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Análise: Agatha Christie - Murder on the Orient Express (Switch): uma interessante abordagem de um clássico da literatura policial

Com elementos originais, temos aqui mais um bom exemplo de jogo baseado nas obras da Rainha do Crime.

Agatha Christie - Murder on the Orient Express não é a primeira adaptação para os videogames do clássico homônimo da escritora britânica, mas traz consigo uma interessante abordagem de um dos casos mais famosos do detetive belga Hercule Poirot. Além disso, este jogo consegue ser, ao mesmo tempo, fiel à sua fonte e uma releitura de um dos clássicos de Agatha Christie.

O Expresso do Oriente de 2023

O jogo se passa em dezembro de 2023, quando o Expresso do Oriente está prestes a completar 140 anos. A aventura começa com um prólogo, no qual o excêntrico Hercule Poirot, ainda no Hotel Tokatlian, em Istambul, precisa ajudar o Coronel Arbuthnot a recuperar seu bilhete desaparecido. De resto, a aventura segue fielmente o livro, com o detetive belga embarcando no famoso trem e sendo requisitado por seu amigo Bouc para solucionar a morte de um dos passageiros, Ratchett.

Para não dar spoilers sobre o jogo em si, recomendo fortemente que os novos jogadores leiam primeiro Assassinato no Expresso do Oriente antes de assumirem o papel de Poirot nesta moderna aventura. Por outro lado, enquanto muitos elementos narrativos foram adaptados (e até mesmo criados) para o nosso século XXI, coloco minha mão no fogo, como a fã de Agatha Christie que sou, pelo excelente trabalho de adaptação de um dos livros de maior sucesso da escritora: uma vez a bordo do Expresso do Oriente, me senti como revisitando a história de novo.


Quero também mencionar que todos os personagens principais continuam iguais a como foram apresentados no livro. Talvez a surpresa maior seja o fato de o Dr. Constantine ter tido sua nacionalidade alterada de grego para queniano, mas seu papel no desenrolar da trama não sofreu mudanças.

Para finalizar este tópico, a Microids, com o aval da Agatha Christie Ltd., adicionou uma nova personagem ao rol de passageiros: a detetive norte-americana Joanna Locke, que protagoniza não apenas um mistério inédito pós-jogo, como também aprofunda o motivo pelo qual Ratchett foi brutalmente assassinado — que explicarei melhor a seguir.

Uma nova detetive está no caso

Para refrescar a memória de quem não se lembra, o assassinato no Expresso do Oriente está ligado a um caso (fictício) que aconteceu anteriormente: o sequestro e a morte de Daisy Armstrong, que abalou os Estados Unidos e desestruturou para sempre uma das famílias norte-americanas mais influentes. No livro, este mistério é apresentado de maneira corrida, servindo apenas como o pontapé inicial de Poirot para solucionar a causa mortis de Ratchett, mas, com a presença de Joanna Locke, temos aqui a possibilidade de reconstituir o passo a passo do crime envolvendo Daisy.

É claro que essa porção da aventura não foi jogada de maneira gratuita e impensada dentro da releitura de Assassinato no Expresso do Oriente: ao longo da investigação no trem, Poirot encontra Joanna, que não estava na lista de passageiros, e pede para que ela explique como conseguiu embarcar no trem. A partir daí, temos a reconstituição do caso dos Armstrong, o qual, à época, estava sob responsabilidade da detetive Locke.

Durante essas porções de flashback, o cenário muda do trem para os Estados Unidos e solucionamos as pistas sob a perspectiva da jovem policial. Além de servir como um respiro bem-vindo, já que a aventura se passa majoritariamente no Expresso do Oriente, fãs ganharam ainda mais explicações sobre como o caso de Daisy Armstrong se interrelaciona com a morte de Ratchett, mas sem atropelar os acontecimentos narrados no livro.

Jogabilidade tradicional, porém maçante às vezes

Assim como os outros dois jogos publicados pela Microids, The First Cases e The London Case, Murder on the Orient Express segue a mesma linha: temos uma aventura em terceira pessoa, na qual controlamos ora Poirot, ora Locke, na busca por pistas, interrogação de suspeitos e envolvidos nos crimes e outras atividades típicas dos jogos de detetives. No entanto, em vez de termos uma visão isométrica, o jogo opta por usar uma câmera atrás dos protagonistas, melhorando — e muito, na minha opinião — a interação com os demais personagens e também com as pistas e elementos dos cenários.

De resto, temos a volta do mapa mental já apresentado nos dois jogos supracitados, porém servindo mais como um compilado da narrativa do que resolução dos casos. Sendo assim, não temos apenas nós que requerem uma intervenção do jogador, seja solucionando as pistas apresentadas até o momento, seja reconstituindo fatos, mas também um guia de como prosseguir na investigação.


No entanto, enquanto alguns puzzles são bem-elaborados e condizentes com a solução do crime, pelo menos no controle de Poirot, outros parecem ter sido colocados no meio do jogo simplesmente como “encheção de linguiça”. Estou falando de pequenas missões paralelas de ajudar os passageiros com pedidos estranhos, como reunir ingredientes para fazer um coquetel capaz de curar a ressaca ou achar qual óleo essencial alivia a dor de dente de um dos passageiros, a fim de obter respostas essenciais para a conclusão da morte de Ratchett.

Pelo menos, o jogo é bastante generoso no que diz respeito às pistas, que podem ser acessadas opcionalmente caso o jogador se sinta perdido durante a investigação. Esqueceu quem Poirot ou Locke precisa interrogar na sequência? Basta acessar o mapa mental, achar o nó correspondente ao momento da narrativa e desbloquear uma dica; na maioria dos casos, o jogador tem direito a três pedidos de ajuda, sendo o último a resposta que procura. 

Em suma, a dificuldade dos quebra-cabeças é equilibrada, mesmo os “tapa-buracos” que mencionei, embora eu tenha sentido dificuldade para entender a lógica por trás de alguns e precisei recorrer às dicas para avançar na história. Isso significa que, para quem já está acostumado com jogos de natureza investigativa, Murder on the Orient Express é mais um forte candidato à lista.

Um milagre chamado port bem-feito para o Switch

Embora haja quedas na taxa de quadros aqui e ali — e convenhamos, este é um ponto contra que já virou rotina em jogos no Switch —, Murder on the Orient Express roda muito bem no console híbrido, tanto no modo TV quanto no portátil. Inclusive, os modelos de personagens finalmente têm movimentação labial que acompanha a dublagem, mesmo que alguns deles assustem quando a câmera se aproxima demais deles, talvez devido ao hiper-realismo que o estúdio decidiu usar na modelagem 3D.

Por falar em dublagem, temos três opções de idiomas: inglês, francês e alemão. Obviamente, optei pelo primeiro, devido à minha falta de fluência com os outros dois, e preciso parabenizar o elenco que a Microids escalou para dar vida aos personagens de Agatha Christie. O elogio se estende à trilha sonora escolhida para embalar as aventuras de Poirot e Locke, fazendo com que o jogo acerte neste aspecto audiovisual.


Senti falta, contudo, de um log para rever os diálogos passados. Sei que essa ausência é proposital, afinal, estamos falando de um jogo de detetive que requer que o jogador preste atenção em cada linha de diálogo, mas também não acho que recorrer às dicas seja a melhor solução caso um detalhezinho tenha passado batido. Pelo menos, temos a possibilidade de jogar com interface totalmente localizada para o português brasileiro de forma satisfatória.

Também quero apontar que as telas de carregamento, além de não serem demasiadamente longas como em The First Cases e The London Case, trazem curiosidades sobre as obras de Agatha Christie e a autora em si, em vez de dicas relacionadas ao jogo. Para fãs da Rainha do Crime, trata-se de um agradinho muito bem-vindo, sendo que eu mesma soube de fatos que eu desconhecia.


Murder on the Orient Express também traz um sistema interno de conquistas que incentiva a rejogabilidade em mais de um ponto, além da presença de Bigodes Dourados escondidos nos cenários de cada capítulo. Jogadores fãs de campanhas baseadas em completar a aventura com 100% não têm do que reclamar aqui.

Para completar, a aventura conta com salvamento automático em vários pontos-chave e manual, porém presenciei dois momentos em que o software simplesmente foi encerrado devido a erros que não sei explicar. Por sorte, não perdi progresso, mas foram situações bem inconvenientes.

Gosta de Agatha Christie ou quer conhecer mais sobre o Expresso do Oriente? Temos aqui o jogo perfeito para você!

Agatha Christie - Murder on the Orient Express, como mencionado na abertura desta análise, segue fielmente o livro no qual foi baseado, ao mesmo tempo em que altera — de modo muito natural, vale ressaltar — alguns elementos para deixar a aventura digna de um mistério do século XXI. Além disso, a adição de uma nova personagem para aprofundar um caso que, no livro, é apenas mencionado superficialmente, é um grande presente para os fãs da Rainha do Crime, isso sem falar no mistério inédito protagonizado pela própria Joanna Locke e que serve como uma campanha pós-jogo.

Para fechar o pacote, o jogo tem uma performance surpreendentemente satisfatória no Switch, com direito a uma interface totalmente em português brasileiro, um elenco de dublagem que fez um excelente trabalho e também uma trilha sonora condizente com os ambientes apresentados na campanha. Claro, existem algumas ressalvas em relação ao andar da carruagem em si, como erros que forçam a reinicialização do aplicativo e alguns puzzles que deixam o jogo maçante, mas, no geral, Murder on the Orient Express não deixa nada a desejar, seja para fãs de Agatha Christie, seja para novatos que querem conhecer uma de suas mais icônicas obras, mas sem perder o toque da modernidade do século XXI.

Prós

  • Recriação fidedigna de um dos clássicos de Agatha Christie;
  • Os elementos transportados para o século XXI aproximam os novos jogadores do livro no qual o jogo se baseia;
  • O mapa mental apresentado em títulos anteriores foi melhorado, facilitando a navegação pelos elementos da trama;
  • Boa variedade e dificuldade de puzzles para resolver ao longo da campanha, evitando que seja tudo “mais do mesmo”;
  • A jogatina como Joanna Locke em algumas porções traz um ineditismo mais que bem-vindo ao jogo, bem como melhor entendimento do caso Daisy Armstrong;
  • As dicas deixam a aventura mais confortável, especialmente quando não há entendimento da lógica em alguns quebra-cabeças;
  • Performance satisfatória no Switch, tanto no modo TV quanto no portátil;
  • Itens escondidos nos capítulos e sistema interno de conquistas é um prato cheio para quem gosta de obter 100% nas campanhas;
  • As telas de carregamento trazem curiosidades sobre Agatha Christie e suas obras;
  • Possibilidade de jogar com interface em português brasileiro;
  • Apresentação audiovisual bem-feita, em especial a dublagem em inglês.

Contras

  • Ausência de log de diálogos, fazendo com que o jogador recorra às dicas caso perca um detalhe;
  • Alguns puzzles foram introduzidos como tapa-buracos, sem necessidade real de estarem no jogo;
  • Estranho erro que força a reinicialização do software em alguns pontos;
  • Às vezes, os modelos de personagens podem assustar devido ao seu hiperrealismo;
  • Em alguns momentos, o jogo é afetado pelas famigeradas quedas na taxa de quadros.
Agatha Christie - Murder on the Orient Express — PC/PS5/PS4/XBX/XBO/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Thais Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Microids

Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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