Jogamos

Análise: Here Be Dragons (Switch) e a necessária estratégia em alto-mar

Título independente da Red Zero Games impressiona por entregar uma experiência original e interessante dentro do gênero de estratégia por turnos.

Embora eu não saiba bem o motivo, sempre tive grande apreço por histórias de navegadores e piratas. Sair em rumo ao desconhecido que habita em meio ao oceano com promessas de riquezas e visões fantásticas é algo que sempre mexeu com a minha imaginação. Não à toa, dois dos meus jogos favoritos de todos os tempos são The Legend of Zelda: The Wind Waker HD (GC/Wii U) e Assassin’s Creed IV: Black Flag (Wii U): ambos percorrem, com mais ou menos intensidade, essa temática.


Por isso, quando vi o anúncio de Here Be Dragons, fiquei bem interessado em sua proposta ousada de mesclar estratégia em turnos com lendas do alto-mar. Desenvolvido e distribuído pela produtora independente Red Zero Games, este título chega ao Nintendo Switch após ter sido lançado no PC mais cedo este ano. Mas será que sua ambição ousada se sustenta ou é melhor esquecida como as lendas de outrora? Embarque conosco em nossa análise para descobrir!

Estética e arte

Uma das primeiras coisas que chamam a atenção em Here Be Dragons, como pode ser visto pelas capturas de tela, é a sua direção de arte e estética geral. Aqui, tudo é graficamente apresentado como se fossem desenhos à mão animados, e devo dizer que esse é, de longe, o maior ponto forte do jogo. 

Ainda que em alguns casos as composições tenham tendência à simplicidade, em nenhum momento do jogo me cansei do que via na tela — muito pelo contrário: a cada novo estágio (a progressão é feita por meio de cenários disponibilizados em fases) fiquei ansioso para ver o que me esperava, pois novos inimigos e recursos são introduzidos regularmente conforme se avança.

Nesse ponto, Here Be Dragons é um bom exemplo da liberdade criativa que o desenvolvimento independente confere; em meio a um mar (sem trocadilho intencional) de marasmo e repetição que muitas vezes assola a indústria de games, com fórmulas produzidas e repetidas à exaustão como se fossem receitas de bolo, é refrescante ver um título que tenta e consegue realizar algo novo em sua proposta.

Desde o início também já é bom frisar que não houve qualquer tipo de problema na conversão técnica, como as irritantes quedas na taxa de quadros, do PC para o Switch, e este é um título especialmente belo e interessante no modo portátil, onde sua arte natural realmente ganha ainda mais destaque. Porém, como nem só de gráficos vive um jogo, avancemos para dois pontos importantes em todo game que se preze: a história e a jogabilidade.

Histórias do além-mar

Em Here Be Dragons, seguimos a história não contada que precedeu a descoberta da América em 1492 por Cristóvão Colombo. Neste universo, para o lendário navegador chegar às terras que mudariam o percurso da humanidade definitivamente, alguém teve que “limpar” antes o oceano dos seres fantásticos que ali residiam, como Krakens e Tritões. São esses acontecimentos ficcionais, estrelados por diversos personagens, que o jogo da Red Zero busca retratar ao longo de sua aventura, com pequenas esquetes.

Como já pode ser deduzido, Here Be Dragons não é fiel à história como é conhecida pela humanidade, usando de sua liberdade criativa para entregar uma narrativa leve e despretensiosa, que gira em torno das grandes lendas marítimas da época. Cabe ressaltar que em nenhum momento essa ausência de, digamos, compromisso, é maléfica ao título — bons momentos surgem exatamente por ela e suas derivações.

Por exemplo, em um momento você estará controlando um pirata que insiste em conversar com seu papagaio morto e debater estratégias com o mesmo; em outro, temos um imediato que pula ao mar antes mesmo do confronto começar, antecipando a derrota; e ainda, um fanático determinado a expurgar o mal espiritual do oceano. São inúmeras situações apresentadas de forma descontraída e bem-humorada, que entretêm o jogador e acabam por dar a liga necessária entre os combates.

Animais fantásticos e onde habitam

Falando dos combates e batalhas em si, em ação, Here Be Dragons segue levemente a cartilha dos jogos de estratégia em turno no que tange às ações sequenciais e elementos como ataque, defesa e pontos de vida, mas praticamente todo o resto lhe é particular, em um sistema próprio bem interessante. A progressão aqui, como dito anteriormente, se dá por meio de cenários apresentados em formato de fases. Em cada uma dessas, seu dever é eliminar todos os inimigos: vença e avance para o próximo nível, e desafios mais casca-grossa aparecerão.

Derrotar todas as ameaças não é tão simples como pode parecer. Cada unidade em campo, amiga ou não, possui pontos de ataque, representado pelos canhões, e defesa, representada pelo escudo. Nos turnos, o dano final de um golpe é calculado por ataque (de quem dispara) menos defesa (de quem é alvo). 

A cada rodada é sorteado um dado para cada um dos combatentes em campo, e é aqui que as coisas começam a ficar mais complexas. Os dados são usados tanto por unidades amigas como inimigas para ações especiais, como reparar um navio, retirar um dado do oponente ou simplesmente realizar um ataque excepcional. Cada um desses movimentos requer uma numeração específica, como 1-2 ou 2-5, e alguns, conforme seu poder, podem requerer mais de um dado específico para serem ativados.

Desse modo, todo turno os combatentes escolhem um dado dentre os sorteados para si, e planejam suas ações; a ordem em que isso ocorre é determinada pela mecânica Iniciativa, que basicamente funciona da seguinte forma: o lado que tiver o menor montante numérico, uma vez que os dados tenham sido escolhidos, atacará e realizará todas as ações primeiro. Este recurso é muito importante na prática, pois frequentemente mover-se primeiro é um grande passo rumo à vitória.

Como você provavelmente já percebeu, o sistema do jogo começa a ficar um pouco mais complexo com todos essas variáveis, e ao longo de uma partida torna-se necessário ponderar e pensar na Iniciativa, nos dados que serão escolhidos (ou não, mas dados não usados causam dano a quem quer que os tenha preterido) e no combate em si. Como grande parte de tudo isso passa pelo sorteio inicial, a sorte pode ter uma influência considerável no resultado de uma partida, mas a estratégia também é importante, pois é muitas vezes possível reverter ou amenizar os efeitos da má sorte.

É aí que Here Be Dragons pode afastar alguns fãs de jogos de estratégia, devido ao seu apoio frequente na sorte e no acaso dos dados, mas confesso que, para mim, na prática todos esses recursos tornaram o jogo divertido e original, quase como um jogo de tabuleiro. É verdade que em alguns casos talvez seja necessário retornar um ou outro estágio devido ao azar, mas conseguir driblar as consequências de um sorteio ruim com uma boa estratégia é perfeitamente possível aqui e muito satisfatório quando ocorre. 

Além disso, como dizem por aí, “vento que sopra lá, também sopra cá”. Com certa frequência consegui virar partidas improváveis devido a diversas sequências de dados que me favoreciam e prejudicavam inimigos. No geral, portanto, há um certo equilíbrio natural aqui que entretém e merece ser experimentado por fãs do gênero.

Considerações finais

A expressão Here Be Dragons (Aqui Há Dragões, em tradução livre do inglês) deriva do latim Hic Sunt Dracones, usado pela cartografia medieval para designar territórios perigosos e desconhecidos, onde muitas vezes barcos afundavam sem motivos aparentes. As serpentes marinhas e criaturas mitológicas que ilustravam mapas da época por muito tempo fizeram parte do imaginário coletivo dos navegadores, e renderam boas histórias no processo.

Ao vestir essas influências, Here Be Dragons entrega um título de estratégia diferenciado no âmbito da estética e da jogabilidade, com um sistema que lembra muito o que poderia ser visto em um jogo de tabuleiro. Talvez seu apoio significativo nos dados e no acaso afaste jogadores que gostam de ter controle sobre o que irá acontecer, mas é impossível negar que essa proposta é parte do charme do jogo e gera bons momentos. Caso você seja fã do gênero e da temática, e esteja afim de tentar algo novo, aqui está um título muito bem recomendado.

Prós

  • Estética agradável, com desenhos animados feitos à mão;
  • Personagens carismáticos, que rendem curtos, mas bons momentos;
  • Sistema de combate divertido, apesar de complexo;
  • A estratégia pode, com frequência, reverter ou amenizar situações complicadas.

Contras

  • O apoio no recurso dos dados e, consequentemente, da sorte, pode afastar jogadores que gostam de ter controle sobre o desenrolar de batalhas;
  • A história não é muito aprofundada, servindo mais como uma sequência de esquetes;
  • O sistema de combate pode levar tempo para acostumar;
  • Sem tradução para português brasileiro.
  Here Be Dragons - Switch/PC - Nota: 8.0 
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital gentilmente cedida pela Red Zero Games

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google