Discussão: 01net, a onda de rumores atinge a Nintendo

Os últimos dias foram marcados pela liberação de vários rumores que, caso sejam verdadeiros, colocam a Nintendo em maus lençóis, ao expor diversas dificuldades que a empresa vem enfrentando. Mas por que causaram tanta polêmica, de onde vieram, e, mais importante, o que há por trás dessas “revelações”?

 

 

 

Nintendo, por trás dos bastidores

Os rumores que abalaram a já não tão tranquila fase da Nintendo tiveram sua origem em basicamente um único lugar: o site francês 01net., famoso por divulgar rumores, inclusive acertando informações sobre o PS Vita e o Wii U antes de seus anúncios. No dia 22 de agosto, o site lançou o primeiro de uma séria de cinco artigos diários, que revelariam informações “secretas” sobre a Nintendo, obtidas através de um contato que trabalharia na companhia e estaria frustrado e cansado de certas atitudes tomadas. Os textos abordam diversos temas interessantes, e podem ser lidos aqui (francês ou inglês).

Talvez há alguns anos esses comentários não teriam tanto efeito, mas a situação atual da empresa abriu margens para muitas especulações. O 3DS não vendeu tanto quanto o esperado, o sucesso do Wii U é incerto, a concorrência está se movimentando, as ações caíram, o Wii foi abandonado a própria sorte e alguns dos melhores jogos dessa geração simplesmente não serão lançados na América.

A Big N, saindo diretamente de uma fase incrivelmente bem sucedida, conseguiu ficar envolta em incertezas. Para “apimentar” um pouco as coisas, descobriu-se que a companhia terá um evento próprio, paralelo à Tokyo Game Show (da qual não participa), dia 13 de setembro, chamado apenas de “Nintendo Conference”, quando espera-se algumas revelações interessantes, em especial o anúncio de jogos, mas nada está confirmado. Mas vamos dar uma olhada no motivo de tanto alarde.

O novo 3DS vem aí

• O rumor:

Esse talvez tenha sido o que causou mais barulho. O sucessor do 3DS estaria sendo aprontado para 2012, trazendo mudanças no visual, um segundo analógico, e inclusive teria outro nome e não seria tão focado no efeito tridimensional. Donos do aparelho atual poderiam atualizar seus portáteis com um futuro acessório de 10 dólares que seria acoplado e adicionaria um analógico extra. Isso teria causado frustração entre as empresas que estão desenvolvendo atualmente para o 3DS, ainda mais devido a dificuldade em se obter kits de desenvolvimento. Para completar, o analista Jesse Divnich comentou que o tal analógico serviria para facilitar a adaptação de jogos multiplataforma, em especial com os títulos de PS Vita.

Uma possibilidade que muita gente deu credibilidade por causa das baixas vendas do 3DS. É verdade, o novo videogame não chegou nem perto de repetir o sucesso do DS, embora os cortes nos preços tenham alavancado as vendas no Japão (nos EUA é outra história...). Por esse motivo, a Nintendo se viu obrigada a desenvolver na pressa um substituto, e até mesmo o preço menor serviria para acabar de uma vez com os estoques atuais.

Mas calma lá, o 3DS, apesar da irônica semelhança, não é nenhum Virtual Boy como estão espalhando por aí. Na época pós lançamento de sua primeira tentativa de construir um portátil 3D, realmente a empresa foi obrigada a abortar o projeto. Mas a situação era diferente: era horrível jogar no Virtual Boy, o console não estava vendendo nada e não existiam jogos a serem lançados. O 3DS, embora não esteja confortável, está bem longe do fracasso do seu antepassado.

E é exatamente nesse ponto que o rumor soa muito estranho. Tudo bem a Nintendo lançar um “3DS Lite” mais para frente, corrigindo os erros do anterior. Isso é mais que esperado. Mas lançar um novo portátil tão abruptamente? E os consumidores atuais (que não são tão poucos)? E todos os projetos? A Nintendo ficaria muito mal com todas as desenvolvedoras com jogos anunciados, afinal quem quer investir num produto que logo será descontinuado? A própria empresa tem uma lista significativa de lançamentos, não faz muito sentido imaginar todo esse trabalho desperdiçado.

Isso baseado nos rumores, é claro, que dão a entender que o novo portátil não teria do 3DS nem o nome. Sim, eu disse que a Nintendo precisava criar uma identidade nova para diferenciar o aparelho do DS e as pessoas perceberem que não é apenas um DS com 3D. Lançar um portátil novo agora, contudo, seria imprudente e perigoso. E o analógico que se encaixaria no modelo atual para torná-lo compatível soa bizarro. Como uma desenvolvedora faria um jogo sem saber se o jogador dispõe de dois analógicos ou não? E alguém consegue imaginar um bom resultado de um acessório desses, que por enquanto mais parece uma gambiarra?

A Nintendo deve sim estar preparando o sucessor do 3DS, corrigindo os problemas e fazendo as mudanças necessárias para destacá-lo. Esperar algo muito diferente do atual para logo, entretanto, não parece ser uma boa aposta. O momento exige observação e investimento no que já se tem, não criar planos mirabolantes. Para esse aparelho do rumor fazer sucesso, teria que ser algo realmente incrível, e mesmo assim custaria caro nas relações com parceiras e com o público mais fiel.

O Wii U possui problemas de hardware

• O rumor:

As produtoras estariam com diversas dificuldades para criar jogos para o Wii U. A causa seria o chipset do novo controle, que fontes teriam afirmado ser meio “vagabundo”, impedindo o funcionamento das funções wireless. Três protótipos já foram feitos, e um quarto está a caminho. As desenvolvedoras estão perdidas, tendo que usar o controle conectado o tempo todo (e mesmo assim não funcionando direito). Sem poder testar as funcionalidades, os projetos estão parados, apenas 10 meses antes do lançamento planejado. Adicionado a isto, corre a informação de que o novo Xbox será apresentado na E3 2012, fazendo frente ao novo console da Nintendo.

Esse é um rumor estranho e que pegou a todos desprevenidos, pois não está apenas divulgando uma informação, mas contradizendo tudo que já foi dito anteriormente sobre o Wii U. Oras, as empresas vinham elogiando bastante o hardware do aparelho, em especial a Vigil e seu Darksiders II, que afirmou ter obtido ótimos resultados. A Ubisoft também parece não ter tido muitos impedimentos, dado o estado avançado de Killer Freaks from Outerspace. Tudo bem que os estúdios não iriam comentar esse tipo de problema, mas será que falariam bem do produto se nem ao menos conseguissem trabalhar nele?

Mais ainda, se a questão é tão grave a ponto de impedir as funções wireless e o controle não atua bem nem quando está conectado por cabo, como ele estava funcionando perfeitamente na E3 2011 para todos que quisessem testá-lo? De fato, na feira, o controle estava ligado ao console, mas segundo quem testou funcionava muito bem. Claro, nada impede que essas complicações existam, e, nesse caso, o maior problema seriam os atrasos, pois lançar algo que descaradamente não funciona seria o cúmulo. Como ainda são protótipos, contudo, não dá para se afirmar nada. Pessoalmente, fiquei desconfiado sobre esse rumor, mas se realmente for verdade tem potencial para muitas dores de cabeça. Os erros do passado não ensinam a usar material de qualidade?

Mas ainda acredito que o maior problema do Wii U não é a qualidade de seus componentes, e sim sua estratégia. Enquanto existirem pessoas que pensam que o novo console é apenas um acessório do Wii atual, ele estará fadado ao fracasso. A Nintendo tem o próximo ano para mostrar que o seu novo produto é de fato, bem, novo, e vale a pena ser comprado, coisa que ela não conseguiu fazer com o 3DS, pelo menos por enquanto. O novo modelo de Wii que sairá na Europa (aquele que não fica em pé nem roda jogos de GameCube) está vindo para causar mais confusão ainda, pois haverá quem confundirá ele com o Wii U. Algumas declarações liberadas pela Nintendo (leia aqui) mostram que ela ainda pode acertar, mas essa questão da identidade precisa ser resolvida antes.

Até mais e obrigado pelos Wiis

• O rumor:

O presidente da Nintendo, Satoru Iwata, está com o seu cargo ameaçado. Assumir a responsabilidade pelas vendas do 3DS e reduzir o próprio salário não teria sido suficiente para melhorar sua posição, e os funcionários, que têm apreço pelo presidente, estão preocupados.

Certamente uma redução de 80% da previsão de faturamento de uma empresa deixa qualquer presidente em uma situação desconfortável, e Iwata deve estar tendo que se explicar muito com os acionistas e a família Yamauchi. Presidentes de grandes companhias não são como técnicos de futebol, contudo, para serem trocados no primeiro escorregão. Iwata foi um dos grandes responsáveis pela retomada da Nintendo em uma época em que o PlayStation havia tornado-se sinônimo de consoles de mesa, e trouxe à vida os extremamente bem sucedidos DS e Wii. Considerando isso, ele deve ter créditos pelo menos até após o lançamento do Wii U, isso se a Nintendo não aprontar alguma até lá.

De quem é esse jogo?

• O rumor:

A Nintendo sempre conseguiu atrair os melhores designers de games, e tinha o prestígio necessário para pagar a criadores e estúdios por novas ideias e projetos, e foi daí que muitos jogos da empresa saíram. Pikmin foi totalmente baseado numa ideia de um RTS (jogo de estratégia em tempo real) já proposto por um designer, ao contrário da história “oficial”, na qual Miyamoto teve a ideia para o game quando criança, enquanto brincava no jardim.

 

Super Mario Galaxy teve história parecida, pois após três protótipos desaprovados para o jogo Mario 128, resolveram pegar um protótipo comprado anos antes, adicionar a turma do Reino do Cogumelo e, voilà, Mario no espaço. Mais ainda, essa estratégia é utilizada pela Nintendo há anos, e a empresa possui um verdadeiro tesouro em forma de ideias e protótipos, mas que não está sendo devidamente aproveitado para a criação de novas franquias e para dar visibilidade aos seus criadores mais jovens.

Isso está mais para uma constatação do que um rumor. A Nintendo usar protótipos de outros jogos para criar os seus não é novidade nenhuma, basta lembrar-nos do caso mais emblemático, a versão norte-americana de Super Mario Bros. 2, que na verdade era o jogo Doki Doki Panic (SNES, no Japão em 1987) repaginado. Talvez tenha gerado um pouco de polêmica o modo como foi comentado, a Nintendo não plagiou ou roubou ninguém, apenas usou ideias de outras desenvolvedoras que ela havia adquirido nos seus próprios produtos, uma prática comum nesse ramo.

O outro ponto que incomodou alguns fãs pode ter sido o fato do rumor implicar que aquelas histórias contadas pelo Miyamoto sobre como ele tinha ideias para os games era apenas marketing. E em grande parte é mesmo, criar um jogo é bem mais complicado, ou vocês acham que para criar Nintendogs basta brincar com um cachorro? Embora Miyamoto seja o mais famoso, e exerce um certo domínio sobre as marcas da companhia, a Nintendo conta com muitas outras mentes talentosas, e que pelo visto não estão recebendo as oportunidades e reconhecimento que merecem.

Isso tudo não significa, é claro, que o Shigy não seja muito importante também, ou que não exista um fundo de verdade em suas histórias. Ao se criar um universo, buscamos referências e inspiração em muitos lugares, então pegar alguma aventura de quando se era criança ou algum hobby para fazer parte de um game é algo totalmente plausível, muitos designers devem ter atitudes semelhantes.

O ponto interessante mesmo do rumor é esse suposto “tesouro” que a Nintendo tem guardado. Ninguém duvida do sucesso das franquias principais da Big N ou quer que elas deixem de ser atualizadas, mas o potencial que a criação de novos projetos tem é impressionante. Se a Nintendo investisse no que a consagrou, e mais ainda em material inédito, poderia tornar-se muito mais do que já é. Ela aparentemente tem o necessário para isso.

Jogos que agregam valor a todo o segmento aparecem em diversos lugares e momentos. Só para citar um exemplo, o game Portal, da Valve, que foi lançado como extra no pacote Orange Box junto a outros jogos da empresa e hoje recebeu uma continuação e é aclamado pelo público e pela crítica. Ou ainda os indie games, que estão se tornando cada vez mais populares, em parte por não terem medo de arriscar em ideias originais. Não que a Nintendo não seja criativa ou inovadora, ela é, e muito, mas aí que está o ponto, porque ela não cria mais conteúdo?

Essa questão de criar novos produtos é realmente algo a se refletir. Verdade que nessa geração a Nintendo trouxe toda a franquia Wii, com Wii Sports, Wii Fit, Wii Play, Miis, etc. E deu muito certo. Agora imaginem se a empresa mantivesse todos esses seus sucessos anteriores, mas tivesse uma política de renovação de seu catálogo constante? Os resultados poderiam ser incríveis, e só podemos nos perguntar porque desperdiçar todo esse potencial guardado.

Estaria a Nintendo “presa” a si mesma, capaz de criar inovações incríveis, mas ainda assim paralisada? Um “colossus com pés de argila”, como disse a fonte dos rumores? Uma nova geração é uma nova oportunidade e um convite a mudanças, e vamos esperar que nesse caso, elas sejam para melhor na Nintendo.