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Análise: Labyrinth of Zangetsu (Switch) é um DRPG mediano, mas com um visual único e inspirado

Com ressalvas, o título é um bom DRPG tradicional, bacana e com um belo conceito, mas deixa a desejar em profundidade, polimento e criatividade.


Desenvolvido pela ACQUIRE em parceria com a KaeruPanda, sob a direção de Okuda Kaku, e publicado pela PQube, Labyrinth of Zangetsu é um RPG em estilo dungeon crawler (DRPG) em primeira pessoa com uma ambientação inspirada em parte da arte e do folclore do período medieval japonês. O jogo conta a história de uma tinta amaldiçoada (Ink of Ruin) que tem se espalhado por uma região do Japão, aprisionando seus habitantes, cobrindo-os em escuridão e cercando-os com armadilhas mortais e criaturas sombrias.

Uma premissa interessante, mas com uma execução narrativa muito simplória

O conceito do mundo, projetado por Nishida Shatner, é bastante interessante, embora guarde semelhanças com alguns outros jogos já conhecidos. A ideia é criar um vínculo mais íntimo entre o design narrativo e o design audiovisual, fazendo com que o estilo de pintura oriental sumi-ê (墨絵) não apenas dê vida a um mundo de tinta que cerca o jogador como também tenha a ver com a trama contada em um contexto feudal japonês, ou seja, um contexto com elementos comuns aos séculos XII~XVI no País do Sol Nascente.

É interessante notar que o jogador tem uma experiência contrastante entre locais com design minimalista e estilizado tingidos por uma tinta amaldiçoada, onde trava suas batalhas, e locais protegidos que possuem um design mais realista, detalhado e colorido na forma como são ilustrados. A ideia é que uma parcela do país está sendo invadida por essa tinta, a qual não apenas estiliza os caminhos e construções por onde passa, mas também dá vida a criaturas do folclore japonês que antes só eram conhecidas nas ilustrações da época.


Esse conceito fantástico é muito interessante para fazer colidir um contexto de ficção histórica com seu respectivo imaginário artístico. O problema é que a execução em termos de design narrativo deixa muito a desejar, a começar pelo fato de que a base historiográfica é muito fraca, com exceção da arquitetura e um pouco do figurino. A ficção prevalecer em uma obra não é necessariamente um problema, porém essa premissa se beneficiaria bastante de uma concomitância com personagens, eventos e cenários históricos, tal como ocorre em Pentiment (Multi), porém em contexto medieval europeu.

À parte da questão histórica, o argumento em si também se desdobra de um modo muito simples e previsível. Basicamente, o jogador assume um grupo de guerreiros que se infiltra nos locais amaldiçoados, derrota os inimigos que encontra no caminho e descobre um jeito de desfazer a maldição, e assim segue até chegar a uma torre de onde esse estranho fenômeno começou. As explicações para os acontecimentos são breves e bem superficiais.

É interessante salientar que nem todas as criaturas são hostis, há algumas que inclusive negociam com o grupo de guerreiros, mas infelizmente coisas assim ficam muito “no ar”; a relação entre o mundo “real” e o mundo espiritual de tinta é extremamente subdesenvolvida e pouco justificada em vários pontos. Para agravar a situação, os personagens são todos avatares customizáveis, sem personalidade em papéis na história e com algumas variações de raças com um background narrativo quase nulo.

Um gameplay genérico e frustrante de dungeon crawler

A base dos RPGs que chamamos de dungeon crawler vêm da clássica série ocidental Wizardry, uma das primeiras em RPG, iniciada em 1981. Ela evoluiu com o tempo, mas conservou algumas mecânicas que se tornaram a base da maioria dos jogos do gênero, como visão em primeira pessoa, criaturas míticas sombrias, level design labiríntico e escuro, e combate por turnos com uma party com personagens customizáveis, pensados em função do gameplay muito mais do que em seus papéis no enredo. Esses e outros traços do estilo estão presentes inclusive no lançamento de 2020, Wizardry: Labyrinth of Lost Souls (PC/PS3), também desenvolvido pela ACQUIRE.

Labyrinth of Zangetsu opta por seguir essa tradição mais do que explorar a interessante premissa de sua arte para mecânicas e sistemas. Há sim algumas implementações que poderíamos salientar, como o fato de ter encontro visual, e alguns deles estar associado a vasculhar o cenário tingido, ou o fato da escuridão estar associada à tinta escura, ou mesmo o fato de podermos pisar em “lodos de tinta”. Porém, muito mais poderia ter sido feito, se lembrarmos de jogos como Okami (Switch), por exemplo, que trabalhou com tanta criatividade o folclore japonês junto da arte e da escrita do Japão.


O problema permanece quando avaliamos a jogabilidade também através de seus sistemas clássicos de dungeon crawler. O level design dos labirintos não é particularmente interessante. Você não verá essencialmente nada aqui muito diferente do que se pode encontrar em outros jogos do gênero. Há alguns pequenos puzzles no labirinto, como através de pontos de teletransporte e chaves, e cenários muito escuros e com armadilhas no chão ou em baús que podem fazer você se sentir encurralado, caso não tenha tocha, um personagem na classe ladrão (Thief) e alguns itens consumíveis.

Além de Thief, você também tem algumas outras típicas classe, como guerreiro/samurai, arqueiro e mago; além disso, uma meia dúzia de classes que variam em atributos. O jogo traz uma diversidade razoável, mas muito pouca se comparado a outros dungeon crawlers, como Undernauts: Labyrinth of Yomi (Switch), que também partem da premissa de priorizar a customização acima do enredo.


Com um grupo de seis personagens, você sai da cidade e parte para a aventura. Se algum deles morrer, você precisará retornar e pagar uma fortuna para ressuscitá-lo, ou então terá de começar a evoluir outro desde o nível 1. Da cidade é relativamente fácil ir para outras localidades, mas pode ser trabalhoso conseguir retornar para a cidade para comprar coisas e ressuscitar unidades, e então ser bastante frustrante esse “vai e vem”. Às vezes, parece que isso cumpre apenas um papel de estender a aventura desnecessariamente. Não fosse isso, acredito que seria possível chegar ao fim em 15 horas ou menos.

O combate por turnos com esse gerenciamento de party, embora bastante clássico, funciona bem e de forma rápida. Também é legal como a classe Thief, por exemplo, é muito mais voltada para lidar com armadilhas e baús do que com combate em si. Por outro lado, acho que essa e outras classes poderiam ter intervenções mais interessantes no level design. O mesmo vale para as criaturas. Apesar dos encontros serem visuais, elas costumam ser representadas de forma estática ou como uma figura estacionada em um lugar ou como uma fumaça. A simplicidade do level design deixa esse gameplay muito aquém de outros jogos recentes no gênero das séries Etrian Odyssey e Shin Megami Tensei.

Uma arte marcante com uma sonoridade apropriada

Sem dúvida, o ponto forte de Labyrinth of Zangetsu está em sua arte com desenhos à mão com traços de pinceladas em estilo oriental de sumi-ê, o que lembra, por exemplo, pinturas do movimento Ukiyo-e, porém, com um tom mais sombrio que combina com o que se espera da temática de horror e exploração em dungeon crawler.

Eu gostei particularmente das texturas de pintura desenhadas por Yabu Shoko. Elas são leves e graciosas ao mesmo tempo que sombrias e labirínticas, mesmo em céu aberto. O mapa vai se formando aos poucos, assim como o horizonte, como se estivéssemos dentro de um desenho incompleto.

A atmosfera também combina com o design mais sério dos personagens, desenhados por Morino Hiro. Seus monstros também são assustadores e inspirados no folclore, dando uma certa coerência àquele mundo, mesmo que pareçam pouco originais ou destacados. Algo semelhante ocorre com o design de som,pois ele traz elementos orientais adequados para o contexto ficcional, mas também não consegue ser muito marcante em seus efeitos ou em sua trilha sonora. Confira no trecho de vídeo abaixo um pouco da dinâmica do audiovisual in-game.

Um dungeon crawler mediano com um visual bem inspirado

Apesar de ser simples, pouco interessante em narrativa e game design e ter algumas decisões que frustram a progressão do jogo, Labyrinth of Zangetsu possui um design visual único e elegante de pintura japonesa, funciona bem como um dungeon crawler tradicional, especialmente considerando sua customização e variedade de armadilhas, bem como tem uma ambientação consistente medieval e folclórica. O título é recomendado a quem esteja atrás de um dungeon crawler em estilo tradicional, mas não tão longo e com um visual diferenciado e oriental.

Prós

  • Uma arte bonita, elegante e bem inspirada em pintura sumi-ê;
  • Um contexto narrativo coerente com o estilo artístico que propicia uma mescla interessante entre a história medieval japonesa e seu folclore;
  • Customização razoável para o grupo de personagens e com classes equilibradas para a aventura.

Contras

  • Um design narrativo muito simplório e superficial que não aproveita como poderia os aspectos artísticos do game;
  • Audiovisual poderia ser mais aprimorado, diverso e marcante;
  • Customização de personagens poderia ser muito melhor e variada, considerando que os personagens possuem papéis supérfluos na trama;
  • Level design muito simples, breve e pouco inventivo, além de com algumas escolhas que tornam frustrante o vai e vem entre a dungeon e a cidade.
Labyrinth of Zangetsu — Switch/PS4/PC — Nota: 7.0
Plataforma utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela PQube

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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