Megami Tensei: conheça a história da franquia

Inspirada em uma série de livros, a franquia passou por diversas transformações ao longo dos anos.


No final de 2017, Shin Megami Tensei V foi anunciado para o Switch. Desde então os fãs ao redor do mundo têm ficado cada vez mais apreensivos com a ausência de notícias sobre o lançamento. Enquanto novas informações não surgem, que tal aprender mais sobre a franquia e se preparar para quando finalmente anunciarem sua data de lançamento?


A origem

A franquia nunca foi exatamente um sucesso de vendas no Ocidente, mas tem conseguido conquistar fãs leais e se estabelecer com sucesso no mercado. Ainda que você nunca tenha jogado ou se interessado, provavelmente em algum momento ouviu falar sobre o jogo ou alguns de seus spin-offs, como a série Persona, que por sua vez também foi responsável por lançar uma grande variedade de spin-offs. No Nintendo Blast você também pode ler um pouco sobre as diferentes ramificações da franquia.

Digital Devil Story:
Megami Tensei
O começo de tudo, entretanto, não foi através dos videogames mas sim através dos livros. Digital Devil Story: Megami Tensei foi uma trilogia escrita pelo autor Nishitani Aya no final da década de 80. O primeiro livro foi publicado no Japão em 1986 e nenhum deles foram trazidos para o Ocidente de maneira oficial, embora os dois primeiros tenham recebido traduções de fãs e estejam disponíveis para serem lidos na internet  (em inglês). No total, Nishitani escreveu treze livros baseados no universo:
  • Digital Devil Story: Megami Tensei
  • Digital Devil Story 2: Warrior of the Demon City
  • Digital Devil Story 3: Demise of the Reincarnation
  • New Digital Devil Story: Goddess of Enchainment
  • New Digital Devil Story 2: Queen of the Ice Fields
  • New Digital Devil Story 3: Planet of the Devil
  • New Digital Devil Story 4: Wrath of the Young Emperor
  • New Digital Devil Story 5: Eternal Goddess
  • New Digital Devil Saga 6: Bonds of Reincarnation
  • Shin Megami Tensei: El Seiram (1-4) 
Nenhum dos outros onze livros foram traduzidos até o momento.

Digital Devil Story 2: Warrior
of the Demon City
A história fala sobre Akemi Nakajima, um dos alunos especiais da escola Jusho. Os alunos especiais são aqueles com a inteligência acima da média e que, invariavelmente, sofrem constantes abusos nas mãos dos alunos comuns. Como uma forma de se vingar de alguns desses alunos, Nakajima termina de desenvolver o seu programa de invocação de demônios, um software mágico que seria capaz de trazê-los para a terra.

Inicialmente o plano dá certo e Nakajima faz uso do programa e de Loki, invocado através dele, para a sua vingança. Depois de algum tempo, entretanto, Loki assume uma forma física e aí é quando Nakajima perde o controle sobre a sua criação e as coisas começam a se complicar. No decorrer da trama outras entidades também começam a surgir, seja por influência de Nakajima ou não, e o caos é estabelecido.

As avaliações sobre o livro costumam dizer que como um texto de terror ele agrada ao oferecer muitos momentos violentos e que são descritos de maneira excelente. Por outro lado, ele não oferece muita coisa na narrativa, com uma história apressada e um péssimo desenvolvimento de personagens. Ainda assim, a leitura é recomendada para todos os fãs que desejam conhecer o pano de fundo que inspirou o grande título da desenvolvedora Atlus.

Megami Tensei também não foi o único jogo inspirado em um livro de Nishitani Aya, embora tenha sido o de maior sucesso. Em 1997 foi lançado para o Sega Saturn Tokyo Shadow, baseado no livro homônimo do autor.
Tokyo Shadow (Sega Saturn, PlayStation)

Os jogos

O primeiro jogo, Megami Tensei (A Reencarnação da Deusa), foi desenvolvido pelo estúdio Atlus e publicado pela Namco em 1987 para o Famicom, exclusivamente para o Japão. O jogo é um RPG Dungeon Crawler em primeira pessoa e se passa após os eventos do terceiro livro. No jogo, os jogadores devem adentrar a torre de Daedalus e percorrer os seus labirintos em uma tentativa de derrotar o senhor dos demônios, Lúcifer. Em 1990, uma sequência para esse jogo foi lançada. Intitulada Megami Tensei II, a sequência saiu para o mesmo console e também com exclusividade para o Japão.

Apesar de não terem envelhecido muito bem, os jogos já possuíam alguns dos elementos que se tornaram a base de Shin Megami Tensei e dos inúmeros spin-offs que seguiram, como a navegação em primeira pessoa e a negociação com demônios.

No dia 30 de Outubro de 1992 o primeiro Shin Megami Tensei foi lançado para o Super Nintendo no Japão. O novo nome, que pode ser traduzido como “A Verdadeira Reencarnação da Deusa”, serviu para anunciar um novo começo para a franquia e foi a partir dele que ela se tornou realmente conhecida. No mesmo ano foi lançado para Game Boy o primeiro spin-off da série, Megami Tensei Gaiden: Last Bible, que é mais conhecido internacionalmente como Revelations: The Demon Slayer.

Se considerarmos apenas os jogos principais, entretanto, o primeiro da série a ser lançado oficialmente no Ocidente foi Shin Megami Tensei: Nocturne. Esse foi o quinto jogo da franquia Shin Megami Tensei a ser lançado no Japão e o sétimo se considerarmos a duologia Megami Tensei. Lançado para o PlayStation 2, o jogo não demorou muito até formar sua legião de fãs e conquistar sua fatia do mercado de RPGs no Brasil.

Atualmente já existem cinco jogos da franquia Shin Megami Tensei lançados internacionalmente (sem considerar os spin-offs) e dois deles são exclusivos do Nintendo 3DS: Shin Megami Tensei IV e Shin Megami Tensei IV: Apocalypse.

Agora que você conhece um pouco do ponto de vista histórico da franquia, que tal saber mais sobre alguns dos elementos que tornaram ela o grande nome que é hoje?

Principais elementos

Exploração de masmorras

Shin Megami Tensei II (SNES)
Com o tempo, a franquia perdeu sua característica de exploração em primeira pessoa e passou a utilizar uma visão em terceira pessoa. Apesar disso, o jogo ainda é, essencialmente, um dungeon crawler. Isso significa que durante grande parte do jogo você vai explorar ambientes construídos como se fossem labirintos, com diversas armadilhas e inimigos prontos para destruir o jogador na primeira oportunidade. A essência de um bom dungeon crawler sempre permaneceu na franquia. É necessário conhecer bem por onde você anda e as mecânicas de cada mapa se você quiser chegar até o final. Explorar sem planejamento não é uma opção e certamente irá lhe render momentos frustrantes.

Negociações e fusões demoníacas

Esse também é um elemento presente desde o primeiro jogo. Durante as lutas, você tem a opção de conversar com os demônios inimigos e convencê-los a fazer parte da sua equipe. Nesse aspecto o jogo se assemelha um pouco com um Pokémon para adultos, onde você se vê motivado a tentar invocar todos os demônios existentes. Mais do que isso, depois que eles estão na sua equipe, você pode fundir dois ou mais demônios para criar monstros ainda mais poderosos. As criaturas mais fortes dos jogos geralmente só podem ser obtidas por meio da fusão.

Escolhas morais

Uma característica que tem presença obrigatória desde o primeiro Shin Megami Tensei, em 1992. Os jogos permitem que você siga três caminhos diferentes:, o caminho da ordem, onde o protagonista geralmente se alia aos anjos a fim de manter a estrutura do mundo e o caminho do caos, onde o protagonista se alia aos demônios para estabelecer uma nova ordem, um novo mundo onde o que vale é a lei do mais forte. Existe ainda o caminho neutro para aqueles que se recusam a ser mais um peão na mão de anjos e demônios. Com isso, existem três finais que aumentam bastante o fator replay de cada um dos jogos.

Imersão no fim do mundo

Shin Megami Tensei IV (3DS)
O mundo acabou. Os demônios e os anjos brigam pelo controle do que resta e os humanos não são nada além de bonecos nas mãos dessas criaturas. É nesse cenário desolador que os jogos costumam inserir os personagens e a todo momento eles tentam te lembrar disso. Não importa que caminho você tome, anjos ou demônios, no fim das contas todos só querem se aproveitar dos humanos. Não há esperança. Não há salvação. Só há você, um mero mortal, correndo em círculos na sua eterna busca para salvar a humanidade de um extermínio iminente ou da eterna vida de servitude aos anjos e a YHWH.

Duas entrevistas com Nishitani Aya, autor de Digital Devil Story

Entrevista #1 - 1994 (Famitsu)
Nishitani Aya
“Atlus anunciou o lançamento de um novo RPG para o SNES em março, Shin Megami Tensei II.  Como os jogos da franquia Megami Tensei são vistos por Nishitani Aya, criador dessa mesma série?”

Famitsu: Você é o autor da série Megami Tensei, mas qual foi exatamente a sua função nos jogos?

Quando Namco lançou Megami Tensei para o NES, eu participei desde o estágio de planejamento e ofereci todo o tipo de aviso e sugestão. Entretanto, no jogo seguinte eu mudei de criador para jogador e gostei bastante. É por isso que ainda que eu seja o “pai” de Megami Tensei, quem criou essa franquia foram os desenvolvedores. Isso me faz pensar: “Ah, sim, eles fizeram um bom trabalho… (risos)”. Agora o processo é ao contrário, sou eu quem está escrevendo um romance baseado na franquia Shin Megami Tensei. 

Famitsu: Quantos jogos da franquia Megami Tensei você já jogou?

Desconsiderando o próprio Megami Tensei, praticamente todos. Estou finalizando a versão de GameBoy do Last Bible II.

Famitsu: Você tem um jogo favorito na franquia?

Shin Megami Tensei. Eu amo cenários onde a vida normal passa por alguma grande mudança. Os jogos de NES também tinham um pouco disso. Podem haver algumas exceções, mas acredito que Shin Megami Tensei seja o primeiro RPG de sucesso no Japão onde a história começa com uma rotina diária normal, como qualquer outra.
Shin Megami Tensei (SNES)
Famitsu: Exatamente. Lugares como Kichijouji e Shinjuku são pontos de referência bem familiares.

Uma coisa que me incomodou em Shin Megami Tensei é que jogá-lo às cegas sempre me levou até o final do Caos. Eu geralmente não gosto de coisas como “destino” ou de ser manipulado por deuses, mas eu pessoalmente também teria gostado de um jogo que seguisse a perspectiva do caminho da Ordem.

Famitsu: Então você é da facção da Ordem?

Na verdade, eu era mais próximo do Caos no passado, quando escrevi a trilogia original. Meu modo de pensar tem mudado recentemente. É uma espécie de empatia e agora quando eu jogo eu não consigo usar Mudo ou outras magias das trevas… Eu tenho algumas fixações estranhas (risos).

Famitsu: Então pode ser que o fato de Shin Megami Tensei II ir na direção da Ordem tenha sido uma sugestão sua?

Não, de forma alguma. Eu ainda não sei muita coisa da história, mas talvez tenham pessoas na equipe que pensam da mesma forma que eu.


Entrevista #2 - 27/03/2016 (Mitok)

Mitok: Digital Devil Story: Megami Tensei foi uma das histórias precursoras em combinar computadores com o oculto. Como você entrou em contato pela primeira vez com os PCs?

Eu estava trabalhando para alguém que lidava com computadores, então eu os usava principalmente no escritório. Essa também foi a primeira vez que eu montei um programa de computador.

Mitok: A sua estréia foi com Megami Tensei, mas você já havia escrito outros romances antes disso?

Eu mostrei esse romance para alguns amigos que eu conversei pelo computador e ao mesmo tempo eu o publiquei em uma revista.

Mitok: Você foi um dos primeiros escritores de webficção, uma vez que este era o alvorecer da comunicação por computador.

Exatamente. Talvez tenha sido o primeiro.

Mitok: Por favor, nos conte sobre como você teve o seu trabalho original publicado como um romance.

Nishitani Aya
Eu o levei até o departamento editorial da revista Animage, da Tokuma Shoten. O editor chefe na época era Suzuki Toshio, que mais tarde acabou fundando o Studio Ghibli. Eu lembro que ele estava olhando vários trabalhos e decidiu na hora continuar com aquele que falava sobre usar o computador para invocar demônios. Nas reuniões editoriais as opiniões estavam divididas entre usar “Digital Devil Story” ou “Megami Tensei” como título, então no fim das contas nós usamos os dois (risos). 

Mitok: Podemos dizer que a ideia central de “Digital Devil Story” é o programa de invocação de demônios. Como você teve essa ideia?

Eu me interesso por astrologia desde que sou uma criança e, através disso, eu conheci sobre a magia negra ocidental. Eu também inventei um software de astrologia e o vendi. O uso de magia negra é limitado pela posição dos planetas, mas se usarmos circunstâncias similares em um computador, nós podemos conduzir simulações ilimitadas sempre que quisermos. É por isso que eu pensei que a prática de magia negra em um computador seria interessante.

Mitok: Além do programa de invocação, ainda há também a “magnetita orgânica”.

Talvez ela seja chamada de “magnetita viva”. Eu me interessei sobre o assunto quando li em alguns relatórios científicos da época sobre uma magnetita que existia em alguns seres vivos.

Mitok: Você publicou “Bloodline of the Gods” pela Kadokawa ao mesmo tempo da série Digital Devil Story. Do que se trata?
Ultima: Monstrous
Metamorphosis, Vol. 1 (1988)
Era um projeto que eu havia enviado para Kadokawa. Incidentalmente, “Ultima: Monstrous Metamorphosis” foi uma história que eu enviei para Kadokawa ao mesmo tempo em que a versão original do jogo foi lançada. 


Mitok: Foi no mesmo período em que a versão japonesa de “Ultima IV”, da Pony Canyon, foi lançada, não foi? Eu me lembro que ele foi extensivamente anunciado. Eu não incluiria os seus trabalhos no contexto de Light Novels hoje em dia. Eu acho que eles estão mais próximos das Pulp Novels, livros de brochura em edições de bolso e recheados de sexo e violência. Teve algum título específico que o influenciou?

O meu escritor favorito é Hanmura Ryou, o primeiro representante desse tipo de obra. Eu li todos as suas obras com exceção de “Taiyou no sekai”, isso é o quanto eu amo o seu trabalho.

Mitok: Na época, passou pela minha cabeça que o “Tensei” de “Megami Tensei” pudesse ter surgido do “Makai Tenshou”, do Yamada Futarou. Cheguei perto?

Eu nem cheguei a considerar isso. Eu simplesmente adoro a ideia budista da reencarnação. O tema da reencarnação estourou no começo da década de 90, mas eu lembro que era algo um tanto quanto novo em meados da década de 80. Eu fui para uma escola de ensino fundamental e uma escola de ensino médio que possuíam um perfil budista, então eu acho que foi tanto uma escolha minha quanto uma influência das minhas escolas. 

Mitok: Quais outros escritores lhe inspiraram, além de Hanmura Ryou?

H.P. Lovecraft. Suas histórias não são o que vocês chamariam de “trabalho literário”, então ele acabou sendo um dos meus escritores favoritos. “Lovecraft Masterpiece Compilation”, da Tokyo Sogensha, acabou de ser lançado e isso é muito animador.

Mitok: Eu imaginei que houvesse alguma relação quando eu vi alusões à Arkham em Megami Tensei e esse tipo de livro proibido estava nas prateleiras. A aparição de Yomi no shikome foi uma homenagem ao trabalho do H.P. Lovecraft, “A sombra de Innsmouth”.

Exatamente, eu decidi pegar a versão original, já que na época haviam poucas traduções. Aramata Hiroshi mais tarde trabalhou em uma tradução para “Complete Works of Lovecraft”, da Soudosha, e após lê-lo eu não pude evitar de imaginar a habilidade que os tradutores precisam ter.

Mitok: Leitores de Light Novels na época tinham pouco conhecimento de mitologia nórdica ou egípcia, então nomes como Set ou Loki eram novos para eles. Por que você decidiu usar o programa de invocação para deuses como Loki e Set e não para demônios do cristianismo?

Eu sempre amei mitos de todas as partes do mundo. Quando o norte da Europa estava sendo convertido ao cristianismo, os seus deuses foram vistos como demônios. O deus demoníaco Loki surgiu dessa linha de pensamento. Quanto ao Set, eu sempre tive essa ideia de que havia alguma relação entre Egito e Izumo, uma vez que o segundo pode ser relacionado com serpentes. Escrever Set como um deus serpente foi provavelmente influência das histórias de Conan, de R.E. Howard.

Mitok: Você pode falar sobre a história por trás do primeiro jogo sendo lançado pela Telenet?

O OVA (nota do tradutor: foi lançado um anime sobre o primeiro livro da série) surgiu um pouco antes e logo depois começou o desenvolvimento do jogo. Uma vez que a Tokuma Shoten mandava em tudo, ela procurou várias companhias de software.

Mitok: A versão da Telenet foi feita em cooperação com a Atlus, então eu imaginei que os projetos seguintes fossem seguir esse mesmo padrão.

Eu não me lembro muito bem dessa parte, mas certamente era um produto completamente diferente e independente.

Mitok: O romance original mais tarde foi reimpresso pela Fukkan Dot Com. Houve alguma edição ou coisa similar? Qual era o seu objetivo?

Na verdade, também foi editado para a versão móvel da Atlus. O primeiro Megami Tensei foi escrito para um público jovem, levando em consideração a opinião dos estudantes que eu conhecia. Entretanto, eu não considero esse como o meu próprio estilo de escrita, então sempre que surgia uma nova versão, eu editava alguma coisa.

Mitok: E agora, por favor nos conte sobre sua ocupação atual e os planos para o futuro.

Eu estou lecionando escrita criativa nas universidades e escolas vocacionais. Ver como alguns conselhos podem fazer o talento desses jovens brilhar, ainda que só por um momento, me enche de alegria. Eu não abandonei a escrita e ainda tenho projetos para o futuro.



Se interessou? Fique ligado no Nintendo Blast e saiba todas as novidades sobre o novo jogo da franquia, Shin Megami Tensei V, que será lançando com exclusividade para o Nintendo Switch.
Revisão: Vinícius Fernandes

Apaixonado por JRPGs e pela arte de traduzir. SMT e Disgaea são algumas das suas franquias favoritas.
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