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Análise: Cruis’n Blast (Switch) é uma divertida corrida sem muita gasolina para queimar

O jogo traz ótima jogabilidade arcade ao Switch, mas esquece de incrementá-la com um design mais elaborado.

Cruis’n Blast

Em 2019, quando encontrei uma máquina arcade de Cruis’n Blast na Brasil Game Show e publiquei meu hands-on com o game aqui no Nintendo Blast, acreditei que a sensação de controlar veículos extravagantes em pistas excêntricas ficaria só na minha memória. Afinal de contas, o título estava circulando pelos fliperamas desde 2017. Muito tempo já havia se passado para um port para consoles ser lançado. Além disso, a Nintendo, dona da série de corridas, não parecia interessada em revivê-la em suas plataformas.


Mas 2021 chegou para provar que eu estava errado. O estúdio Raw Thrills, produtor do jogo original, e a publisher GameMill Entertainment trouxeram, com o aval da Big N, uma versão do título exclusivamente para o Nintendo Switch. Após 14 anos desde seu último lançamento, a franquia voltou, fazendo a alegria daqueles que cresceram com sua trilogia clássica — Cruis'n USA, Cruis'n World e Cruis'n Exotica — no Nintendo 64.

Mantendo o legado desses games dos anos 1990, Blast traz uma boa experiência arcade para o console híbrido. Controles responsivos, pistas dinâmicas e uma grande dose de absurdismo saciam a vontade por um gameplay simples, mas estimulante. Porém, ao olhar mais de perto para os elementos que formam seu design, essa simplicidade acaba se transformando em um simplismo que torna o jogo raso demais.

Velocidade máxima

Fãs de longa data de Cruis’n ficarão felizes em saber que esse novo lançamento pega grande parte das características tradicionais da série e dá a eles uma cara mais contemporânea. Novamente, as corridas se passam em diferentes partes do mundo, com circuitos que são uma espécie de representação cartunesca desses locais. As disputas permanecem no estilo ponto a ponto, em que o carro que cruzar primeiro a linha de chegada é o vencedor. Já os veículos continuam capazes de realizar manobras praticamente impossíveis, como piruetas no ar ou empinar sobre duas rodas.

Cruis'n Blast


Porém, os anos de avanços tecnológicos desde o último jogo da franquia permitiram que a equipe de desenvolvimento aumentasse o sarrafo em termos de gameplay e apresentação. Desta vez, as partidas são muito mais frenéticas, menos focadas em alcançar a liderança e mantê-la por longos períodos de tempo, e mais em realizar ultrapassagens de última hora para roubar a primeira colocação dos adversários. Com isso, a velocidade do título foi aumentada consideravelmente, fazendo jus ao subtítulo Blast.

Não só a pilotagem regular é muito mais rápida, mas o game possui mecânicas que colocam o velocímetro no máximo. Rampas que dão boosts nos automóveis, nitros que podem ser utilizados a qualquer momento nas corridas e derrapagens que aceleram os carros trazem uma sensação de dinamismo ausente em lançamentos anteriores da série. A possibilidade de emendar esses turbos com manobras que fazem os veículos saltarem sobre competidores ou capotarem os rivais faz com que as partidas possam ser decididas por diferenças de centésimos de segundos, tornando a jogabilidade empolgante.

Essa boa percepção de velocidade é possível graças aos controles simples e intuitivos. Foi-se embora a opção de mudar a marcha manualmente, presente nos games de N64. Agora tudo é automático para que o jogador só foque em acelerar, derrapar, realizar manobras e usar nitros. Embora a ativação dos tricks às vezes não funcione quando necessário, ela é compensada pelo sistema de derrapagem, que é bastante satisfatório, possibilitando um comando preciso dos automóveis nas curvas, resultando em impulsionamentos cada vez maiores.
O jogo ignora colisão muitas vezes para manter a alta velocidade das corridas. E isso é OK.


Além disso, assim como em Mario Kart 8 Deluxe (Switch), há opções de aceleração automática e controles de movimento. Enquanto o primeiro adiciona um nível de acessibilidade bem-vindo àqueles com dificuldade na manipulação dos carros, o segundo, apesar de funcional, tira um pouco da precisão da experiência. Não deixa de ser uma opção, mas os controles convencionais são muito mais responsivos e, consequentemente, divertidos.

Loucura reciclada

Em sua apresentação, Cruis’n Blast extrapola todos os limites do absurdo estabelecidos por seus antecessores. Em um momento, o jogador está saltando sobre uma cratera aberta por causa de um terremoto. Em outro, está dirigindo sobre um trem enquanto desvia de uma roda gigante desgovernada. Dinossauros, discos voadores, tufões, helicópteros que atiram na pista… tudo isso está presente. O jogo nunca se leva a sério, diferenciando-se dos demais games do gênero e tornando a jogatina inusitada, pelo menos em suas primeiras horas.

Todas as pistas da versão arcade foram incluídas nesse lançamento para Switch. Os circuitos Death Valley, Madagascar, Londres, Singapura e o nosso Rio de Janeiro foram recriados com as limitações do console híbrido em mente. É nítido que, para fazê-los rodar na plataforma, uma série de cortes tiveram que ser feitos. No Switch, os níveis têm efeitos de iluminação mais simples, ambientes com menos detalhes e uma quantidade menor de elementos. Porém, sendo esse o primeiro trabalho da Raw Thrills em um console de mesa, o port está muito bem feito, mantendo-se em Full HD no modo TV (720p no modo portátil) e alcançando os 60 fps em grande parte do tempo no modo single player e em algumas configurações para multijogadores.

No entanto, para poder se adaptar a uma realidade em que uma sessão de jogo dura mais que uma ficha em um fliperama, a desenvolvedora precisou acrescentar mais conteúdo ao título. Novas pistas foram incluídas, mas é aqui que as coisas começam a transparecer um certo desleixo.
O Rio de Janeiro continua lindo


No total, 24 circuitos inéditos, divididos em seis copas, foram adicionados. Entretanto, categorizar todos como "inéditos" é forçar um pouco a barra. Na realidade, o game possui somente quatro pistas totalmente originais. O restante são variações de outros níveis, baseadas nos temas de cada copa. Por exemplo, o Dino Tour incorpora dinossauros a algumas fases já existentes. Já o UFO Tour faz a mesma coisa, mas com naves espaciais.

Os circuitos não deixam de ser divertidos, mas não dá para não notar a maneira utilizada para inflar artificialmente a quantidade de novidades. Se os OVNIs, tiranossauros, mísseis de helicópteros ou tempestades interferissem no andamento das corridas, até poderia-se justificar essa decisão. Entretanto, esses elementos em nada alteram as disputas. Eles, na verdade, possuem animações e ações pré-programadas que acontecem em sincronia com o movimento dos veículos. Somente os policiais do Escape Tour provocam algum tipo de dificuldade extra. Dessa forma, a sensação é de se estar correndo pelos mesmos mapas várias e várias vezes.

É importante ressaltar que algumas dessas pistas são extremamente curtas, durando menos de um minuto para serem completadas. Como não há minimapas ou qualquer outro tipo de indicador na hub que mostre o progresso na corrida, o fim da disputa chega de forma inesperada. Nesse momento, tentar ultrapassar os oponentes torna-se difícil devido a um desbalanceamento na inteligência artificial dos CPUs que faz com que quaisquer ações do jogador não afetem a posição dos demais veículos, o chamado rubberbanding.
O Rio continua… cheio de dinossauros?


Carros, OVNIs e unicórnios

Um inédito sistema de desbloqueio de carros e itens cosméticos também foi incluído para prolongar a durabilidade de Cruis’n Blast. Assim como com as pistas, ele traz uma deliciosa quantidade de bizarrices de um lado, mas questionáveis decisões de design de outro.

O rol inicial de automóveis possui nomes comuns, como Nissan GT-A, Corvette Stingray, Cadillac Eldorado 1959 e Hummer. Porém, essa lista pode ser aumentada com veículos desbloqueáveis, incluindo dos mais inusitados, como carros de polícia, tanques e ônibus ingleses, aos completamente malucos, como unicórnios, tubarões-martelo, triceratops e naves espaciais.

Cada veículo pode ser incrementado com alterações estéticas. Luzes neons, decalques, latarias extravagantes e grandes motores são gradativamente liberados ao aumentar o nível dos carros. Com cada corrida, o jogador acumula pontos de experiência, provocando o level up, que também amplia atributos como aceleração, velocidade, poder do turbo e manuseio offroad.

Não tem sensação mais esdrúxula e incrível do que customizar o dinossauro com neons chamativos ou colocar um laser na cabeça do tubarão e vê-los correr páreo a páreo com automóveis tunados. É um nonsense que diverte justamente ao jogar a verossimilhança para o espaço.
Uma nave espacial ganhando um troféu com formato de um dinossauro não é algo que se vê todos os dias


Contudo, o método de destravamento dos carros e itens é um pouco sinuoso. Para desbloquear os conteúdos, o jogador é desafiado a completar algumas tarefas. Além do já citado aumento dos níveis dos veículos, é necessário completar as copas em primeiro lugar e coletar uma série de chaves espalhadas pelas pistas. Esse último desafio é interessante, pois adiciona um aspecto de caça ao tesouro ao gameplay.

No entanto, ao concluir esses achievements, os respectivos itens não desbloqueiam automaticamente. É preciso comprá-los com dinheiro in-game para, enfim, usufruí-los. O game usa dois tipos de moeda: cédulas à la dólares e as próprias chaves anteriormente coletadas.

Devido a uma falta de balanceamento, pode acontecer de o jogador não possuir dólares ou chaves para pagar pelo item que acabou de destravar. Isso não é tão sentido com as cédulas comuns, pois são dadas com abundância ao final das partidas, podendo até ser recolhidas durante as corridas. Já as chaves, por serem raras, são mais passíveis dessa situação. Liberar aquele veículo surreal só para saber logo em seguida que não consegue usá-lo por falta de moedas é frustrante.
O complicado caso de ter chaves suficientes para desbloquear o veículo, mas não conseguir comprá-lo


Modos vazios

Quando o assunto são os modos de jogo, Cruis’n Blast também se mantém nessa linha do “divertido com falhas”. Sozinho, é possível participar das copas temáticas, jogar as pistas da versão arcade, encarar desafios contra o relógio e correr disputas individuais. Embora repletos de corridas empolgantes, esses modos acabam se esvaziando muito rapidamente ao colocarem as pessoas nas mesmas pistas recicladas várias vezes.

As copas, com seus diferentes níveis de dificuldade, até trazem bons confrontos contra os CPUs, porém quem se dedicar a ganhar o troféu de ouro em cada uma, fará isso em pouco tempo. Eu, por exemplo, consegui conquistar todos em cerca de dez horas. Provavelmente alguém com mais habilidades é capaz de zerar em bem menos tempo. O game também dá uma colher de chá ao jogador, permitindo reiniciar corridas das quais o resultado não foi o esperado.

Uma estranha omissão nesses grand prix, vale acrescentar, é da tabela de pontuação que mostra quem está na frente durante o torneio. O título não informa a colocação dos pilotos entre disputas, tornando difícil monitorar vitórias e derrotas para saber se o cobiçado prêmio dourado será alcançado.

A falta de um single player robusto poderia ser compensado com um modo online cheio de diferentes tipos de confrontos, mas não há a possibilidade de jogar com amigos ou desconhecidos pela internet. A única opção multiplayer é local, seja em um único Switch ou em um lobby com mais de um sistema.

Com mais de uma pessoa, a taxa de quadros por segundo tem uma queda perceptível, mas nada que atrapalhe a experiência. O bom de ter vários corredores ao mesmo tempo no mesmo local é que, além de remeter aos divertidos clássicos multijogadores do passado, todos podem ajudar a coletar chaves e dinheiro nos circuitos, tornando as corridas mais colaborativas em termos de liberação de conteúdo.



Aliás, esses colecionáveis podem ser obtidos em todos os modos, não importa o número de desafiantes ou a dificuldade. Isso provoca uma característica que tanto beneficia quanto atrapalha o game, já que, teoricamente, não é necessário disputar os torneios mais difíceis para conseguir as chaves. Basta entrar no Time Trials e acelerar devagarinho, escaneando a pista inteira atrás desses itens. Essa é a maneira mais rápida de destravar carros e é bom para aqueles que têm mais dificuldade com o jogo. Porém, ao mesmo tempo, isso tira parte da motivação de fechar o título no Hard e no Extreme.

Bom, mas podia ser melhor

Cruis’n Blast é o curioso caso de um jogo ótimo por fora, mas vazio por dentro. A jogabilidade principal é estimulante, com corridas rápidas e controles responsivos. Os circuitos, com seus saltos gigantescos, situações comicamente absurdas e elementos inesperados, deixam as partidas divertidas. Já os veículos, podendo ir dos mais simples aos mais fantásticos, dificilmente são vistos em outros games do gênero.

Porém, tudo ao redor desse gameplay é raso. A pouca variedade de modos single player; a ausência de disputas online; o reaproveitamento das mesmas nove pistas com temas diferentes; o sistema de desbloqueio incômodo e pequenos problemas de design, como a falta de minimapas nas corridas ou de tabela de pontuação nas copas, fazem desse um bom retorno da franquia, mas não o melhor possível.

Prós

  • Corridas muito mais rápidas e dinâmicas do que em jogos anteriores da série;
  • Controles responsivos, permitindo bom uso do sistema de turbos via derrapagens;
  • Pistas deliciosamente bizarras, cheias de saltos gigantescos, dinossauros, OVNIs e outros elementos;
  • Veículos igualmente absurdos e customizáveis, incluindo unicórnios, ônibus ingleses e helicópteros;
  • Bom port, com Full HD e 60 fps no modo TV;
  • Modos multiplayer permitem que todos coletem dinheiro e chaves para desbloquear conteúdos, tornando-se uma experiência mais cooperativa;
  • Colecionáveis que desbloqueiam veículos e itens cosméticos não exigem que se jogue nas dificuldades mais altas, permitindo que pessoas de todas as habilidades possam liberar os conteúdos.

Contras

  • Grande parte das pistas novas são somente variações temáticas dos mesmos nove níveis originais;
  • Certos circuitos são muito curtos, fazendo com que a falta de um minimapa seja sentida;
  • Modos single player excessivamente simples;
  • Copas não possuem tabelas de pontuação, tornando difícil saber quem está na liderança
  • Não há opção de multiplayer online;
  • Colecionáveis que desbloqueiam veículos e itens cosméticos não exigem que se jogue nas dificuldades mais altas, tirando a motivação para concluir os desafios nos níveis Hard e Intense.
Cruis’n Blast - Switch - Nota: 6.5
Revisão: Janderson Silva
Análise produzida com cópia digital cedida pela GameMill Entertainment




Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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