A justiça não morreu
Pois é, em um universo onde a lei é aplicada na bala, você é o fiel bastião da justiça Shotgun Cop Man, policial armado com uma pistola e uma escopeta cuja missão é descer até o inferno e prender aquele que é provavelmente o maior criminoso da história: Satanás.
Se a história acima parece um tanto quanto absurda — uma impressão reforçada pelos xingamentos gratuitos que o diabo dirige ao protagonista sempre que possível —, a verdade é que ela é pouco mais que um pretexto para colocar o jogador em uma sequência de fases repletas de ação, que exigirão reflexos e destreza para progredir.
Felizmente, na prática, a ideia funciona muito bem, graças à jogabilidade apurada e à liberdade criativa que flerta continuamente com o gênero trash, características já vistas em My Friend Pedro, obra anterior do estúdio DeadToast Entertainment. Portanto, se você se interessa por aventuras irreverentes, bizarras e precisas, saiba que vale a pena vestir o distintivo de polícia e assumir o papel de Shotgun nesta operação.
Loucademia de polícia
Para ajudá-lo em sua empreitada infernal, Shotgun Cop Man conta com o já citado combo de escopeta e pistola, que funciona tanto para dar cabo dos inimigos quanto para se movimentar pelos estágios, que, em sua maioria, duram poucos minutos, sendo um prato cheio para os speedrunners.
Ocorre que, como o nosso protagonista não anda muito rápido e nem consegue pular, a principal forma de superar essas limitações é usar o recuo das armas após um disparo para saltar e se movimentar com agilidade. A escopeta tem um alcance curto, mas um grande poder de fogo que pode ser usado tanto para eliminar grupos de inimigos quanto para alcançar plataformas superiores; já a pistola possui uma alta cadência, que é útil para eliminar alvos distantes e também para vencer obstáculos menores, como as balas inimigas.
Na prática, com cada uma das armas estando associada a um dos gatilhos do controle do Switch, temos então a fórmula ideal para uma jogabilidade ágil e envolvente, que além de ser fácil de aprender (mas difícil de dominar), mescla com sucesso elementos de twin stick shooters e jogos de plataforma baseados na precisão, como o clássico Super Meat Boy e o próprio My Friend Pedro.
De fase em fase, a gente chega lá
Obviamente, de nada adiantaria possuir uma jogabilidade divertida se o level design de Shotgun Cop Man não estivesse à altura das suas pretensões. Felizmente, não é o caso: ao todo, o título da Deadtoast conta com mais de 90 fases que, bem ao estilo arcade, gradualmente vão introduzindo novos desafios para serem vencidos, como espinhos, motosserras sencientes e divertidas batalhas com chefes.
Na prática, os estágios do jogo são curtos, porém a presença de um score final baseado em objetivos menores — matar todos os inimigos, não sofrer dano e finalizar abaixo do tempo recomendado — ajuda no fator replay. Conseguir cumprir tudo isso ao mesmo tempo (aviso: não é uma tarefa fácil) concede ao jogador uma estrela representando o domínio daquela fase, símbolo carinhosamente apelidado de “Tudo Junto”.
Aproveitando o assunto, outro ponto em que Shotgun Cop Man poderia escorregar (mas surpreendentemente passa ileso) seria na dificuldade excessiva. Afinal, twin stick shooters são naturalmente complexos, e tentativas de unir o gênero a seções de plataforma frequentemente resultam em experiências punitivas, que filtram a diversão e impedem uma recomendação mais ampla.
Sobre isso, não é como se esta aventura fosse exatamente um jogo fácil (seria até irônico se prender o diabo fosse moleza, convenhamos), mas acredito que a Deadtoast e a Devolver encontraram um louvável equilíbrio nesse sentido, oferecendo aos jogadores uma experiência desafiadora, porém bastante justa, graças à jogabilidade precisa e ao design inteligente.
Por exemplo, ser atingido por uma bala, espinho ou inimigo instantaneamente separa o protagonista de sua vida, representada por um coração. Nesse estado, sofrer um golpe resulta em um game over, mas alcançar e encostar no coração flutuante repara imediatamente a vida do policial, o que significa que uma “segunda chance” estará sempre ali, muito perto de ser obtida se assim for necessário.
Particularmente, também achei os checkpoints dentro das fases bem generosos, medida que evita a insossa repetição de sequências punitivas e facilita a conclusão dos estágios mais casca-grossa. Os jogadores mais hardcore e os speedrunners, porém, podem ficar tranquilos: é possível até ativar um timer para acompanhar o tempo durante as fases, apimentando aquela (normalmente saudável) briga pessoal com o cronômetro.
É só uma pena que não exista ainda um placar de líderes regional ou global; seria bem interessante comparar meu progresso com o de outros jogadores neste período de pré-lançamento. Como o recurso faz sentido dentro da proposta do jogo, espero que os responsáveis olhem com carinho para a possibilidade de implementá-lo após a estreia do título.
Prisão infernal
Por fim, no que tange aos aspectos técnicos, Shotgun Cop Man não sofre com problemas visuais ou de performance no Switch. Muito raramente, em cenas com vários elementos na tela, a taxa de quadros pode cair um pouco por alguns segundos, porém é algo praticamente imperceptível na prática — se eu não estivesse atento a esse fato para escrever esta análise, provavelmente nem notaria.
Devo dizer que a proposta do game também combina bastante com um dispositivo híbrido como é o Switch; as fases curtas casam perfeitamente com o fato do console iniciar rapidamente do modo de descanso, por exemplo. O bom uso dos tons de preto também significa que o jogo é, apesar de sua simplicidade visual, especialmente interessante no modelo OLED, onde pude testá-lo.
No mais, acredito que os únicos pontos realmente controversos de Shotgun Cop Man sejam seu contínuo flerte com o trash (o bizarro protagonista tomando a tela para si e falando “eu morro” após perecer em combate é uma decisão criativa certamente interessante, assim como as ofensas gratuitas do diabo), e a sensação de repetição, que pode ocorrer após jogar várias fases em sequência.
No entanto, para todos os efeitos, aqui está uma aventura que, com seu caráter ora punk, ora tosco, mas sempre divertido, prova que há experiências que somente um jogo indie se atreve a oferecer — feito que, na minha opinião, não pode jamais ser menosprezado.
Shotgun Cop Man sou eu!
Shotgun Cop Man é mais uma grata e imperdível surpresa do catálogo da Devolver Digital. Unindo ação e diversão em fases curtas, mas certamente recomendadas, este ousado híbrido de shooter e plataforma entrega uma experiência única, ágil e precisa que combina perfeitamente com a versatilidade do Switch. Agora te cuida, Satanás: a justiça não morreu e está indo muito bem armada ao seu encontro.
Prós
- Une com rara eficiência elementos de twin stick shooters e jogos de plataforma para entregar uma experiência ágil, violenta e, principalmente, bastante divertida;
- Checkpoints frequentes e sistema de “segunda chance” garantem que a campanha seja desafiadora, mas também sempre justa com o jogador;
- Possui mais de 90 fases para serem conquistadas, completas com um sistema de score que aumenta o fator replay;
- Sem problemas de performance ou visuais no Switch;
- Suporte a PT-BR.
Contras
- O flerte contínuo com a temática trash — vide o design do protagonista — não agradará quem não curte estilo e abordagem propositalmente toscas;
- Mesmo com as variações entre uma fase e outra, a aventura não está imune à sensação de repetição após certo tempo de jogo;
- Dados os recursos para speedrunners, é estranha a ausência de um placar de líderes globais e regionais.
Shotgun Cop Man — PC/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital