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Análise: Blanc (Switch) é uma aventura cooperativa adorável que poderia ser melhor elaborada

O título traz uma proposta breve, simples e minimalista que tematiza a cooperação e a despedida.


Desenvolvido pelo estúdio indie francês Casus Ludi, sob a direção de Rémi Gourrierec, e publicado pela Gearbox Publishing, Blanc é um singelo adventure artístico com audiovisual monocromático minimalista, mecânicas simples de puzzle e uma breve história que aborda a importância da cooperação entre seres diferentes, além de conceitos como confiança e assistência.


Seguindo dois personagens ao mesmo tempo, com controles independentes, o jogo requer co-op entre dois jogadores para uma experiência adequada, embora em single player seja possível alternar os controles de um e outro. No meu caso, joguei cooperativamente com minha colega de redação Karina Morais.

Uma narrativa com boas ideias, mas sem muito desenvolvimento

Com design narrativo de Florent de Grissac, Blanc oferece uma trama rápida, com cerca de duas horas, o que não é um problema por si, mas na prática resulta em um pobre desenvolvimento de suas premissas.

A escolha por uma campanha curta é conveniente com o fato de praticamente exigir a jogatina multiplayer e também valoriza o tempo dos jogadores diante de um enredo sucinto; além disso, ela possibilita que ambos tenham facilmente uma experiência contínua — ou seja, podem começar e terminar o jogo juntos em uma mesma sessão de jogatina.


A história conta a jornada de um lobinho e um cervinho que se perderam de seus respectivos bandos. Na tentativa de alcançá-los, os dois jovens animais seguem as trilhas de pegadas deixadas pelos adultos. Ocorre que essas trilhas se cruzam, de modo a fazer com que os infelizes desgarrados se encontrem.

Inicialmente, os protagonistas agem de forma independente, mas logo se deparam com situações em que precisam cooperar um com o outro, mesmo que não possam se comunicar de forma direta. Isso somente é possível pelo fato de serem novinhos.


Naturalmente um lobo deveria ser hostil ao cervo, e esse último teria medo daquele; porém, como eles são muito jovens, não sabem exatamente o “papel” de cada um na cadeia alimentar do ecossistema em que se encontram.

À medida que essa cooperação mostra-se frutífera para ajudá-los a avançar por obstáculos no decorrer do caminho, ambos começam a confiar mais um no outro e estabelecer um elo emocional. Outra consequência interessante dessa experiência é que eles passam a se interessar em ajudar outros animais que encontram no caminho, como quando se dedicam a ajudar patinhos a seguir com sua mãe durante uma ventania.


Essa curta trama está ambientada em um local frio e gélido. Em boa parte dos cenários também se pode notar estruturas humanas, como casas inteiras, cercas, muros, pontes e canos. No entanto, é um local invadido por grossas camadas de neve, o que sugere que estão inabitadas há muito tempo.

Neste contexto, esses e outros animais são os únicos personagens interessantes para o enredo, e os objetos humanos aparecem principalmente como obstáculos que colocam em perigo os bichos do bioma, considerando as limitações de cada um em sua respectiva espécie.


A despeito do fato de que a trama requer um bom nível de tolerância com licença poética humanística para a cooperação entre animais de espécies tão distintas, a mensagem que Blanc se propõe a comunicar é interessante enquanto uma espécie de fábula, ao mesmo tempo que sutilmente crítica com o “legado” da humanidade para essas criaturas. Contudo, o jogo não consegue desenvolver tão bem suas ideias.

O roteiro não se preocupa muito com o fato de que os bandos são de espécies que não seriam compatíveis para uma cooperação (sendo um deles carnívoro e outro herbívoro). Seria conveniente que esse aspecto fosse explorado, ao menos no final. Também soam abruptas e inverossímeis as ajudas prestadas pelos protagonistas a animais aleatórios que encontram pelo caminho.

Ademais, a própria conexão emocional entre o lobinho e o cervinho também poderia ser melhor desenvolvida para que o final tivesse mais impacto. Não há dúvidas de que é possível criar jogos impactantes e interessantes em uma trama curta e silenciosa, e Inside é um bom exemplo, porém Blanc passa longe de ser um caso muito bem-sucedido, mesmo que não chegue a ser ruim.

Design econômico, mas com uma simplicidade pouco interessante

Com level design de Mathieu Leclercq, Steven Cruz e Arthur Peralta, Blanc oferece uma jornada breve, bastante fácil e linear com apenas três controles, para andar, pular e interagir.

O pulo é simples e fácil de utilizar, e o botão de interação serve para pedir ajuda de seu parceiro ou para ajudá-lo. Esse design especializado em cooperação remete aos jogos de Josef Fares, como Brothers: A Tale of Two Sons e It Takes Two, mas infelizmente não é tão criativo ou emocionante quanto.


O lobo é o único capaz de cortar amarras com seus dentes afiados, enquanto o filhote de alce é maior e consegue pular mais alto, podendo ainda se abaixar para servir de escada para o lobinho. Juntos, podem também empurrar alguns objetos pesados pelo cenário. Esse moveset claramente reflete um esforço minimalista para traduzir personalidade e cooperação.

Essa escolha funciona bem em sintonia com a simplicidade da narrativa e do design visual de Blanc, seguindo as tendências do design por subtração de Fumito Ueda, diretor de títulos como Shadow of the Colossus. Contudo, essas mecânicas não são bem exploradas em termos de progressão de dificuldade e também não são desenhadas de forma particularmente reflexiva e significativa.

Além disso, não contribui a forma como são introduzidos novos animais para a coordenação das mecânicas; eles surgem de forma muito ocasional e repentina. Deve-se acrescentar também que os puzzles são simplórios e a única dificuldade deles está na falta de uma boa câmera fixa em alguns momentos. Por outro lado, é uma jogatina prática e acessível e que pode servir para passar um tempo gostosinho com seu player 2.

Audiovisual subtracionista e carente de charme e refinamento

Com conceito e personagens de Raphaël Beuchot e ambientação 3D de Tiphaine Hardy, Blanc traz um design totalmente monocromático, cuja escolha remete ao conceito chinês de complementaridade e movimento entre opostos, comumente representado pelo símbolo Yin-yang em preto e branco, ao qual o ícone do jogo faz uma clara alusão. Essa ideia é conciliada com traços minimalistas para as delimitações do cenário, embora as estruturas humanas tendam a ser mais detalhadas.

Embora sejam boas ideias para a proposta do jogo, fazem falta cutscenes mais encantadoras, e a animação dos personagens secundários (outros animais) na trama é muito robótica, o que prejudica a sensibilidade que podemos ter com eles. Além disso, o cenário poderia ter efeitos de luz e/ou algum estilismo mais contemplativo.


Por fim, o delineamento dos objetos às vezes é um pouco ambíguo; nem sempre é simples saber o que exatamente pode ser usado para interação e pode haver confusão para saber os limites do cenário. Esses problemas se agravam eventualmente em momentos em que a câmera fixa não se encontra em uma posição adequada para a jogabilidade de ambos os personagens.

Contudo, o jogo ainda é bonito em sua forma elegante de representar a natureza misturada com construções humanas. Embora pudesse ser mais desenvolvida, achei particularmente interessante a ideia de fazer traços do cenários que às vezes tornam-se mais minimalistas e até um pouco impressionistas, capturando a sensação de movimento e falta de nitidez meio à ventania. Confira um exemplo na imagem abaixo.


A trilha sonora foi composta por Louis Godart, também encarregado da direção de som, e acredito que constitua um dos pontos altos do game.

Não que as faixas tenham algo de muito especial, mas seu estilo minimalista, sorrateiro e com melodias incidentais combina com o design simples, imersivo e subtracionista do game. Também faz um bom casamento com seu aspecto monocromático o fato de as músicas serem, em grande parte, centradas no piano. Confira um pouco de seu design de som e música no trecho de vídeo abaixo:

Charme e acessibilidade que não despertam interesse

A despeito de alguns pequenos tópicos técnicos a serem refinados e da simplicidade em vários aspectos ser significantemente detrimental do aproveitamento do potencial narrativo e de gameplay, Blanc possui um charme único no visual de seus personagens e um bom conceito geral para a obra, e consegue propiciar uma experiência acessível, sucinta e relaxante de forma cooperativa.

Com algumas ressalvas, o título é recomendado a jogadores casuais que apreciem propostas artísticas minimalistas aplicadas ao trabalho em equipe.

Prós

  • Gameplay acessível, coerente em design e econômica em mecânicas;
  • Alguns conceitos sensíveis interessantes para a narrativa;
  • Uma experiência cooperativa agradável e prática;
  • Estilo visual elegante, com algumas boas ideias para os cenários e com personagens carismático;
  • Uma trilha sonora apropriada para a proposta minimalista do game e para a imersão.

Contras

  • Level design simplório, muito fácil e não tão cuidadoso na adição de novos elementos para a experiência ludonarrativa;
  • As mecânicas não são tão desenvolvidas como poderia para uma experiência cooperativa mais engajante;
  • História muito curta e com conceitos que não são tão desenvolvidos em seu potencial em termos emocionais e de reflexão crítica;
  • Algumas arbitrariedades que, da forma como foram implementadas, não contribuem muito para o peso de uma experiência que, por sua brevidade e natureza minimal, precisa ser bem pensada em seus detalhes;
  • Alguns pequenos problemas técnicos, sobretudo em câmera fixa, e um estilo de cenário que poderia ser mais refinado e ampliado.
Blanc — PC/Switch — Nota: 7.0
Plataforma usada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Player 2: Karina Morais
Análise produzida com duas cópias digitais cedidas pela Gearbox Publishing

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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