Mirando as estrelas
Falar da série Super Mario Galaxy é, de certa forma, falar da mudança de estratégia da Nintendo que revolucionou a indústria de games e permitiu que a empresa japonesa expandisse seu mercado. Isso porque, após o fracasso do GameCube frente ao PlayStation 2 e ao Xbox, ficou claro que competir diretamente com a Sony e a Microsoft em uma incansável corrida por poderio gráfico não daria certo para a Big N.
Em vez disso, o visionário e saudoso presidente Satoru Iwata decidiu focar em novas experiências, capitaneadas por novas formas de jogar e títulos acessíveis a um público que não necessariamente se declarava “gamer”. O passo inicial foi dado em 2004, com o Nintendo DS e a sua inovadora tela de toque, que deu vida extra a títulos como Brain Age, Nintendogs e Tetris DS.
O sucesso do portátil de duas telas mostrou que a intuição de Iwata estava certa, então era hora do passo a mais rumo ao “Oceano Azul”: de codinome “Revolution”, o Wii apostava todas as fichas em uma nova e ousada proposta: ser um console de mesa acessível a todos. A missão começava pelo seu controle — o Wiimote —, que lembrava um controle remoto qualquer, desconstruindo qualquer barreira psicológica presente em quem não tinha o hábito de jogar.
Mas, mesmo com o formato mais simples, a tecnologia de “nova geração” ainda se fazia presente ali, com inovações como giroscópio, acelerômetro e o sensor infravermelho que viabilizavam experiências inovadoras e cativantes como Wii Sports. Com um sucesso inicial sem precedentes, a regra era simples: mais exclusivos de qualidade se faziam necessários para manter o console “na boca do povo” — e assim Super Mario Galaxy surgiu, após um pedido pessoal de Iwata para que Shigeru Miyamoto fizesse o que só ele poderia fazer: desenvolver um título do bigodudo que fizesse justiça ao potencial inato do Wii.
Duas aventuras de proporções e qualidades galácticas
Sim, após o relativamente complexo Super Mario Sunshine, o objetivo da equipe de desenvolvimento foi criar um Mario 3D que até iniciantes conseguissem jogar com facilidade. Para isso, Yoshiaki Koizumi, com o aval de Miyamoto, limitou intencionalmente o número de ações principais disponíveis para o encanador em Super Mario Galaxy: Mario correria, saltaria com o botão A e giraria ao balanço do Wiimote.
Com as mecânicas fundamentais definidas, era a hora de desenhar os estágios. Baseada na infame demo “Super Mario 128” de alguns anos atrás, veio a experimentação com plataformas esféricas (que lembravam planetoides)… e a decisão final de levar Mario para nada menos do que o espaço sideral, naquela que seria a sua maior aventura até então.
E talvez seja esse caráter de “aventura épica” que explique por que Mario Galaxy, juntamente com sua sequência, é tão bom: da trilha sonora — pela primeira vez orquestrada em um jogo do encanador — à ambição desmedida de Bowser, que deixava de lado suas pretensões com o Reino do Cogumelo para construir uma galáxia em que fosse o centro ao lado de Peach, tudo em Galaxy transmite, até hoje, uma grandiosidade raramente vista nas entradas da franquia.
E, claro, tudo isso foi posto em prática pela criatividade do Nintendo EAD Tokyo em sua melhor forma. Do início ao fim, Mario Galaxy traça como meta surpreender os jogadores com sua inventividade (uma característica também vista em Super Mario Odyssey). O resultado é um dos melhores jogos de plataforma 3D já feitos até hoje, graças ao elenco carismático — vale lembrar que foi aqui que personagens como Rosalina e Luma foram apresentadas — e ao bom emprego de mecânicas relacionadas à temática, como a gravidade e a exploração de planetas e estrelas.
E tudo aquilo que Galaxy apresentou em 2007, pode-se dizer que Galaxy 2 aperfeiçoou em 2010, quase no apagar das luzes do Wii: com a fórmula do sucesso já estabelecida, a sequência sideral dobrou a aposta na criatividade nos desafios de plataforma, que agora aproveitariam a nostálgica presença de Yoshi, o fiel companheiro dinossauro que estreou em Super Mario World.
Completando o pacote, assim como Mario, Yoshi também contava com seus próprios power-ups galácticos, como o dash e a possibilidade de iluminar o caminho a seguir, revelando plataformas invisíveis. Aliás, aí está outro motivo pelo qual ambos os Galaxies são celebrados até hoje: neles residem algumas das melhores e mais criativas transformações de toda a franquia, como o Mario Abelha, o Mario Nuvem e o Mario Pedra. Até mesmo os itens mais simples aos quais o bigodudo tem acesso, como uma furadeira para escavar em Galaxy 2, são divertidos de descobrir e usar.
O encontro do passado com o futuro
Dito tudo isso, acredito que fica bem clara a importância deste relançamento nas plataformas atuais da Nintendo. A bem da verdade, não é a primeira vez que Super Mario Galaxy dá as caras no Switch: a aventura se fez presente na coletânea 3D All-Stars ao lado de 64 e Sunshine, mas seu lançamento limitadíssimo (e a incompreensível exclusão do segundo Galaxy) dificultou o acesso a games que marcaram época e que com certeza mereciam uma distribuição mais ampla.
Com as presentes remasterizações, esse “deslize” da Nintendo é parcialmente consertado: donos de um Switch ou de um Switch 2 finalmente podem jogar ou rejogar dois clássicos atemporais, que marcaram muito positivamente tanto a história da empresa japonesa quanto a de seu principal mascote. E até mesmo para quem já adquiriu a coletânea 3D All-Stars anteriormente, como eu, há motivos para investir novamente neste lançamento.
O primeiro e mais abrangente é, sem dúvidas, a atualização gráfica: tanto o primeiro jogo quanto o segundo passaram por um trabalho de remasterização. Ou seja, aqui temos texturas melhoradas, menus e controles redesenhados para acomodar a ausência do Wii Remote (os sensores de movimento do Joy-Con ou do Pro Controller assumem a função de guiar o ponteiro e ativar o spin) e maior resolução de renderização (1080p no Switch e 4K no Switch 2; ambos a 60 quadros por segundo).
Os updates gráficos são notáveis — lembremos que ambos os games funcionam no máximo a 480p no Wii — e ajudam a tornar esta a forma definitiva de jogar os clássicos na atualidade, mas as melhorias não param por aí. Assim como em Donkey Kong Country Returns HD (outro relançamento recente da época do Wii), a Nintendo incluiu um novo “Modo Ajuda”, que permite aos jogadores ganharem mais vidas, recuperarem-se automaticamente de quedas e mais algumas vantagens.
A novidade é bem-vinda, pois garante que mesmo os jogadores mais novos não terão dificuldades para completar a aventura — um ajuste necessário, na minha opinião, tendo em vista que ambos os Galaxies são jogos bem mais difíceis do que os recentes Odyssey e Wonder. E já que a utilização do Modo Ajuda é opcional, a experiência original permanece intacta para quem quer reviver os desafios como eles eram lá em 2007 e 2010.
Por fim, também há uma pequena dose de novo conteúdo, na forma de novas páginas para o livro de histórias da Rosalina. E, em um aceno muito importante para o nosso público, as duas aventuras foram localizadas pela primeira vez para português brasileiro. Como visto nas últimas obras em PT-BR assinadas pela Big N, a tradução é de altíssimo nível, o que reforça o crescente cuidado da empresa com os seus fãs tupiniquins.
Uma coletânea praticamente perfeita
Considerando que os dois jogos podem ser adquiridos separadamente ou em um único pacote com desconto, jogável no Switch e no Switch 2 (a principal diferença é a resolução melhorada, além do suporte ao mouse mode para controlar o ponteiro no segundo console), eu diria que Super Mario Galaxy + Super Mario Galaxy 2 é um relançamento quase perfeito. Eu digo “quase” porque acredito que a remasterização gráfica, apesar de notável, poderia ter ido um pouquinho mais além — alguns elementos visuais, como as sombras simplórias e as cutscenes dos games, poderiam ter sido completamente redesenhados, aproveitando o hardware mais avançado à disposição.
Algumas novidades menores, como o suporte aos amiibo, também ficam aquém das expectativas: escaneei duas figuras do Mario que possuo aqui (no caso, as variantes do trigésimo aniversário e a estatueta de Smash Bros.) e tudo que elas forneceram foram estrelitas. Comparando com outros títulos da Nintendo — como Breath of the Wild, que fornece baús e itens de acordo com o personagem escaneado — a implementação NFC se sai meio pobre: já que o recurso foi inserido do zero e novos amiibos estão a caminho, o que custava trazer mimos diferentes ou até novas roupas para Mario, à la Odyssey?
No mais, embora os novos controles se saiam bem tanto no modo TV quanto no modo portátil (é inclusive possível usar a tela de toque no segundo caso para coletar as estrelitas), a câmera dos games ainda pode se provar um pouco problemática às vezes. Porém, essa é uma característica que já se fazia presente nos jogos originais e que acaba sendo um pouco inerente a um título de plataforma 3D que decide brincar com esferas e gravidade em suas principais mecânicas.
De todo modo, nenhum desses pontos chega a atrapalhar ou comprometer a experiência de fato, então são só pequenos alertas que, espero, sejam levados em conta para um hipotético (talvez provável?) Super Mario Galaxy 3. Afinal, com um novo filme aproveitando a temática a caminho, é de se pensar que a Nintendo queira aproveitar o hype em torno da série, não é mesmo? Como dizem, sonhar não custa nada…
Duas aventuras de outro mundo, finalmente de volta
Graças a uma criteriosa remasterização, Super Mario Galaxy + Super Mario Galaxy 2 dá início à festa de 40 anos do encanador mais famoso do mundo com uma imperdível celebração, digna do legado de dois dos melhores jogos de plataforma 3D da história. Rompendo com as amarras a hardwares há muito descontinuados, esta é a chance perfeita para conhecer (ou revisitar) aventuras de proporções galácticas, que representam o melhor que a Nintendo e os seus videogames têm a oferecer: pura, genuína e incontestável diversão. Nós nos vemos no espaço, então!
Prós
- Resgata com maestria dois dos melhores e mais inventivos jogos de plataforma 3D da história, em um relançamento há muito aguardado e desejado pelos fãs;
- Graças ao salto na resolução, texturas melhoradas e performance impecável, sagra-se como a forma definitiva de jogar os dois clássicos na atualidade;
- A localização em PT-BR segue o elevado padrão de qualidade das recentes obras da Nintendo e mostra cuidado e carinho para com o público brasileiro;
- Por fim, as novidades como o Modo Ajuda e os capítulos extras no livro de histórias encorpam o pacote, acomodando a experiência tanto para os fãs novatos quanto para os veteranos.
Contras
- Assim como nos lançamentos originais, a câmera pode ser um pouco traiçoeira de controlar, causando frustrações ocasionais;
- Considerando a idade e a qualidade dos dois games, e também o hardware à disposição, o upgrade gráfico poderia ser um pouco mais robusto.
Super Mario Galaxy + Super Mario Galaxy 2 — Switch — Nota: 9.5
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Nintendo











