Assuma uma missão sagrada, escolhido
Em OFF, o jogador está unido a uma entidade humanoide vestida com um uniforme de beisebol e conhecida como “The Batter”. Tudo que é explicado no primeiro momento é que The Batter está em uma missão sagrada — e que seria nosso dever ajudá-lo a completá-la.
Assim, começamos a nossa jornada na Zona 0, onde encontramos uma enigmática entidade felina, conhecida como “O Juiz”, que expressa bastante surpresa ao ver um ser vivo na mesma área que ela. Após comentar sobre a sua missão sagrada, O Juiz decide auxiliar o Batter, ajudando ele a entender o básico sobre o mundo em que está, como as mecânicas de combate (que seguem a cartilha dos RPGs de turno) e de puzzle.
Com esse breve tutorial, o protagonista está finalmente pronto para começar a sua trajetória de purificação, que envolve navegar por outras bizarras e distintas zonas, resolvendo os enigmas e eliminando os espíritos impuros que nelas frequentemente se encontram.
A ausência de maiores explicações e o constante flerte com o horror psicológico são alguns dos pontos mais fortes do título, que instiga e convida o jogador a descobrir o que realmente está por trás deste mundo tão misterioso quanto bizarro. Preparado(a) para a tarefa?
O elo oculto entre obras como Earthbound e Undertale
Não é preciso muito tempo de jogo para perceber que OFF é um RPG largamente experimental, com todas as características típicas de um desenvolvimento cujas pretensões sempre foram muito mais pessoais do que comerciais (vide a sua própria distribuição como freeware ao longo dos anos).
Comentando sobre o desenvolvimento do jogo no Tumblr, Mortis Ghost enfatizou, por exemplo, que O Juiz era inspirado em seu gato e que o Batter veio de um desenho que ele fez a partir de uma fotografia esportiva. Dentre suas inspirações, também destacavam-se games surreais como Killer 7 e Silent Hill 2, mas também filmes como Brazil (1985) e O Mágico de Oz (1939).
Com isso, na prática, OFF é um RPG 2D com combate por turnos e puzzles ocasionais, mas essas duas características nunca são desenvolvidas o bastante no game para se destacarem em relação a outros títulos similares do gênero. Inclusive, essa fraqueza já era perceptível lá em 2008, mas é especialmente notável agora, em 2025, com os avanços gerais do estilo em relação a encontros aleatórios irritantes e uma navegação pouco intuitiva pelas áreas que funcionam como dungeons.
Então, com deslizes nesses quesitos acima, os maiores atrativos do jogo até hoje, sem dúvidas, são a sua narrativa e world-building, que lembram tanto clássicos fora da caixa como Earthbound como as loucuras hoje tipicamente associadas a gênios como SUDA 51, Hideo Kojima e SWERY. Sem se estender muito ou entrar no território dos spoilers (que certamente prejudicariam a experiência de quem ainda não jogou), decidir se aventurar por OFF é embarcar em uma jornada que te deixará desconfortável sempre que possível, além de questionar sua moral e frequentemente fornecer mais perguntas do que respostas.
Logo, se você aprecia obras como Undertale, Everhood ou simplesmente títulos que fogem do óbvio para entregar algo que definitivamente não se vê todo dia na indústria dos games, vale a pena conferir OFF — e o trabalho de remasterização conduzido pela Fangamer fez desta a versão definitiva de um jogo que muito a merecia por seu impacto cultural, mesmo sempre existindo bem longe do mainstream.
A versão definitiva, sem dúvidas, mas poderia ser ainda melhor
Tocando mais a fundo nesse assunto, o trabalho de remasterização conduzido pela Fangamer apresenta diversas novidades para OFF, como belos efeitos visuais e molduras para os cenários (que se adaptaram perfeitamente à telinha do Switch), menus redesenhados, mais chefes para apimentar a campanha e uma trilha sonora completamente nova, realizada com a colaboração de nomes consagrados como Toby Fox, Morusque e outros artistas.
As mudanças — de certa forma necessárias para justificar a venda de uma obra originalmente distribuída sem custos — são em sua vasta maioria positivas, mas cabe mencionar que provavelmente nem todas serão unanimidade. Como exemplo, ainda não encontrei um bom motivo para terem removido a possibilidade de realizar batalhas automaticamente presente no jogo original, e a ausência da trilha sonora de Alias Coldwood será definitivamente sentida pelos fãs de longa data (seria ótimo poder alternar entre ambas in-game — escute a nova abaixo).
Complementando esses dois pontos, mesmo com o trabalho de remasterização e a camada extra de polimento, é impossível não notar as raízes RPG Maker de OFF. Para alguns jogadores, isso representa parte do charme da obra, mas para um relançamento como este, realizado quase duas décadas após a estreia, acredito que alguns aspectos poderiam ser revigorados ou até mesmo extintos — os puzzles obtusos e em sua maioria confusos são um claro exemplo disso.
Em uma outra má notícia (desta vez, específica para o nosso público), esta remasterização também não conta com uma localização para PT-BR, prejudicando em grande parte a recomendação de uma obra que requer atenção quase completa aos textos e mensagens in-game para ser concluída, quiçá aproveitada.
Considerando que já existe uma tradução gratuita feita por fãs para o game original, é uma pena que a Fangamer não tenha conseguido implementá-la neste relançamento (somente o inglês e o francês estavam disponíveis no momento desta análise). Quem sabe em um update futuro?
Tecnicamente impecável no Switch
Voltando aos pontos positivos, porém, é com alegria que relato que OFF está tecnicamente impecável no Switch, tanto no modo TV quanto no modo portátil (e o bom uso da paleta de cores na ambientação provê até um espetáculo à parte no modelo OLED do console).
Também há que se mencionar que, com sua jogabilidade simples, a obra se adapta perfeitamente a um dispositivo portátil — ou híbrido — como é o console da Nintendo. Dessa forma, o Switch é uma ótima forma de revisitar ou ser apresentado à trama do Batter sem dores de cabeça com performance (ou crashes e bugs indesejáveis no processo).
A versão definitiva de uma jornada excêntrica, instigante e inspiradora
Por seu impacto de longa data na comunidade indie, OFF há bastante tempo merecia uma versão definitiva, e este relançamento da Fangamer é cuidadoso e respeitoso o bastante para prover justamente isso, entregando uma adaptação certamente indicada para quem não tem medo de se aventurar em RPGs excêntricos que flertam com o horror e o surreal.
No fim, embora alguns aspectos desta remasterização possam ser divisivos (como a completa ausência da trilha sonora original e de uma localização para PT-BR), não há como negar que, atualmente, esta é sim a melhor forma de conhecer (ou revisitar) a criação de Mortis Ghost em 2025 — e a biblioteca do Switch agradece por mais um título indie de peso em seu já riquíssimo catálogo. Agora, com licença: é hora de embarcar novamente em uma missão sagrada.
Prós
- A narrativa com flertes frequentes com o horror e o surrealismo continua tão instigante e relevante quanto na época do lançamento original;
- A nova trilha sonora, com participação de nomes como Toby Fox e Morusque, consegue se sair bem sem necessariamente copiar a primigênia;
- As adições pontuais, mas bem-vindas desta remasterização, como os menus redesenhados, molduras estilizadas e novos chefes, mostram o cuidado dos responsáveis para com este lançamento;
- Tecnicamente impecável no Switch;
- No mar de relançamentos e traduções que abundam na internet desde 2008, consegue prover a edição definitiva de um dos títulos mais singulares e influentes da cena indie de RPGs.
Contras
- A completa ausência da trilha sonora original é notável, principalmente por seu impacto na experiência;
- Os puzzles mais obtusos poderiam ter sido redesenhados ou até mesmo excluídos;
- Infelizmente, a falta de localização em PT-BR compromete a recomendação para o público brasileiro que não domina outro idioma, tendo em vista a importância do acompanhamento da narrativa para o aproveitamento e conclusão do título.
OFF — PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Fangamer









