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Análise: SaGa Scarlet Grace: Ambitions (Switch): um RPG exótico e surpreendente

Apesar de ser um pouco frustrante e confuso, o RPG oferece uma experiência única.


Se existe um game designer autoral e excêntrico entre os desenvolvedores de RPGs japoneses, seu nome é Akitoshi Kawazu. Criador da série SaGa e envolvido em títulos como Final Fantasy Crystal Chronicles, seus jogos costumam ser polêmicas, com abordagens muito diferentes das que são praticadas nos títulos mais mainstream do gênero. Do lado positivo, eles costumam ser obras únicas e surpreendentes, mas isso também significa que eles podem exigir mais esforço do jogador para compreender sua proposta do que deveriam.


SaGa Scarlet Grace: Ambitions é o mais novo título da série, e mostra muito claramente os traços de seu criador. Na busca por oferecer mais liberdade para o jogador e de mais uma vez sair da zona de conforto do padrão mainstream, o título, mesmo com seu aparente baixo orçamento, demonstra uma grande ambição, que reforça tanto as melhores quanto as piores tendências de Kawazu.

Os herdeiros da ambição


Anos após a sétima vinda do maléfico Flamebringer, o antigo Império caiu. Deu-se início então a uma nova era, onde as ambições de uma nova geração podem definir o destino do mundo. É justamente aí que entra o jogador, assumindo o papel de pessoas cujas escolhas podem causar ondas drásticas no mundo.

Ao começar o jogo, é possível escolher entre quatro personagens: Urpina, a jovem descendente da nobre família Julianus; Taria, a bruxa poderosa que optou por largar as artes arcanas para se tornar uma ceramista; Leonard, um rapaz estourado que prefere agir do que falar; e Balmaint, um carrasco que tenta tratar as pessoas que vai executar com dignidade. Cada um deles tem sua própria história, com alguns arcos próprios e algumas sidequests similares entre si.

O mais interessante é que existe uma grande liberdade do jogador para realizar os eventos que quiser. Na história de um personagem, é possível até ir para o boss final praticamente direto. Se por um lado esse aspecto é muito bom, já que deixa o jogador à vontade para fazer o que quiser, por outro a narrativa geral acaba sendo um pouco desconexa, com altos e baixos muito discrepantes. É muito bom passar por momentos em que a narrativa apresenta algum peso dramático e as escolhas do jogador realmente são sentidas, mas também há pontos que pouco acrescentam.


O mundo de Scarlet Grace é um grande mapa múndi, dividido em áreas onde é possível encontrar eventos. Não há dungeons elaboradas ou pequenos vilarejos para explorar, apenas o mapa e a possibilidade de andar até um ponto ou outro. Nesses pontos podem haver inimigos, cidades e/ou eventos de história variados, sejam eles relacionados à história principal ou a alguma sidequest.

As cidades são menus em que o jogador pode optar por usar uma forja para melhorar seu equipamento, conversar com moradores locais ou realizar algumas outras atividades que variam de região para região. Apesar das escolhas do mapa mundi e das cidades terem uma aparência de uma questão de economia de orçamento, depois de se acostumar com o formato ousado é fácil perceber que essa escolha de design foi bem pensada e corta elementos supérfluos que não fazem falta na experiência. Nem mesmo dinheiro o jogo apresenta, curando os personagens automaticamente após as batalhas e oferecendo o funcionamento da forja em troca apenas de materiais.

Uma miríade um pouco confusa de detalhes


Assim como a exploração, as batalhas não podiam ser algo básico. Com a possibilidade de ter equipes bem grandes de personagens, o jogador pode usar formações com até 5 deles. Cada personagem tem uma certa afinidade elemental e uma arma com a qual já tem algum nível de habilidade, mas é possível trocar o tipo de equipamento caso o jogador queira.

Apesar das batalhas funcionarem em turnos tradicionais, o gameplay é bastante específico. Pensado com vários elementos estratégicos, o turno implica em definir todos os ataques dos personagens primeiro e só depois executar as ações. Cada golpe consome uma certa quantidade da barra de BP, que é compartilhada entre toda a equipe, e a ordem dos turnos é visível no canto inferior da tela, com uma espécie de linha do tempo.

Além de definir quem ataca antes de quem, a ordem também implica em uma mecânica chamada Unison Attack. Quando um personagem ou criatura morre, sua face é retirada da lista de ordem. Caso a retirada desse personagem leve ao encontro de duas faces de um mesmo grupo (aliados ou inimigos), os personagens correspondentes realizarão um ataque extra naquele turno contra um dos seus inimigos. Caso o personagem morra, é possível que haja um efeito em cadeia, ativando outro Unison Attack, e por aí vai.

Isso causa um impacto significativo na estratégia, sendo importante evitar que o inimigo se beneficie dessa estratégia sempre que possível, até porque o jogo tem uma tendência a ser bastante desafiador. A cada vitória, a dificuldade dos próximos inimigos aumenta, e é importante atualizar os equipamentos constantemente e prestar atenção nos mínimos detalhes para poder vencer. Um descuido como deixar o inimigo se aproveitar do Unison Attack pode ser fatal.

Uma parte fundamental da série é a possibilidade de aprender novas habilidades durante a batalha. Assim, quando usa uma determinada arma, o personagem pode ter um insight e desbloquear um novo ataque. Essa mecânica é a base para que os personagens aprendam novas técnicas, e seu uso também permite o aprimoramento dos ataques em ranks (que reduzem o custo e aumentam a força dos ataques).

As técnicas dos personagens podem ser ataques básicos, magias, bloqueios, contra-ataques e golpes de interrupção. Tirando magias, todos os golpes são executados no mesmo turno em que são ativados, mas os dois últimos são mais específicos e chamados de condicionais, porque são ativados apenas sob determinadas circunstâncias. Eles são formas interessantes de se adaptar aos planos dos inimigos e surpreendê-los.

Já as magias normalmente demandam vários turnos para serem ativadas. Elas também têm rank e é possível aprender novas de acordo com a arma equipada, mas elas têm um conceito próprio de evolução. Para os magos, o fim do combate leva à absorção de flux. Essa energia tem o mesmo funcionamento básico do insight, mas implica que o mago não pode melhorar ao longo do combate, só após a vitória.

Isso pode fazer diferença em momentos nos quais toda a equipe é morta. Como não existem itens de cura e as magias são prioritariamente de ataque, não é incomum que os personagens percam a vida e, como falado acima, isso pode ser até estratégico para o uso de Unison Attacks. Devido a essa frequência, cada personagem tem seu LP (Life Points), uma taxa separada do HP que determina quantas vezes o personagem pode morrer. Esse valor pode ser recuperado deixando o personagem fora da batalha, sendo interessante revezar a equipe quando possível, aproveitando que não é difícil recrutar novos personagens.

Outro fator importante são as formações. Antes de iniciar uma batalha, o jogador pode optar por qual tipo de formação usará, o que define o BP inicial e máximo da equipe, além de benefícios como aumento do ataque de algum tipo de arma ou da defesa de personagens em certas posições do grupo. Elas podem fazer a diferença, já que existem golpes cujo custo é muito alto, ou batalhas em que ter uma defesa mais alta pode ser necessário para lidar com uma condição especial.

Tocamos apenas nos elementos mais comuns do combate, que é cheio de outras mecânicas (como as bênçãos dos Celestials) que podem fazer a diferença em determinados combates e que mantêm o jogador em um aprendizado constante. Se por um lado o jogo é riquíssimo em estratégia, por outro chega a ser confuso saber lidar com todas essas informações e frustrante como as batalhas podem oscilar sua dificuldade por detalhes mínimos de planejamento.

De modo geral, SaGa: Scarlet Grace Ambitions é, com o perdão do trocadilho, um RPG muito ambicioso. Sua capacidade estratégica e seu excesso de mecânicas são simultaneamente frustrantes e um sopro de vida em um gênero que muitas vezes se apega excessivamente às tradições. Para quem procura uma experiência diferente e cheia de liberdade e descoberta, o título é altamente recomendado e não deve de forma alguma ser subestimado. Mas é necessário se preparar para as frustrações e a demanda constante de aprender mais sobre suas várias mecânicas nada usuais.

Prós

  • Liberdade para explorar o mapa e realizar as quests que quiser;
  • Gameplay oferece várias opções estratégicas interessantes;
  • Quatro protagonistas, cada um com sua própria jornada;
  • De forma geral, seus elementos combinam em um RPG ambicioso e verdadeiramente diferente do que se tem no mercado.

Contras

  • Excesso de mecânicas não usuais torna a jogabilidade um tanto confusa;
  • Falta de foco na história acaba deixando a narrativa mais diluída e fazendo com que eventos muito envolventes sejam intercalados com pontos de menor qualidade;
  • Ausência de dungeons e simplificação das cidades dão uma impressão de baixo orçamento ao jogo.
SaGa Scarlet Grace: Ambitions - Switch/PC/PS4 - Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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