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Analógico: The Legend of Zelda e a importância dos jogos First Party nos consoles Nintendo

O lançamento dos consoles da Nintendo normalmente vem acompanhado do lançamento de grandes jogos first-party arrasa-quarteirões, ou pelo me... (por Lucas Palma Mistrello em 30/03/2013, via Nintendo Blast)

O lançamento dos consoles da Nintendo normalmente vem acompanhado do lançamento de grandes jogos first-party arrasa-quarteirões, ou pelo menos, com o desenvolvimento deles no horizonte. Rompendo com a tradição, a Line-Up do Wii U foi focada quase que exclusivamente nos títulos thirds e multiplataformas. Embora a qualidade dos jogos disponibilizados seja alta, essa decisão pode estar se refletindo nas baixas vendas dos consoles nos últimos meses. Qual é o segredo, então, dos jogos first party da Nintendo? E por que seus consoles dependem tanto deles assim? Descubra a seguir com exemplos de alguns jogos da série The Legend of Zelda.

A fama de que os consoles da Nintendo são festas fechadas, apenas para convidados especiais já vem de longa data. De fato, os títulos first party são sempre os grandes sucessos de seus consoles, são os arrasa-quarteirões, e levam os aparelhos nas costas - de acordo com as línguas mais afiadas do setor. Mas por quê? Por que são tão importantes, e fazem essa diferença tão grande no sucesso da empresa centenária? Devido à fã-base? Aos nitendistas? Também, claro, mas não apenas isso.

O exército da Nintendo pronto para lutar pelo Wii U!
Por ser a desenvolvedora tanto do console como de seus jogos, a Nintendo tem a capacidade privilegiada de criar jogos que saibam explorar mais o que seus aparelhos têm de melhor a oferecer. Recentemente, Miyamoto disse que o passo inicial da criação de jogos na empresa é a jogabilidade a ser criada nele, e aí depois que os desenvolvedores a encaixam em uma determinada série onde o gameplay seria melhor explorado.

É uma situação parecida com a relação entre os jogos e os consoles. Os jogos first party da Nintendo são os títulos chamarizes de seus aparelhos, isto pois são os jogos pensados e focados justamente nas possibilidades e características que aquele console em específico tem a oferecer aos desenvolvedores.

Para entender melhor o que quero dizer, acompanhe a seguir quatro exemplos da segunda principal série da Nintendo, The Legend of Zelda, desempenhando este papel.

The Legend of Zelda (NES/1986)

O primeiro título da série, lançado no início de 1986, também marcou um dos capítulos desta importância dos jogos First Party, e de The Legend of Zelda, na história dos consoles da Nintendo. Embora trate-se de um jogo para o NES/Famicom, a primeira aventura de Link foi um título de lançamento para o Famicom Disk System, o leitor de disquetes, um dos periféricos do Nintendinho japonês.

Para os jogadores, a principal mudança dos jogos lançados em disquete para o FDS (Famicom Disk System) em relação aos jogos disponibilizados nos cartuchos ROM convencionais era a possibilidade de alteração dos dados lá gravados. Ou seja, a possibilidade de salvar o progresso nos jogos e opções de customização da jogabilidade. Numa época dominada por side-scrolling linear, era uma inovação e tanto.

Eventualmente as novas capacidades apresentadas pelos disquetes do FDS foram rapidamente superadas ou assimiladas aos cartuchos ROM, com o desenvolvimento da memória interna por bateria. Mas as possibilidades apresentaram durante o desenvolvimento do novo sistema de leitura.


Inicialmente a Nintendo começou trabalhando um sistema em que era possível os jogadores criarem dugeons e então as compartilhar com outros jogadores, através dos disquetes do FDS. Infelizmente, esta idéia acabou abandonada, mas a não linearidade por meio da exploração dos ambientes permaneceu no jogo e se tornou a característica marcante da série, e, claro, tornou-se marco da história dos videogames, com uma influência gigantesca.

The Legend of Zelda: Ocarina of Time (N64/1998)

Nos primeiros anos do Nintendo 64 pipocaram jogos em ambientes 3D. Ou melhor, possuir ambientes tridimensionais era quase uma regra obrigatória para os jogos daquele tão emblemático console. O que, especialmente em seu começo, não necessariamente era uma boa característica. Super Mario 64 apresentou de forma excelente as possibilidades desta nova forma de jogabilidade, mas o grande desafio da época (e que persiste até hoje em vários jogos menos inspirados) era domar a câmera na perspectiva de terceira pessoa.

Super Mario 64 resolveu este problema com um controle sobre Lakitu e sua filmadora, mas era uma alternativa que não seria capaz de ser aplicada em todos os jogos, especialmente com mecânicas mais complexas (com utilização de itens, acessórios, armas e etc). A dificuldade ocorria para enfrentar os desafios das fases, mas, principalmente, nos combates. Nos primeiros jogos desse estilo a coisa mais comum de acontecer era perder o inimigo da linha de ação, mesmo com ele ao seu lado, pois normalmente a câmera se movimentava junto com o personagem. E como resolver essas questões?

As respostas começaram a nascer com o tempo, dentre elas, a possibilidade de se travar a câmera em determinado inimigo. Um dos primeiros jogos a apresentar essa característica foi Mega Man Legends, lançado para o Playstation em 1997 (portado como Mega Man 64 em 2000). Nele o jogador era capaz de paralisar a câmera em uma determinada posição e movimentar apenas o personagem. Ainda assim, a dificuldade persistia em alguns momentos, e os próprios combates do jogo eram pouco inspirados as vezes (muitos se resumiam a correr em círculos em volta do inimigo e atirar).

Eis que tivemos com Ocarina of Time o advento de uma mecânica de batalha tridimensional que influenciou todos os jogos do gênero que se seguiram: a Z-Target. Com ela, como estamos cansados de saber, é possível travar a câmera em um alvo (inimigo, objeto ou NPC) para batalhar, conversar ou usar algum item. Essa ferramenta possibilitou a criação de novos e fantásticos puzzles nas dungeons, mecânicas diferenciadas para cada item ou acessório, além de combates diversificados com os chefes (mesclando ação, puzzles e utilização de itens). De uma forma como nunca havíamos visto antes em ambientes 3D.


A contribuição da Z-Target em um jogo tão fabuloso como foi em Ocarina of Time foi de influência incomensurável. Melhorou muito a utilização das câmeras pelos jogos do Nintendo 64 e dos jogos em ambientes tridimensionais em geral. Vários desenvolvedores já revelaram sua inspiração no sistema de batalha de Hyrule, como, por exemplo, para a série Resident Evil e God of War.

The Legend of Zelda: Phantom Hourglass (DS/2007)

Embora tenha seus defeitos, especialmente no que tange a trilha sonora repetitiva, Phantom Hourglass foi uma pequena obra prima quanto à utilização das duas telas e da tela de toque do Nintendo DS. E não me refiro aos controles do Link em si. Isso por si só não é capaz de explorar o potencial e mostrar do que o console portátil é capaz, que recentemente se transformou no aparelho mais popular da história dos vídeo games. A questão não se resume aos controles, mas também à jogabilidade.

Vários jogos tentaram controles baseados na tela de toque e na Stylus, mas alguns apenas transferiram os comandos habituais dos analógicos e D-Pads para a tela, como caso do bom Star Fox: Command, por exemplo. Nada muito inovador nesse sentido foi adicionado. Embora os mapas abertos - não em estilo rail-shooter - exigissem mais de controles da Touch Screen, ao mesmo tempo eles faziam com que sua própria mão atrapalhasse a visualização do radar em certos momentos. E a visualização do radar, que por sua vez, se transformou em constante e obrigatória nos mapas abertos. Uma verdadeira "faca de dois legumes" como já diria o velho ditado.

Já nossa louvada e amada série criou um jogo capaz de extrair o máximo das possibilidades do DS. Os puzzles eventuais envolvendo as cartas náuticas foram particularmente fantásticos, especialmente os de colar um mapa no outro ao fechar o console e o de assoprar no microfone para limpar a poeira. 

As anotações nos mapas também foram bem exigidas ao longo do jogo, não era apenas um "luxo" da tela de  toque. E não digo isto tão somente me referindo aos símbolos dos ciclones, ou nos momentos em que claramente o jogo pede que se marque algo no mapa - o que também é importante - mas os próprios puzzles induzem você a fazer os riscos necessários. No caso os labirintos e ordens de ativação de interruptores mais obviamente, mas como também do Templo do Rei Oceano, os Phantoms fazem a patrulha para que você marque no mapa a área em que eles caminham.

E falando no Templo do Rei Oceano, por que neste jogo foi introduzido o conceito desta dungeon principal, que deve ser visitada várias e várias vezes? É um conceito muito interessante (e muito irritante as vezes), mas por que ele aparece aqui justo em Phantom Houglass? Talvez já havia sido pensado antes, mas ele veio aqui justamente para que o jogador, ao perceber que visitaria o local diversas vezes, preparar suas anotações no mapa para as visitas futuras.

E além das anotações, foi um dos jogos do DS a realmente utilizar o potencial das duas telas durante a jogabilidade em si. Todas as batalhas dos chefes trabalham com elas duas, algumas mais profundamente e outras menos. Em algumas a tela superior é apenas a extensão da inferior, como contra o Dragão de Duas Cabeças Gleeok, mas em outras, como o Mestre dos Ventos Cyclok, a ação ocorre nas duas telas ao mesmo tempo. É preciso preparar os ataques de acordo com os ciclones expelidos pelos buracos na tela inferior, como é preciso ficar atento às expressões do chefe na tela superior para defender-se.

Na tela superior, a visão do monstro,
na inferior a sua visão controlando Link.
Muito embora, as duas telas brilhem mesmo na batalha contra A Ruína da Coragem Crayke, onde uma das telas mostra a visão da criatura invisível enquanto você controla Link na outra. Foi o melhor uso das duas telas que eu vi para o DS. São todos exemplos de como Phantom Hourglass conseguiu extrair - a partir do desenvolvimento de uma jogabilidade focada exclusivamente no potencial do console - o máximo do que o portátil tinha a oferecer. Surgindo assim, novas possibilidades para todos os jogos do DS e do 3DS explorarem posteriormente.

The Legend of Zelda: Skyward Sword (Wii/2011)

Sem a menor sombra de dúvidas, para os objetivos deste artigo, Skyward Sword é a maior obra-prima dos vídeo games por movimento - é tudo que um jogo do Kinect gostaria de ser. Dificilmente nos próximos anos algum jogo conseguirá superá-lo, ultrapassar o grau de refino de seus controles e sua jogabilidade, este é o jogo para qual o Nintendo Wii foi pensado.

Novamente, não apenas pelos controles - que são exigidas movimentações até mesmo para a navegação pelos menus - mas pela jogabilidade. Os puzzles, dugeons e inimigos foram desenhados para exigir precisão e calma no momento de desferir os movimentos corretos para serem solucionados, mesmo nas tarefas mais simples como derrotar Deku Babas e Beamos, ou nas mais mais complicadas, como nas batalhas contra os chefes. Assim como também houve a preocupação com a forma como se utiliza os itens, a diferença entre jogar e rolar uma bomba, ou o sentido em que se lançava o chicote, tudo exigido de acordo com os puzzles.


Uma característica que provavelmente vários jogadores se perguntaram era quanto à utilidade da stamina/fadiga no jogo, era algo que nunca deu as caras em Zelda, e por que daria? Fadiga normalmente é utilizada em jogos de ação/aventura/esportes, onde o foco é realmente na movimentação dos personagens, mas em Zelda, o foco é na resolução dos puzzles. A impressão que fica é de que foi um "capricho" dos desenvolvedores. Por que tivemos isso em Skyward Sword?

Justamente devido aos controles de movimento! Para ajudar na imersão, o objetivo dos jogos de controles por movimento, os desenvolvedores colocaram a fadiga, pois com os controles do Wii, quando Link se cansa, você se cansa também. Assim como, ao mesmo tempo, para obrigar o jogador a sempre ter precisão e calma nos seus movimentos, fazer os cortes da Master Sword no sentido correto. Se você sair chacoalhando o controle em qualquer direção (como no port de Twilight Princess para Wii), fatalmente receberá danos ou se cansará (a você e ao Link).


Há outras execuções pontuais dos controles de movimento, como os encaixes das Boss Keys, ou o criticado toque da Harpa, excessivamente simplificado, que utilizam justamente das propriedades dos controles do Wii. Embora eu tenha minhas sérias ressalvas aos aspectos artísticos de Skyward Sword, como enredo e personagens pouco interessantes e visuais belíssimos mas muito pouco inspirados (nesses aspectos vários retrocessos em relação a Twilight Princess), é sem dúvida o melhor jogo do console. Caso ele tivesse sido lançado antes na vida do Wii, a história do console, da Nintendo e dos videogames em geral poderia ser levemente diferente.

Divisores de águas

Como apresentado, os jogos da série The Legend of Zelda tiveram a capacidade de sempre extrair o que os consoles da Nintendo tiveram de melhor a oferecer. E é por isso que os títulos First-Party são tão importantes para a Big N, normalmente são eles que conseguem explorar as possibilidades que as jogabilidades inauguradas em cada geração oferecem.

Aliás, uma nova questão pode ser formulada. Por que a Nintendo normalmente é mais agressiva nas inovações em seus consoles que as demais empresas? Acho que a esse ponto conseguimos responder essa pergunta. É porque ela, como desenvolvedora também de jogos, tem os os títulos necessários para desenvolvê-las e fazê-las ter sucesso! (o que nem sempre dá certo, claro).

O que esperar de Zelda Wii U?

Quanto a cobrança no fato de que o Wii U não ter nenhum título First-Party desse gênero de peso já disponível ou em estágio avançado de desenvolvimento - exceto por NSMB U, que tem lá suas ressalvas de ser "novidade", e também pelo remake de Wind Waker, que não se enquadraria nas situações levantadas aqui por ser um remake - acontece em um duplo sentido. Inicialmente, claro, os jogos first alavancariam as vendas dos consoles e dos demais jogos pois, são exclusivos chegando, são os que fazem as balanças do mundo dos games penderem para um lado.

Mas por outro sentido, talvez principalmente este, eles que serão capazes de mostrar o que o Wii U é capaz, quais as possibilidades que o Game Pad tem a oferecer. (E ainda falta um Zelda original para 3DS) O que servirá também para os desenvolvedores da Nintendo, de second e third parties terem novos horizontes de criação de jogos para o console.

Revisão: Felipe Biavo

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


  1. É exatamente isso o que falta no WIi U. Super Mario Bros. U pode ser divertido do jeito que é, mas ele não chega nem perto de explorar tudo o que o console tem. Na verdade, quando foi anunciado e as funções do Gamepad foram mostradas, eu fiquei bem desapontado com o que um jogo do Mario oferecia. Rayman Legends oferece muito mais competência no quesito gameplay assimétrico e assistência com o uso do Gamepad (uma pena que foi atrasado por 7 meses por mera frescura).

    Espero que o anúncio de um novo Zelda alavanque as vendas do console, e que venham mais títulos first party logo. Com o Wii, nós aprendemos que não só de first party vive um console, e com o Wii U, que não só de third paries e ports faz-se sucesso.

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