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Análise: Plumbers Don’t Wear Ties: Definitive Edition (Switch) preserva um dos piores games da história

O título que se tornou famoso devido ao YouTube retorna ruim como sempre, mas com bons conteúdos extras que explicam sua existência.


Se você consumia conteúdo gamer no YouTube nos anos 2010, provavelmente assistia ao The Angry Video Game Nerd. E se você assistia ao The Angry Video Game Nerd, provavelmente conhece Plumbers Don't Wear Ties.


Lançado originalmente nos anos 1990, com sua versão de 3DO sendo a mais popular, o título ganhou uma segunda vida na internet não por seu pioneirismo por ser a primeira visual novel produzida nos Estados Unidos, mas sim por sua qualidade duvidosa que lhe rendeu o título de um dos piores games de todos os tempos.

Agora, em 2024, o jogo ganha uma terceira vida com uma Definitive Edition desenvolvida e publicada pela Limited Run Games, cujo objetivo é não só preservar o game, mas explorar como uma produção como essa conseguiu ser lançada, celebrando-a de certa forma. Apesar de alguns sobressaltos, é uma meta cumprida com sucesso.

Sim, é horrível

Antes de seguir lendo esta análise, não se engane: a equipe de desenvolvimento pode ter remasterizado o jogo, mas não fez milagre. Ele continua com suas indistinguíveis marcas (ou manchas) que lhe renderam sua reputação.

Caso seja seu primeiro contato com Plumbers Don't Wear Ties, o game traz a história de John, um encanador, e Jane uma “garota mimada” em busca de um novo emprego. Ambos são atazanados por seus pais, que insistem que eles deveriam estar em um relacionamento amoroso. Até que, por obra do destino, eles se cruzam em um estacionamento.

O objetivo do game é fazer com que John e Jane terminem juntos. Para isso acontecer, o jogador deve selecionar por qual caminho a narrativa deve seguir ao chegar em uma ramificação. Assim, é preciso descobrir, por tentativa e erro, qual é o caminho correto para o final feliz.



O jogo faz parte das produções lançadas no apogeu dos títulos Full Motion Video (FMV), em que clipes pré-gravados de vídeo e áudio eram utilizados para desenvolver a narrativa, com pouquíssimo uso de sprites ou modelos poligonais.

No entanto, Plumbers tornou-se infame por se vender como um jogo FMV, mas utilizar, na sua esmagadora maioria, fotos e áudio para contar sua trama. É como assistir a um slideshow ouvindo uma radionovela. Se isso já deixa a experiência, no mínimo, estranha para início de conversa, é no enredo em si que as coisas degringolam de vez.

O roteiro tenta ser engraçado, mas usa todos os mecanismos errados para isso. Imagens com filtros esquisitos, personagens aleatórios que aparecem do nada e que não interferem na narrativa, cenas com sequências intermináveis de fotos e músicas, falas que arrastam o enredo e atuações de voz dolorosas são alguns dos problemas.



Porém, o principal deles é a representação feminina. O título é repleto de piadas de cunho sexual, trechos de seminudez e, o pior, piadas sobre feminicídio e abuso moral e sexual. A remasterização deixa claro que o game é um produto da sua época, em que questões como essas, embora inaceitáveis, eram vistas como fonte de “humor”.

Assim, todas as vezes que cenas com esses temas problemáticos surgem, a sensação é uma mistura de incredulidade com vergonha alheia, daquelas que dá vontade de enfiar a cabeça debaixo da terra.

As razões de uma Definitive Edition

Com tantos pontos negativos, por que remasterizar o título? Essa é a primeira pergunta que a própria Limited Run Games se faz no início do jogo.

Em uma realidade em que apenas 13% da história dos videogames está preservada no mercado atual, portar títulos antigos vai além de disponibilizá-los a um novo público. É arquivar uma parte da indústria para usá-la facilmente para reflexões, estudos e como referências para produções futuras.

Games ruins também entram nessa dinâmica. Eles funcionam não só como um retrato de uma era do mercado, mas como um exemplo do que não fazer ou do que não repetir, como é o caso do machismo intrínseco de Plumbers Don't Wear Ties. Por isso, preservá-los é tão importante quanto manter os melhores games da história acessíveis a todos.

Porém, isso não significa que aprimoramentos de qualidade de vida não possam ser feitos. Esta versão definitiva do título traz várias melhorias esperadas de visual novels contemporâneos, como avançar rapidamente por cenas já vistas, pular para trechos específicos da história, imagens em alta qualidade e legendas que auxiliam a entender as falas dos personagens.



Mas, para nós, brasileiros, as legendas sofrem da temida falta de localização em PT-BR. Na verdade, não há opções para quaisquer outros idiomas a não ser o inglês, o que dificulta a experiência de várias pessoas. Além disso, não há diferentes layouts para esses textos, o que também pode tornar a leitura mais complicada.

A história por trás da farsa

Para dar mais substância a esta versão do jogo, a desenvolvedora também adicionou uma série de extras, como vídeos, entrevistas, cenas deletadas, scans de roteiros e modelos 3D de caixas e CDs.

Para destravá-los, é preciso explorar um escuro labirinto tridimensional estilo Wolfenstein 3D, encontrar os conteúdos e adquiri-los com uma moeda in-game obtida ao jogar o game principal. Felizmente, uma única rodada de jogo já é suficiente para ter o dinheiro necessário para comprar esses itens. Ou seja, não é preciso sofrer com múltiplas repetições da história bizarra.

Além disso, o chefe desprezível de Jane, Thresher, persegue o jogador constantemente, a fim de dar game over na experiência. A única maneira de impedi-lo é arremessar desentupidores contra ele, os quais são encontrados pelo cenário. Esse é um modo bastante curto, mas bem simpático, casando bem com o estilo nonsense de Plumbers.



Já os conteúdos extras em si, em especial os vídeos, são bem-vindos, pois situam o game em seu contexto histórico. Diversos criadores de conteúdo – incluindo James Rolfe, o The Angry Video Game Nerd –, historiadores e desenvolvedores desta versão remasterizada explicam o advento dos CD-ROMs nos anos 1990, o surgimento do gênero FMV, a má fama do título original de 3DO e mostram os bastidores do port.

Mas os materiais mais relevantes são as entrevistas e comentários de Jeanne Basone, a atriz que interpreta Jane. Ela traz insights sobre a produção do jogo original, incluindo como acabou escalada para o projeto e como lidou com a repercussão do game nos anos 2010.

Porém, os extras pecam em alguns pontos. Jornalisticamente falando, teria sido interessante se a Limited Run Games tivesse conseguido mais entrevistas com integrantes da equipe original. As histórias de Jeanne são ótimas, mas, sem outros depoimentos, elas contam somente uma fração de como foi fazer Plumbers através da visão da própria atriz.

Além disso, os vídeos são comprimidos de modo que a imagem fica pixelizada em algumas situações, tornando-os um pouco desagradáveis de se assistir. Eles também não possuem recursos básicos, como uma forma de avançar ou retroceder pelos arquivos ou legendas.
Quadro de vídeo bastante comprimido, como é notável no fundo da imagem


O restante dos desbloqueáveis acabam se limitando às imagens da história principal e algumas que foram cortadas do produto final. Infelizmente, essas cenas deletadas não trazem detalhes sobre sua natureza na narrativa, ficando só no slideshow mesmo.

O ruim que vale conferir

Analisar Plumbers Don't Wear Ties: Definitive Edition é uma tarefa peculiar. É óbvio que o game não se tornou bom com a magia da modernidade. Ele continua um dos piores títulos já lançados, com uma história arrastada contada via imagens estáticas e temas extremamente problemáticos para os dias de hoje.

Assim, o que vale a pena observar é como o game foi preservado e, nesse quesito, a equipe de produção desse port fez um bom trabalho. Os conteúdos bônus são agradáveis de se consumir, apesar de seus problemas de compressão, usabilidade e legendas. No entanto, eles podiam ser um pouco mais profundos na história de produção do título e trazer mais contexto para as cenas deletadas.

Caso você queira ter seu momento de The Angry Video Game Nerd e conhecer um (mal) momento da história dos games, essa é a hora certa.

Prós

  • Edição preserva um jogo histórico, mesmo que seja um dos piores da história;
  • Adição de recursos de qualidade de vida, como pular imagens, selecionar cenas específicas, aprimoramento de fotos e legendas (em inglês);
  • Conteúdos bônus fazem um bom trabalho ao contextualizar o game em sua época histórica, com informações sobre a tecnologia dos anos 1990 e entrevistas com especialistas e participantes do game;
  • Modo que libera os desbloqueáveis é curto, mas simpático.

Contras

  • O jogo original continua cheio de problemas de ritmo, narrativa e atuação, com apresentação em slideshow de fotos em vez de vídeos;
  • Temas bastante problemáticos envolvendo machismo e feminicídio na trama principal;
  • Ausência de localização em português brasileiro dificulta a compreensão do enredo para quem não entende inglês;
  • Problemas nos vídeos extras, como imagens pixelizadas e ausência de recursos, como avançar ou retroceder pelo arquivo e legendas;
  • Conteúdos bônus podiam trazer mais antigos integrantes da produção do game.
Plumbers Don’t Wear Ties: Definitive Edition – Switch/PS5/PS4/XSX – Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Limited Run Games


Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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