.

As coisas não mostravam muitos sinais de mudança no início da geração seguinte de consoles (sexta), com novos bem-sucedidos lançamentos de JRPGs da Square para o Playstation 2, como Final Fantasy X e Kingdom Hearts, mas elas ocorreriam, especialmente após a fusão, em 2003, entre a Square e a Enix, que resultou na Square Enix tal como hoje a conhecemos.



A era dos JRPGs de bolso

No Playstation 2, a Square Enix trouxe em menor quantidade JRPGs de destaque, mas investiu maior tempo e orçamento em títulos de grande importância crítica e comercial, como Final Fantasy X, XI e XII e a série Kingdom Hearts, fruto de uma inusitada parceria entre Square Enix e Disney que, ao longo das próximas décadas, se tornaria altamente rentável para ambas as empresas.

Assim, nos anos 2000, a Square Enix definitivamente era uma empresa que não podia ser ignorada no mercado de videogames. Seu histórico, por si só, gerava grande confiança: No SNES, dos 50 jogos mais vendidos, 13 eram da Square ou da Enix; no Playstation, Final Fantasy foi a franquia mais bem-sucedida crítica e popularmente (inclusive ocupando o segundo e o quarto lugares no ranking geral de vendas da plataforma); e, no Playstation 2, 6 dos 13 títulos mais vendidos do console eram seus, alguns dos quais também de grande aclamação crítica e utilizando ao máximo as capacidades do console.




Mas todos esses grandes lançamentos mais uma vez ficaram fora das plataformas da Nintendo. Entre os títulos de destaque ainda presentes da franquia Final Fantasy estavam remakes dos primeiros da série, em Final Fantasy I & II: Dawn of Souls, e versões Advance de Final Fantasy III, IV, V e VI.

Por outro lado, os consoles da Nintendo no momento, o Game Cube e, principalmente, o Game Boy Advance (único portátil de maior relevância na geração), tinham uma fatia considerável do mercado, pelo que seria um desperdício ignorá-los. Felizmente a aproximação entre a Square Enix e a Nintendo finalmente ocorreu, e o retorno da gigante dos JRPGs foi marcado, em 2003, pelos lançamentos de Final Fantasy Crystal Chronicles (GC) e Final Fantasy Tactics Advance (GBA), esse último desenvolvido pelo estúdio recém adquirido Quest Corporation (conhecido pela clássica série Ogre Saga e sua subsérie Tactics Ogre). Ambos os jogos tiveram algum destaque, principalmente a versão Advance de Final Fantasy Tactics, e chegaram a receber sequências, mas infelizmente não muito bem-sucedidas.




Mas a Nintendo, em sua próxima geração de consoles, preparou um solo fértil para os jogos da Square Enix: o Nintendo DS. Nesse portátil, a nova Square lançou muitos títulos de sucesso crítico e popular. Apenas para citar aqueles desenvolvidos e/ou publicados por ela que venderam mais de um milhão de unidades (e até mais de 5 milhões, caso de Dragon Quest IX), temos:
  • Dragon Quest IX: Sentinels of the Starry Skies;
  • Mario Hoops 3-on-3;
  • Final Fantasy III (remake);
  • Final Fantasy IV (remake);
  • Dragon Quest V: Hand of the Heavenly Bride (remake);
  • Dragon Quest Monsters: Joker;
  • Kingdom Hearts 358/2 Days;
  • Dragon Quest IV: Chapters of the Chosen (remake);
  • Dragon Quest VI: Realms of Revelation;
  • Dragon Quest Monsters: Joker 2;
  • Chrono Trigger (versão estendida);
  • Final Fantasy XII: Revenant Wings (versão em TRPG de Final Fantasy XII).
Ainda podemos destacar o primeiro título da clássica série de TRPG Front Mission (SNES) que finalmente chegou no Ocidente em versão de DS, e também um outro jogo que, apesar de não ter sido tão popular, virou um novo clássico entre os JRPGs. Trata-se de The World Ends with You, jogo produzido e desenhado por Tetsuya Nomura (um dos principais nomes por trás de Kingdom Hearts e de alguns Final Fantasy), o qual, excetuando-se Chrono Trigger (originalmente do SNES), é o título mais criticamente aclamado da Square Enix na plataforma. Isso particularmente pela alta qualidade e originalidade em seu design, narrativa altamente bem elaborada e um gameplay único com forte integração hardware-software para as duas telas do DS e a touch screen com auxílio da style.




Desse modo, seria de se esperar que a Square Enix continuaria a dar suporte para os portáteis da Nintendo na próxima geração, o Nintendo 3DS, e assim o fez. Em seu portátil inicial da era da oitava geração de consoles, a Nintendo entregou um hardware mais poderoso e com capacidade de visão em 3D sem uso de óculos.

Nele, a Square Enix reproduziu parte do sucesso que obteve no DS e conseguiu bons resultados. Do ponto de vista crítico, especialmente com um port do PS2 de Dragon Quest VIII: Journey of the Cursed King (no Ocidente, frequentemente considerado o melhor da série) e com Bravely Default, desenvolvido pela mesma equipe que havia criado Final Fantasy: The 4 Heroes of Light (DS). E, do ponto de vista comercial, especialmente com três títulos que venderam mais de um milhão de unidades:


Nintendo e Square Enix Hoje

Embora não se possa dizer que os últimos portáteis da Nintendo não tenham recebido bons jogos da Square Enix, é claro que nessas últimas duas gerações de consoles (sétima e oitava), muitos JRPGs de peso da Square Enix ficaram de fora das bibliotecas da Nintendo. Entre eles, Final Fantasy XIII (Multi), XIV (PC) e XV (Multi), Final Fantasy VII Remake (PS4), Nier: Automata (Multi) e Kingdom Hearts III (Multi). Todos esses títulos, infelizmente, continuam fora do atual console da Nintendo, o Switch.

Por outro lado, o Switch tem recebido alguns relançamentos multi-plataforma, como remakes e remasterizações das séries SaGa e Mana, Dragon Quest XI, que chegou ao híbrido em uma versão definitiva com exclusividade temporária, Dragon Quest XI S: Echoes of an Elusive Age – Definitive Edition (o JRPG mais criticamente aclamado desse console até agora), e finalmente os clássicos da série Final Fantasy de PS1 e PS2 em versão remasterizada ou em remake, além de uma coletânea com a trilogia clássica de Dragon Quest, e spin-offs dessa série.

Até o momento, entre os títulos originais de destaque da Square Enix feitos primariamente para o Nintendo Switch estão Bravely Default II e Octopath Traveler (com mecânicas e narrativa inspiradas, respectivamente, em Bravely Default e na série SaGa). Entre os dois, esse último é o mais bem recebido pela crítica (com média entre 83 e 84 de 100 no Metacritic e OpenCritic) e também o mais vendido (até 2019, 1.5 mi, segundo a Famitsu); após o port para PC, atualmente conta com 2.5 mi em vendas totais.




Para a segunda metade deste ano (2021) e começo de 2022 são aguardados, respectivamente, dois grandes lançamentos da Square Enix para o Switch, Neo: The World Ends With You, sucessor do clássico de DS já mencionado, e “Project Triangle Strategy” (nome temporário). Esse último, uma espécie de sucessor espiritual de Final Fantasy Tactics, mas também com nítidas características da série Tactics Ogre, além de visuais semelhantes aos de Octopath Traveler, no que os desenvolvedores chamam de HD-2D.

Essa mesma técnica de HD-2D também está sendo empregada em um outro título para Switch (mas de lançamento multi-plataforma): um remake de Dragon Quest III, em homenagem aos 35 anos da franquia.



A partir daqui, muito se pode especular sobre o futuro da Square Enix no Switch.
  • Dada a alta presença da série Dragon Quest nos consoles da Nintendo até aqui e a liderança do Switch no mercado japonês, podemos continuar a esperar que os seus próximos títulos principais estejam nessas plataformas?
  • Tradicionalmente há um público de jogos táticos e de RPG por turno em portáteis, será que essa tendência continuará em próximas IPs da Square Enix para o híbrido da Big N?
  • Pela tendência dos últimos lançamentos e anúncios na plataforma, podemos também esperar novos jogos e/ou remakes no estilo visual HD-2D?
  • Considerando que há um histórico com a franquia Kingdom Hearts, que a distribuição atual da coletânea da série está em várias plataformas e que o Switch já recebeu o spin-off de ritmo Kingdom Hearts Melody of Memory (Switch), será que poderemos ver no híbrido essa coletânea em breve? 
  • E algum título mais recente da série Final Fantasy poderia também receber uma adaptação para o Switch? 
Compartilhe abaixo o que você pensa a respeito dessas questões, suas expectativas por próximos lançamentos da gigante dos JRPGs e, de modo geral, sobre a relação entre a Square Enix e a Nintendo.
 
Revisão: Icaro Sousa


Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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