
Em 2015, Toby Fox abalou o mundo dos jogos indie com o lançamento do já clássico Undertale. O RPG em pixel art se destacou instantaneamente por sua trilha sonora marcante e pela possibilidade da não-violência. Em última análise, contudo, o fundamento do sucesso da obra se encontra nos personagens cativantes e nas fortes emoções sentidas ao longo da jornada.
Cerca de dez anos depois, e no mesmo dia que o lançamento do Nintendo Switch 2, a coletânea dos quatro primeiros capítulos do sucessor de Undertale chegou às máquinas de jogadores ao redor do mundo. Trata-se, é claro, de Deltarune. Com os capítulos 1 e 2 do também RPG em pixel art já tendo sido lançados, a expectativa dos fãs estava toda concentrada no advento dos 3 e 4. Aqui, analisaremos o conjunto da obra, sem deixar de falar de capítulos específicos quando necessário.
Imaginação e criatividade movem montanhas (e forjam mundos)
A premissa principal de cada um dos quatro capítulos de Deltarune é basicamente a mesma: Kris e Susie embarcam em uma aventura por um perigoso mundo desconhecido, onde se conectam, fazem amigos (como o extremamente gentil Ralsei, que se junta ao grupo) e derrotam um inimigo poderoso que dominava os habitantes dessa dimensão. Vale destacar também que, no primeiro capítulo, descobre-se que há uma profecia que entrelaça os três protagonistas ao descrevê-los como os heróis que irão salvar todos os mundos. Não são exatamente os conceitos mais originais da história dos videogames.
Todavia, a pulsante imaginação de Toby Fox reinventa os clichês fundamentais da trama. De início, há de se mencionar a real natureza dos “perigosos mundos desconhecidos” nos quais nossos heróis encontram suas aventuras. Os Dark Worlds são criados por uma explosão de escuridão concentrada, que transforma objetos comuns em seres conscientes. Dessa forma, não falta criatividade na ambientação da jornada e nos designs de todos os habitantes — de cartas de baralho a sinos de igreja, passando por pop-ups da internet.
Não é aí que acaba a potência criativa de Deltarune. O trabalho de personagem também precisa ser discutido. De fato, as relações interpessoais ao longo de todo o jogo são notavelmente bem construídas, com o desenvolvimento da Susie e do Ralsei merecendo destaque especial. Por falar em Ralsei, cabe examinar o uso do clichê da profecia. Diferentemente de outras obras que simplesmente usam uma profecia para sacramentar o caráter heroico dos protagonistas, Deltarune — cada capítulo mais — abre um espaço para a reflexão sobre o livre-arbítrio e o destino.
Ritmos envolventes
Agora, é preciso analisar o fluxo de gameplay de Deltarune. Além dos diálogos entre os personagens e de alguns puzzles (em sua maioria pouco criativos, surpreendentemente), as batalhas baseadas em turnos definem a progressão da aventura. Nelas, há uma escolha básica: derrotar o inimigo com violência (reduzindo seus pontos de vida a zero e ganhando XP no final) ou recorrer a métodos não-agressivos — agir para poupá-lo quando sua barra de misericórdia chegar a 100% ou pacificá-lo com a magia de Ralsei quando cansado. Após o capítulo 1, a opção não-violenta acarreta no recrutamento do inimigo para viver em uma cidade essencialmente construída pelo jogador.
É no turno do inimigo que mais um charme de Deltarune se desenrola. Em um gameplay inspirado nos jogos bullet hell, o jogador deve desviar dos projéteis lançados pelo adversário. Os ataques não devem nada aos designs no quesito de criatividade: são sempre coerentes com o conceito do inimigo e frequentemente surpreendentes. Alternando conversas, enigmas e lutas, o jogo constrói um ritmo envolvente de gameplay, embalado por uma incrível trilha sonora correspondente à emoção produzida na cena.
Entendendo um sucesso (mais uma vez)
Apesar de ter dedicado boa parte desse texto às particularidades narrativas de Deltarune, a verdade é que o fundamento do sucesso do jogo é precisamente o mesmo do de Undertale: personagens bem-desenvolvidos e uma história com um núcleo emocional forte. Não faltam exemplos no campo dos personagens: Susie vai de ser uma adolescente isolada e antissocial a desejar profundamente a convivência e a proteção dos seus novos amigos. A química romântica entre Noelle e Susie é preparada no capítulo 2 e avança com firmeza no capítulo 4. Até mesmo Ralsei, o dedicado guardião da profecia, flerta com a autonomia em certo segmento do capítulo 3.
Quanto às emoções, os novos capítulos são capazes de emocionar até o mais gelado fã de RPGs. Do humor hilário às reviravoltas surpreendentes, quem jogar Deltarune com o coração aberto será devidamente recompensado. O investimento tanto nos personagens quanto nos mistérios da narrativa é devolvido em dobro: Toby Fox sabe confeccionar uma história emocionante. Quem achou que o poder da amizade era um clichê batido demais para sustentar uma nova história, precisa repensar; Deltarune chegou para ficar.
Prós
- Dark Worlds extremamente criativos, da ambientação aos designs dos inimigos;
- Ritmo envolvente de gameplay, alternando entre diálogos, batalhas e puzzles;
- Batalhas dinâmicas, com os ataques do bullet hell também bastante criativos;
- Trilha sonora espetacular, sempre correspondente à emoção da cena;
- Trabalho de personagem fenomenal, com excelentes desenvolvimentos e conexões convincentes;
- História instigante com reflexão sobre livre-arbítrio e destino, além de humor e emoção.
Contras
- Puzzles nem de perto tão criativos quanto o restante do jogo.
Deltarune — PC/PS4/Switch/PS5/Switch 2 — Nota: 9.0Versão utilizada para análise: Switch 2
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo próprio redator



