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Análise: A Fold Apart (Switch) fala sobre romances à distância em um mundo de papel

O jogo é curto, mas possui uma narrativa comovente, uma direção de arte inventiva e criativos puzzles baseados em dobraduras de papel.


Pode soar piegas, mas é verdade: relacionamentos amorosos exigem entrega, companheirismo, confiança, respeito, compreensão, carinho e, é claro, amor para darem certo. Mas o que fazer quando no meio disso tudo há milhares de quilômetros lhe separando da pessoa amada? É possível manter todos esses ingredientes de uma união afetiva sadia mesmo quando o principal meio de comunicação são mensagens de texto? Dá para ter apego com alguém que não se vê há meses?


Essas são perguntas que A Fold Apart decide encarar. O jogo produzido pela Lightning Rod Games se inspira na história real de um dos fundadores do estúdio para retratar os altos e baixos de um relacionamento à distância. Durante seu desenvolvimento, o título indie recebeu uma série de reconhecimentos em eventos como GDC e PAX East. Não é para menos: usando uma estética de papel para criar uma atmosfera cativante e com puzzles criativos baseados em dobraduras, o game, apesar de curto, é uma bem feita e emocionante jornada a todos que já estiveram em relacionamentos e, principalmente, aos que já ficaram longe de seus amores por bastante tempo.

Amor em papel

Logo de início, o game marca pontos positivos devido ao seu apreço pela representatividade. Antes mesmo de o jogo começar, é possível escolher entre casais heteroafetivos e homoafetivos, sendo que estes podem ser masculinos ou femininos. Para efeitos de simplificação, os personagens serão referenciados nesta análise como heterossexuais, como um reflexo do meu próprio relacionamento na vida real.
O personagem azul trabalha com arquitetura. O vermelho, em uma escola. Escolha qual casal combina mais com você.

O título conta a história de uma professora e um arquiteto que iniciam um relacionamento após se conhecerem em uma cidade bucólica. Porém, depois que ele recebe uma proposta de emprego em uma grande metrópole, ambos se veem obrigados a se distanciar e a manter contato apenas por mensagens de texto. Com isso, aparecem todos os desafios, dúvidas e inseguranças presentes em um namoro à distância, com os quais os protagonistas devem aprender a lidar.

O enredo soa como um desses filmes românticos bem açucarados que podemos encontrar na Netflix hoje em dia. Porém, o que o faz ganhar destaque e ir além de uma simples história de amor é sua direção de arte. O jogo todo é inspirado em papercraft. Os personagens e os elementos dos cenários possuem uma qualidade meio quadriculada, típica de construções feitas com folhas de papel. Além de trazer uma particularidade estética única, utilizando cores quentes e frias, mas sempre fortes para ilustrar os sentimentos do casal, essa decisão também influencia na maneira como a história é contada.
A dobradura no centro da folha aproxima os dois protagonistas.

O jogo apresenta o seu mundo como se ele estivesse dentro de papéis. Quando o personagem chega na beira da folha ao andar, uma nova aparece e se sobrepõe à outra, estendendo o cenário. Isso não só faz com que o jogo não pare, mas também viabiliza mudanças de tempo e de espaço bastante interessantes. Pulando de um papel para o outro, o arquiteto passa de seu escritório para o metrô e, enfim, chega às obras do prédio que desenhou, por exemplo. Essas transições ocorrem suavemente e utilizam o papel de maneira inventiva.
Em um papel, o metrô. Em outro, as obras do prédio. Passar de um papel para outro também significa mudar de cenário.

No entanto, o momento em que essas passagens são mais engenhosas acontece quando vamos do mundo real do jogo para o ambiente que ilustra os pensamentos de cada personagem, algo diretamente ligado aos puzzles.

Racional e emocional

Em cada capítulo de A Fold Apart, presenciamos situações em que o casal tem que lidar com seus próprios medos, incertezas e dúvidas sobre conseguir fazer com que seu relacionamento à distância funcione. Nessas situações, o cenário mais fundamentado na realidade se transforma em uma mistura de prédios, árvores e ilhas flutuantes, caminhos estreitos e assets desconexos. Esta é a representação visual dos monólogos internos de cada personagem, onde a maior parte do game se passa.

À medida que se avança nesses espaços oníricos, as reflexões dos integrantes do casal aparecem escritas pelo cenário. São textos que retratam questões como ciúmes, raiva, insegurança, solidão e a dor provocada pelo distanciamento, todas elas ocasionadas por interpretações equivocadas de mensagens de texto. Esses instantes são extremamente comoventes para pessoas que estiveram em qualquer tipo de relacionamento, pois simbolizam bem a enxurrada de indagações que esse tipo de comprometimento traz.
Cenários desconexos e textos que ocupam a tela são as representações dos pensamentos dos personagens.

Em meio a todo esse lado emocional, no entanto, também é preciso usar o lado mais analítico do cérebro, pois é aqui que surge o componente principal do título: os puzzles de dobradura. Ocasionalmente, os jogadores se deparam com quebra-cabeças em alguns dos papéis que estendem o cenário. Para avançar, é necessário virá-los e dobrá-los para encontrar um modo de alcançar a estrela no final do puzzle. São mais de 50 desafios de níveis de dificuldade variados, mas todos exercitam a habilidade de se enxergar espaços em perspectivas diferentes.

Ao dobrar as laterais do papel, é possível preencher lacunas nas plataformas com elementos do verso, esconder inimigos que bloqueiam o caminho e até mesmo jogar o personagem de um lado da folha para o outro. Conforme os capítulos são completados, novas habilidades são desbloqueadas, como dobrar as pontas ou rotacionar o papel. Também há elementos que tornam os quebra-cabeças mais desafiadores, como plataformas que somem ao serem dobradas e blocos que ajudam a alcançar plataformas mais altas. Tudo isso somado faz com que esses puzzles sejam muito imaginativos, obrigando o jogador a pensar.
Dobrar o papel ajuda a criar novas plataformas e avançar no puzzle.

Cada problema é muito bem desenvolvido. Não foram poucas as vezes em que travei em uma fase, sem ter ideia do que fazer. Quando finalmente compreendi a solução, a sensação de satisfação foi imediata, tanto por ter desvendado o mistério quanto por ver como esse mistério foi desenhado. Para quem achar a dificuldade muito grande, o modo de dicas, que mostra o passo a passo do puzzle, é simples e uma boa pedida para quem também só quer acompanhar a história. É uma experiência única para quebra-cabeças, replicada pouquíssimas vezes em outros títulos.
Dobre a parte de cima do papel para juntar os dois lados sob uma nova perspectiva.

Porém, esses desafios não passam sem problemas. Quando o papel ainda não foi completamente dobrado e possui uma curvatura, fica difícil determinar o ponto exato em que a dobra vai ficar. Isso é prejudicial em puzzles que necessitam de precisão no local da dobra. Algumas pessoas também podem ficar incomodadas com o fato de não haver uma opção de fazer uma dobra rápida, caso um erro seja cometido. Se a dobra ficou no lugar errado, é preciso desdobrar todo o papel para refazer, gastando muito tempo.

Durante meu tempo com o jogo, também encontrei soluções paralelas em algumas fases, que não foram reconhecidas por não serem as soluções oficiais criadas pelos desenvolvedores, e glitches que faziam todos os objetos caírem, como se não houvesse plataformas. Além disso, há uma certa falta de polimento, com taxas de quadros por segundo que caem eventualmente, controles que não respondem em algumas situações e animações que são cortadas abruptamente.
Quando o papel não foi completamente dobrado e ainda tem uma curvatura, pode ser difícil determinar onde a dobra vai ficar, prejudicando um pouco puzzles que exigem precisão.

Já acabou?

Entretanto, os pontos negativos acima não prejudicam a experiência geral do game. O único fator que realmente atrapalha é sua duração. A Fold Apart é extremamente curto, com cerca de três a cinco horas. Assim que a emoção bate e os puzzles começam a usar todos seus elementos, engajando o jogador, a história acaba. Não há nem um New Game + ou uma segunda jornada. O título simplesmente se encerra.

Apesar de serem boas três a cinco horas, a impressão que fica é que o jogo poderia explorar mais de seus recursos, com mais alguns quebra-cabeças e um gameplay um pouco mais aprofundado. Um exemplo são as mensagens de texto que os protagonistas trocam entre si. Às vezes, é necessário escolher o que responder para a pessoa amada entre duas opções de mensagens. Infelizmente, essas escolhas não alteram o andamento da história, algo que poderia ter sido incluído.
A escolha de mensagens de texto altera minimamente o diálogo entre personagens, mas não influencia no enredo do jogo.

Uma maior duração também resultaria em mais oportunidades de ver o mundo de papel do título se desenvolver, com mais cenários e situações, e de, principalmente, ouvir a bela trilha sonora composta por Riley Koenig, que remete às músicas do filme Up - Altas Aventuras pelo seu uso de piano de maneira bem emotiva.

Separados, mas juntos

No momento em que escrevo esta análise, o mundo vive as consequências da pandemia do novo coronavírus. As pessoas estão tendo que lidar com o fato de que o isolamento social é a nova norma para conter o avanço da doença. Estar separado das pessoas queridas é algo que dói, algo que pessoalmente sinto estando longe da minha namorada por meses. Por isso, acho que A Fold Apart especialmente me tocou.

Ao usar a temática de papel, o jogo consegue retratar criativamente os dramas e alegrias de se estar em um relacionamento. Além disso, seus quebra-cabeças de dobradura são muito originais, exigindo uma mudança na maneira como o jogador observa o mundo do game que poucos títulos são capazes de provocar. Infelizmente, sua curta duração e alguns pequenos problemas de otimização impedem que ele alcance seu potencial completo.

Em uma entrevista, um dos fundadores da Lightning Rod Games, Mark Laframboise, afirmou que o uso de dobraduras de papel é uma metáfora, já que dois personagens vivendo em ambos os lados de uma folha estão em mundos separados, mas ao dobrá-la, ambos os mundos se conectam. Nesse momento em que não podemos sair de casa, estamos todos procurando fazer essa dobra.


Prós

  • Ótima direção de arte baseada em papercraft;
  • Puzzles de dobradura de papel criativos, que trabalham a visão do mundo sob diferentes perspectivas;
  • História comovente que lida com emoções positivas e negativas de um relacionamento;
  • Ótima trilha sonora;
  • Representatividade de casais hetero e homoafetivos.

Contras

  • Curta duração impede que o jogo explore suas características profundamente;
  • Jogabilidade nos puzzles é um pouco prejudicada por algumas decisões de design;
  • Glitches e queda de frames por segundo em momentos pontuais.
A Fold Apart - Switch/PC/Apple Arcade - Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Icaro Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Lightning Rod Games

Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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