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Mighty the Armadillo, o amigo casca-grossa do Sonic

Conheça mais sobre a história do tatu que quase protagonizou a série, mas acabou por mais de 20 anos jogado para escanteio.



Além de trazer o tradicional trio principal de Sonic 3 & Knuckles (Mega Drive) em sua melhor forma, Sonic Mania Plus (Switch) tratou de expandir a jogabilidade clássica da série resgatando dois figurões há muito tempo desaparecidos: Mighty the Armadillo e Ray the Flying Squirrel. Apesar de estrelar agora pela primeira vez em um game com as mecânicas originais da trilogia clássica, recebendo sprites e habilidades inéditas que o inserem diretamente na atmosfera de S3&K, o tatu casca-grossa tem um histórico bastante interessante, que remonta ao início dos anos 1990 e de toda a mitologia de Sonic.

Mighty quase foi a estrela da franquia, tomou o lugar de um clone do Sonic, já foi o precursor de uma tecnologia que não vingou, esteve presente anteriormente em um quase-jogo e, por fim, foi dado como desaparecido — antes de realizar seu retorno glorioso ao lado de seu companheiro de estreia, é claro. Conheçamos um pouco mais sobre a trajetória desse cara que, depois de muito correr pelas bordas, finalmente emplacou seu lugar de direito em um jogo principal da série.

O Proto-Sonic

As origens de Mighty remontam ao desenvolvimento do primeiro Sonic The Hedgehog (Mega Drive). Com o carismático visual de animais antropomorfizados que viria a caracterizar a franquia sendo estabelecido em um brainstorm coletivo da equipe criativa da Sonic Team liderada por Yuji Naka, alguns conceitos de personagens disputaram entre si o posto de protagonista no game, que era planejado para transformar para sempre a cara da Sega (e de fato o fez!).

Mighty nasceu do lápis de Manabu Kusunoki como sua proposta para protagonizar o game — e, por tabela, a série. Seu visual simplista era ideal para uma tradução eficiente para a pixel art, e a escolha do armadillo remontava às ideias de se adotar como mecânica central no jogo a transformação do personagem em uma bolinha, possibilitando os icônicos ataques e movimentação rolantes.

Entre o simpático tatuzinho e o grande estrelato, no entanto, surgiu um grande obstáculo: um certo ouriço azul. Com seu visual espinhoso e angular, Sonic remetia melhor do que Mighty à atitude “punk” visada pela Sega como resposta descolada ao bom-mocismo de Mario. Mighty até quis ser hardcore, mas seu papai Manabu não deixou, e a proposta acabou então cedendo lugar para o design vitorioso de Naoto Ohshima. Convenhamos que, por mais legais que sejam os tatus, os ouriços são claramente um upgrade no quesito estilo…

Felizmente para o personagem, seu design não foi esquecido e acabou sendo pescado da gaveta pouco tempo depois pela equipe Sega AM3, subdivisão da developer responsável pelos jogos para Arcade. Assim, o personagem acabou dando as caras em Segasonic the Hedgehog (Arcade), que chegou aos fliperamas japoneses em 1993. O game, cujo nome inusitado remonta a uma indefinição temporária a respeito dos direitos de uso do nome Sonic, trazia também a estreia do companheiro de Mighty em seu retorno triunfal em Mania, Ray.

Uma curiosidade interessante sobre esse resgate do personagem veio à tona apenas em 2016, com a descoberta de um título para Arcade produzido em 1992 porém nunca lançado. Segasonic Bros. era mais uma investida da Sega no ramo dos puzzles para fliperama, ao lado das séries Columns e Puyo Puyo. O jogo trazia o ouriço azul acompanhado de dois “irmãos” cuja paleta de cores pode parecer… sugestiva! 

O fato do trio ter sido esboçado para um título Arcade sob o banner Segasonic no mesmo ano de desenvolvimento de Segasonic the Hedgehog pode nos indicar que esses jamais vistos “Sonic vermelho” e “Sonic amarelo” foram, na verdade, transformados em Mighty e Ray, respectivamente, ao longo do desenvolvimento do título, provavelmente visando trazer mais variabilidade e apelo visual para a equipe. Como já foi confirmado por fontes confiáveis que Segasonic the Hedgehog foi o único sobrevivente de um conjunto de três projetos de Sonic para os fliperamas, não é difícil supor que a ideia inicial fosse uma trilogia de jogos estrelados pelos “Sonic Bros.”. Falta apenas o segundo jogo cancelado dar as caras para sabermos se era realmente o caso!

Correndo pelas bordas

Segasonic the Hedgehog trazia Sonic, Mighty e Ray em uma aventura de plataforma com perspectiva isométrica semelhante à que veríamos mais tarde em Sonic 3D Blast (Mega Drive). Contando com um trabalho de sprites belíssimo e cheio de detalhes, tratava-se de um game de curta extensão, com a típica “dificuldade Arcade” — o famoso devorador de fichas. Com uma mecânica de plataforma acelerada, as fases do jogo visavam mais a movimentação rápida do que a plataformagem propriamente dita.
As fases traziam poucos inimigos na tela, com os heróis frequentemente correndo em alta velocidade enquanto são perseguidos por ameaças ambientais como pedras gigantescas à la Indiana Jones, ondas de lava e chuvas de estalactites. O esquema de controle trazia uma tecnologia muito pouco usada desde então: ao invés de um joystick, o controle dos personagens era feito através de uma trackball (esfera sensível aos movimentos) e de um único botão de pulo.

A máquina possibilitava desde o jogo solo até o modo com três jogadores, sendo que as trackballs eram codificadas de acordo com as cores dos personagens, e ficavam dispostas em um painel que mais parece o console de uma TARDIS. Com todos os três personagens controlando de forma exatamente igual, a aparição inicial fez Mighty diferir de Sonic em detalhes pequenos de suas animações e com sua voz, de resto permanecendo um clone do ouriço azul.

Com a máquina tendo sido relativamente pouco produzida no Japão e mais rara ainda nos fliperamas ocidentais, o título rapidamente tornou-se uma entrada obscura da franquia, sobrevivendo principalmente na memória dos fãs mais árduos do ouriço azul (pelo menos marcando mais do que a máquina de pipoca interativa temática do personagem, outra realização sensacional da linha Segasonic). O fato de que os controles via trackball dificilmente são emuláveis até mesmo para joysticks analógicos ajudou o jogo a cair ainda mais no esquecimento, dado que tal limitação garantiu sua eliminação até mesmo das coletâneas mais completas dedicadas ao ouriço e sua turma.

Andando com os Chaotix

Ao contrário do sempre sorridente Ray, que entraria no total ostracismo no universo dos games após essa tímida estreia, o sisudo Mighty acabou recebendo uma segunda e última chance como personagem jogável na franquia. Em 1995, quando o Mega Drive já respirava com ajuda de aparelhos — os estapafúrdios add-ons Sega CD e 32X — o relativamente obscuro Knuckles’ Chaotix (32X) provou que apenas o poder de processamento extra e um conceito interessante não eram capazes de compensar pela ausência de um bom level design.

Grande potencial desperdiçado, o game talvez seja melhor definido como um quase-jogo clássico de Sonic: na superfície ele se assemelha com um, mas a ausência de qualquer elemento empolgante no level design simplesmente não faz jus aos belos gráficos e jogabilidade, e a experiência acaba sendo a de sequências truncadas de plataformagem um tanto aleatória, dando à coisa toda ares de incompleteza.

O game apresentou os Chaotix, grupo de excêntricos detetives formado por Espio the Chameleon, Vector the Crocodile, Charmy Bee e… Mighty the Armadillo. Quer dizer, talvez! Embora fontes ocidentais frequentemente incluam o personagem no grupo, o manual japonês do jogo especifica que Mighty apenas visitava a ilha de Newtrogic, onde habitam os Chaotix, no momento do ataque do Dr. Robotnik — o que faria dele um “convidado especial” da equipe, da mesma forma como acontece com Knuckles the Echidna no mesmo game.

Embora o jogo tenha sido produzido pela divisão norte-americana da Sega, a interpretação do manual japonês se reflete nas aparições futuras dos personagens, onde Mighty raramente se associa diretamente com o grupo. Por exemplo, em Sonic Heroes (Multi), jogo que trouxe o retorno dos Chaotix como uma das equipes jogáveis, Mighty fora cogitado para formar uma equipe de "clássicos do passado" com Ray e Metal Sonic, sem relação planejada com o trio de detetives descolados. Para o azar de nosso tatu, sua equipe acabou ficando de fora do jogo.


Em Chaotix, Mighty acaba novamente de certa forma derivando sua aparição a uma diferenciação do ouriço azul. Conforme descoberto posteriormente com o estudo de versões beta do jogo (inclusive uma versão alfa rodando ainda no Mega Drive padrão, intitulada Sonic Crackers), Sonic e Tails, originalmente, foram cogitados como personagens jogáveis, e acabaram sendo cortados por motivos não conhecidos. Enquanto Tails desapareceu sem deixar rastros, Mighty acabou sendo inserido no game literalmente como um sprite edit de Sonic.

O jogo adota uma mecânica inovadora, com os personagens formando duplas alternáveis que devem explorar os estágios, presos um ao outro por um feixe de energia entre as argolas que seguram, que atua como um elástico. Provavelmente visando diferenciar o jogo da série principal de Sonic, o ouriço foi trocado por Mighty, que recebeu uma habilidade inédita de wall jump, mas que de resto joga exatamente como Sonic jogaria. Embora tenha recebido sua aguardada segunda chance, novamente a sorte não sorriu para Mighty, já que Chaotix não impressionou público ou crítica e, assim como Segasonic, foi dos poucos jogos clássicos da franquia a não marcar presença em nenhum relançamento, incluindo aí a coletânea de raridades Sonic Gems Collection (Multi).

Cadê nosso tatu?

Após a aparição de Mighty em Chaotix, o personagem novamente caiu no esquecimento. De 1995 até 2018, suas únicas aparições como personagem jogável se deram por meio de fangames, MODs ou rom hacks, parte central da comunidade de fãs de Sonic, onde também se observa uma admirável devoção por personagens e peças obscuras da mitologia da franquia.


Inspirados pelo lock-on Knuckles in Sonic the Hedgehog 2 (Mega Drive), entusiastas de todo o mundo trabalharam em produções de fã que inseriram o personagem como jogável nos games originais do Mega, incluindo um dos mais antigos exemplos do gênero, Mighty the Armadillo. De autoria do fã brasileiro Yuski, o projeto foi iniciado em 2000, nos primórdios da cena de fangames do ouriço (que permanece ativa e forte até os dias atuais!).


Dessa era de Mighty no circuito underground, destaca-se também o projeto Sonic Megamix, fangame coordenado pelo fã Stealth, que mais tarde fundaria a developer Headcannon, responsável por desenvolver Sonic Mania Plus em parceria com Christian Whitehead. Em Megamix, Mighty é um dos personagens jogáveis “inéditos” cuja jogabilidade foi reinventada para o game (o outro sendo Shadow the Hedgehog). Nesta versão, ao invés do uso de sua carapaça para resistir aos danos, Mighty possui habilidades extras envolvendo os escudos elementais. Com “Stealth” demonstrando tanta simpatia ao figura, não é de se surpreender sua inclusão em seu grande projeto oficial.
No game de comemoração de 20 anos da franquia, Sonic Generations (Multi), a Sega referenciou o desaparecimento do personagem, provavelmente fazendo uma brincadeira com as expectativas dos fãs a respeito de seu retorno. Na fase City Escape, vários cartazes espalhados pelos muros da cidade fazem menção aos desaparecidos da franquia: enquanto que Fang, Bark e Bean figuram em cartazes de “Procurado”, Mighty e Ray são colocados como pessoas desaparecidas. O curioso é que a homenagem acabou cometendo uma pequena gafe ao afirmar que ambos Mighty e Ray estavam desaparecidos “desde 1993”, sendo que, como vimos, Mighty voltou a aparecer em 1995 em Chaotix.

A brincadeira foi retomada por Sonic Mania de diversas formas. No lançamento original do jogo, os cartazes de procurado de Fang, Bark e Bean figuraram como centrais ao longo de toda Mirage Saloon Zone, fase com temática de velho-oeste (que traz também referências visuais à fase perdida de Sonic 2, Dust Hill Zone). Além dos mesmos cartazes encontrarem-se espalhados pelos saloons e construções de época que povoam o level, o chefe do segundo ato, Heavy Magician, transforma-se alternadamente em Fang, Bark e Bean.

Com os personagens sendo incluídos na versão definitiva Sonic Mania Plus, a Sega não perdeu a oportunidade de incluir uma referência ao seu status de desaparecido, através da série de curtas animados Sonic Mania Adventures. Nela, Ray encontrou o caminho para casa, porém ainda busca pelo amigo Mighty.

Onde eles andaram esse tempo todo? Ninguém sabe! O que importa é que eles voltaram com tudo, e Mighty inclusive recebeu um novo conjunto de habilidades e estilo de animação alinhados com sua personalidade casca-grossa, ajudando a renovar os ares e adicionar mais variabilidade a Sonic Mania — que, convenhamos, tem tudo para deixar uma marca mais duradoura na franquia do que os desafortunados Segasonic e Chaotix. A recriação do personagem no novo jogo pesca referências de todas suas aparições anteriores, expondo de forma simples sua personalidade valente. Depois de muito aguardo, será que dessa vez ele veio para ficar? Só o tempo dirá!


Revisão: André Luís C. de Carvalho

é gamer pra todo jogo, mas tem predileção por títulos retrô e um bom e velho JRPG. Sonic, Donkey Kong Country, Ratchet & Clank, Final Fantasy e Disgaea são algumas das séries que formaram a paixão pelos games, desde que ganhou seu Mega Drive, muitos (nem tantos!) anos atrás. Além de escrever para o Nintendo Blast e Game Blast, pode ser encontrado tagarelando no Plano Crítico.
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