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Análise: Hana Awase New Moon (Switch): cartas, poemas e as múltiplas faces humanas

O otome game dividido em quatro volumes chama a atenção com sua construção de personagens e seu viciante sistema de combate de cartas.

Hana Awase foi originalmente criado para PC pela WoGa, empresa que também detém os direitos da marca Tennenouji. Foram ao todo quatro volumes individuais na época, e agora eles retornam ainda separados em Hana Awase New Moon para o Nintendo Switch.

Com um contexto profundamente inspirado por simbologias de poemas japoneses, as visual novels com trechos de combate de cartas chegam pela primeira vez ao Ocidente nestes quatro downloads. Na prática, a experiência é como um Yu-Gi-Oh! com uma protagonista feminina que acaba se envolvendo com os rapazes perigosos e mentalmente instáveis que jogam cartas com ela.

Fachadas, nuance e interpretação

Hana Awase New Moon conta a história de Mikoto (nome customizável), uma jovem garota que sempre foi vista como um pouco esquisitinha por ter uma paixão muito forte por hanafuda. Aprender mais sobre as regras do tradicional jogo de cartas japonês é algo que fascina a garota desde pequena, mas ela jamais esperaria o que estava por vir.

Após uma série de reviravoltas, ela acaba sendo notada pela mais respeitada academia de elite na arte do Kasen (jogo de cartas com hanafuda envolvendo duplas formadas por um rapaz e uma moça) e sendo escoltada para estudar lá. Mais do que isso, ela tem a oportunidade de se tornar uma aluna de prestígio por seu potencial de se tornar uma figura lendária conhecida como Senki. Por conta disso, ela rapidamente se torna uma das principais candidatas a parceira dos “Cinco Brilhantes”, os rapazes que estão no topo da academia.

Obviamente, essa ascensão rápida é uma fonte de conflitos, forçando a protagonista a lidar com uma realidade diferente e um tanto hostil. A Academia Kasen é uma escola de gente rica e a garota precisa deixar de lado seus velhos amigos para aproveitar essa oportunidade. A história segue algumas variações em cada volume, alterando não apenas quem seria o principal parceiro em potencial da personagem, como também elementos do passado e relações entre indivíduos, criando bolhas de realidades distintas para o jogador conhecer outras perspectivas.

De forma geral, a trama lembra um pouco as séries de animação de Yu-Gi-Oh!, com disputas de cartas e até mesmo “duelos das trevas”, já que, conforme as pessoas deixam seus desejos aflorarem e tomarem conta da sua alma, elas são corrompidas por suas emoções e se tornam criaturas sombrias. Impedir grandes catástrofes por conta desses indivíduos é parte das missões daqueles que conseguem usar as cartas de hanafuda como arma nos duelos chamados de “Hana Awase”.

A escrita brinca com o aspecto de poemas clássicos japoneses e isso transparece nas escolhas de nomes dos personagens, mas também em momentos de contemplação nas quais os rapazes expõem seus sentimentos em forma de poesia. Em todos os casos, os potenciais interesses românticos da protagonista possuem diversas camadas adicionais e muitas vezes não são honestos quanto aos seus sentimentos, exigindo que o jogador interprete com cuidado o “não-dito” de suas ações ocasionalmente enigmáticas.

Apesar de toda a sensibilidade e inspiração da proposta, vale ressaltar que a trama conta com vários momentos de machismo, desrespeito e até violência (especialmente de cunho sexual e moral) contra a protagonista. Embora os tópicos em si sejam bem interessantes, a abordagem deles, ora como piada, ora como fetiche, pode ser um tanto desagradável. Para quem se sente especialmente incomodado com esse tipo de conteúdo, é aconselhável evitar o jogo.

Batalhas das cartas das flores

Um dos detalhes que mais chama a atenção em Hana Awase é que o jogo também inclui disputas de cartas baseadas em hanafuda, um baralho tradicional japonês composto por cartas com ilustrações de flores. Cabe ao jogador fazer combinações específicas de cartas, geralmente com os mesmos elementos (flores, fitas, cores) no desenho, para tentar causar dano no adversário. Quanto mais raro o combo, mais pontos de vida esse golpe reduz, ganhando quem reduzir a vida do oponente a 0 primeiro.

Começamos uma disputa com seis cartas na mão e a cada turno podemos selecionar quais queremos manter e quais desejamos trocar. No canto superior da tela, temos indicações das combinações que já podem ser feitas ou precisam de apenas mais uma ou duas cartas para serem concluídas. Ao selecionar um desses combos indicados, você pode manter apenas as cartas referentes a ele, colocando todas as outras para descarte.

Antes de apertar o botão para fazer a etapa de troca, é possível ajustar as cartas desejadas quantas vezes quiser. O jogador então fica com uma mão de seis cartas que pode conter uma combinação especial de duas ou mais ilustrações e deve escolher ativar esse combo como um golpe contra o seu oponente. Porém, antes de acabar o seu turno, é possível tentar usar uma técnica especial chamada “Koikoi”, que permite usar um ataque consecutivo. Até quatro koikois podem ser usados em um mesmo turno, levando a altas quantidades de dano antes de o jogador passar a vez, mas nenhum ataque será desferido se não for possível formar um combo em algum momento.

Avançar a história ou derrotar oponentes leva ao ganho de pontos de experiência que podem ser alocados em seis critérios: HP, MP, SPD, ATK, DEF e LOV. A ideia básica deles é a seguinte:

  • HP define a quantidade de dano que pode ser recebido;
  • MP abre habilidades especiais, como cura e aumentos temporários de atributos, que só podem ser usados antes da troca de cartas da mão;
  • SPD é a sua velocidade, permitindo que o seu turno venha muito antes do seu oponente;
  • ATK define quanto dano as combinações de cartas causam;
  • DEF reduz o dano recebido dos golpes de adversários;
  • LOV não é explicado e é indicado deixá-lo como menor prioridade em relação aos demais.

Com isso, quanto mais o jogador explora, mais forte fica, tendo a chance de escolher as suas prioridades e sendo claramente recompensado pelo esforço. Por exemplo, no meu caso, dei preferência para as categorias ATK (ataque) e SPD (velocidade) para poder eliminar os inimigos rapidamente com os combos e fui aumentando as outras categorias em um ritmo menor.

Vale destacar que esse sistema de atributos pode ser facilmente abusado, quebrando o nível de desafio caso o jogador faça todas as batalhas contra NPCs disponíveis na sala de estudos da escola. A experiência pode até ser acumulada para ser gasta em outro momento, mas apenas até alcançar o limite de 999 pontos, que é um valor relativamente baixo considerando que a partir de um certo nível temos o consumo de mais de 200 pontos para melhorar atributos. Além da experiência, cartas importantes são adicionadas ao baralho toda vez que o jogador derrota um oponente relevante, levando a um upgrade significativo das suas opções de jogada.

Uma vez terminada a história, o jogador pode manter o seu nível de força, os atributos evoluídos e as cartas desbloqueadas na sua próxima tentativa, ficando ainda mais poderoso. Essa vantagem não existe entre os jogos, o que é uma pena tendo em vista que o combate em si é o mesmo, ou seja, adicionando um elemento de grinding repetitivo e um pouco inconveniente.

Apesar do desequilíbrio e dos pequenos incômodos mencionados, o jogo de cartas é bastante viciante. Gastei dezenas de horas ignorando a história para enfrentar mais partidas, ver a minha protagonista ficar mais forte, desbloquear um baralho melhor e ganhar rankings altos. É uma sensação bem recompensadora pensar nas estratégias de acordo com a habilidade atual da protagonista, entender melhor os combos possíveis e ver um progresso concreto com as novas cartas desbloqueadas com o tempo.

Um mundo de termos complexos

Um ponto importante de Hana Awase é esse contexto japonês denso que acaba tendo termos um tanto técnicos. Com isso, um ponto muito importante do jogo era como seria feita a tradução para o inglês. Para o trabalho, a HuneX fez uma parceria com alguns dos desenvolvedores da MangaGamer, publisher que será responsável pela publicação do jogo no PC no Ocidente. A equipe de tradução inclui Tania Torres-Delgado, que foi responsável pela tradução de Hashihime of the Old Book Town, jogo também publicado pela HuneX no Switch.

Além de Tania, Kazuko Otsuka e Miranda Hogan trabalharam na tradução e Mary Borselino foi responsável pela edição, com QA feito por R. Stuart. De forma geral, o texto em inglês é fluido e bem-apresentado, mas é nítido que seria necessária uma conferência mais criteriosa da tradução. Temos muitos erros de digitação e inconsistências de termos, como nas apresentações de novos adversários na sala de estudos (que acabam tendo dois nomes que são opções válidas de tradução).

Como extras do jogo, temos também uma galeria que permite revisitar as cenas com ilustrações especiais a qualquer momento, duas edições de cada abertura com letra (uma como legenda e outra que a mostra completa desde o início), a lista de músicas e as vozes dos personagens declamando seus respectivos poemas. As galerias também adicionam histórias adicionais curtas, expandindo a história da protagonista com o interesse romântico de cada volume após a conclusão do final ideal.

Camadas de desejo que irrigam uma bela flor

Hana Awase New Moon é uma mistura inesperadamente viciante de otome game com jogo de cartas pensado para valorizar o esforço de quem quiser brincar com seus sistemas. Apesar de alguns deslizes na tradução que merecem correções, a trama envolvente e poética que explora as nuances de personalidade de seus personagens centrais oferece uma experiência de fácil recomendação para fãs de visual novels.

Prós

  • Jogo de cartas viciante em que o baralho do jogador vai ficando cada vez melhor conforme enfrenta figuras-chave da história;
  • Personagens curiosos explorados nas múltiplas rotas de cada volume;
  • A trama inspirada em poemas clássicos é envolvente, delicada e repleta de nuances para os relacionamentos individuais;
  • O jogador pode escolher como evoluir suas habilidades em um sistema de RPG que recompensa quem gasta muito tempo com o minigame.

Contras

  • Em alguns momentos, a tradução para o inglês é inconsistente e conta com erros de digitação;
  • Como a gameplay do RPG de cartas é igual entre os jogos, não poder transferir o progresso de níveis implica em grinding repetitivo;
  • A quantidade máxima de pontos que podem ser acumuladas é baixa para a reta final da história, exigindo que o jogador os consuma rapidamente;
  • Alguns aspectos de machismo, violência e desrespeito contra a protagonista podem ser incômodos. 

Hana Awase New Moon — Switch/PC — Nota: 8.5
Versão utilizada na análise: Switch

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela HuneX


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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