Análise DLC

Análise: Gerda: A Flame in Winter — Liva's Story (Switch) é o lado quente da Segunda Guerra

A DLC traz um olhar mais duro e vingativo da resistência norueguesa e uma experiência narrativa mais dinâmica e dramática para os jogadores.

em 23/06/2023

Desenvolvido e pelo estúdio indie dinamarquês PortaPlay, sob a direção de Hans Von Knut Skovfoged, e distribuído pela Dontnod Entertainment (publicadora de Life is Strange e Tell Me Why), Gerda: A Flame in Winter — Liva's Story é um DLC que expande a história de Gerda: A Flame in Winter, um RPG narrativo ambientado na Dinamarca durante o período da Segunda Guerra Mundial. Complementando a história principal do jogo, o DLC traz uma perspectiva da guerra sob o olhar de Liva, uma personagem que lidera um pequeno grupo de resistência local contra os alemães.

As dificuldades da resistência na Dinamarca durante a Segunda Guerra

O DLC Liva’s Story continua a história escrita por Ida Broni Christensen e Damir Omic para Gerda: A Flame in Winter. Na verdade, é possível jogar essa história em paralelo, mas a campanha principal começa com eventos anteriores, considerando a cronologia. Assim como o jogo base, a trama se passa em meio à Segunda Guerra Mundial e é ambientada na Dinamarca.

A proposta de ficção histórica do game é bastante interessante para dar mais visibilidade ao contexto da Segunda Guerra fora dos país que costumam ter mais cobertura em obras ficcionais, como Alemanha, Japão, Itália, França e Inglaterra. E algo especialmente interessante que a DLC traz é um ponto de vista íntimo da resistência. Enquanto Gerda era uma enfermeira civil com implicações indiretas no rumo do conflito interno, Liva lidera uma parte da resistência com arma em mãos e suas decisões levam a consequências imediatas.


Nesse contexto, o temperamento diferente de Liva também é perceptível. Ela não é tão empática e insegura como Gerda, mas, sim, destemida e segura, com sentimentos que oscilam entre desejo de vingança e desejo de justiça. Por um lado, Liva possui um forte sentimento de dever com a pátria e com seus companheiros; por outro, nutre forte desconfiança e ódio por seus inimigos.

Essa polarização leva o jogador no decorrer da história a tomar decisões difíceis não apenas de sacrifícios pessoais para Liva, mas também sobre o quão confiáveis são de fato seus companheiros e o quanto vale a pena colocá-los em perigo por motivos maiores. Além disso, o jogador é frequentemente confrontado por visões diferentes do que é o certo a se fazer durante o conflito: os membros principais da resistência apresentam opiniões e posturas distintas, as quais muitas vezes são irreconciliáveis.

Várias escolhas por um caminho linear

Em linhas gerais, o game design liderado por Shalev Moran segue os mesmo princípios, mas a interatividade in-game no DLC está mais linear e homogênea. Na campanha principal, nós tínhamos periodicamente a opção de escolher para onde levar então protagonista (Gerda), dentro de um determinado perímetro da cidade, e tínhamos a acesso a uma camada a mais de simulação, mesmo que simples.

Isso não ocorre em Liva’s Story. Dessa vez, o jogador segue a nova protagonista (Liva) em uma sequência determinada de cenários, os quais, aliás, são espacialmente mais limitados para explorar e possuem um gameplay menos variado.


Enquanto na campanha principal nós tínhamos alguns momentos com dinâmica um pouco diferente, como de procurar itens em uma dinâmica de stealth, no DLC o gameplay se resume a uma experiência mais puramente de conversa e escolhas de linha de diálogo. 

Por outro lado, a experiência dinâmica da narrativa é um bom complemento. Liva’s Story segue os mesmos parâmetros de RPG de mesa, com probabilidade de dado para algumas escolhas, tendo a ser mais positiva ou negativa conforme escolhas prévias que melhoram sua reputação com seus aliados e conferem à protagonista mais pontos em Duty, Fury e Care. Esses status são diferentes daqueles de Gerda: Compassion, Insight e Wit.


Há várias escolhas a se fazer que foram bem projetadas para levar a consequências diversas. Mortes podem ser evitadas, há julgamento variados dos personagens na trama e há algumas poucas variações de cenário relativas às escolhas do jogador. A experiência do DLC de causa e consequência é mais direta e forte, em comparação àquela da história principal.

Sem entrar em spoilers, vale destacar que esse DLC também é interessante do ponto de vista do enredo, pois Liva e os demais personagens principais têm papéis importantes na campanha principal. Com a história da Liva, ficamos sabendo de decisões de background que influenciaram diretamente na aventura de Gerda.

Os mesmos problemas de polimento audiovisual

Sob a direção de Caroline Fangel, o DLC de Gerda retorna com o mesmo estilo de arte, trazendo modelos minimalistas para os personagens, câmera aérea e cores um pouco chamuscadas e pálidas. Os cenários lembram-me vagamente das pinturas invernais de Pieter Bruegel, o Velho, mas com um traço mais impressionista. As escolhas estéticas são adequadas para a ficção histórica, mas o problema persiste na falta de polimento e em quedas de quadro em cutscene com movimento de câmera.

Os espaços para se movimentar em game estão ainda mais limitados do que na campanha principal, e alguns fatores prejudicam a imersão. A falta de polimento das sombras e a simplicidade dos modelos dos personagens, por exemplo, afetam a dramaticidade de algumas cenas, o que se agrava com a animação muito rígida e, às vezes, com alguns pequenos bugs, como quando eventualmente um personagem passa por dentro de alguns objetos.


Olhando pela perspectiva do copo meio cheio, o design de som e música de Jakob Støvring Hansen e a iluminação estão razoáveis. A campanha principal possui alguns cenários com iluminação muito carregada, mas aqui isso foi suavizado; e há boas músicas em estilo de época que tocam em vitrolas eventualmente, contribuindo para a experiência histórica.

Por outro lado, o jogo continua um tanto quanto pobre em efeitos sonoros do ambiente, dublagem apenas na introdução de cada capítulo e com uma espacialidade musical não muito boa. Se você está ouvindo uma música em um cômodo, por exemplo, dentro dele o som pode ficar mais ou menos distante, mas se você passa por uma porta, no cômodo ao lado, mesmo que a porta permaneça aberta, o som da música é cortado abruptamente.

Um bom complemento para a história de Gerda

Apesar de persistirem os problemas técnicos, e em alguns aspectos o gameplay estar mais limitado, Gerda: A Flame in Winter — Liva's Story traz um olhar complementar àquele de Gerda. O olhar mais vingativo e voraz de Liva faz jus ao calor da guerra e propicia um contraste com a perspectiva anterior, complementando-o. É interessante notar como essas duas visões coexistem no mesmo período histórico e como a mudança de escrita de personagem altera também a experiência narrativa, pois as relações de causa e efeito das decisões são sentidas de forma mais rápida. Este DLC certamente agradará a quem gostou da campanha original.

Prós

  • Um bom complemento à experiência de ficção histórica na Segunda Guerra, trazendo um olhar menos inocente e mais belicoso da resistência interna na Dinamarca;
  • Mais dilemas morais interessantes e bem escritos, agora com um tom mais dramático e imediato que faz jus ao temperamento da nova protagonista e ao contexto de linha de frente no conflito;
  • Há boas escolhas para a cenografia e para a imersão de época.

Contras

  • Persistem questões de simplicidade e de falta de polimento em modelos de personagem, animação, cenários pequenos, pouco efeito sonoro e alguns outros fatores;
  • A experiência narrativa está mais linear e limitada a um trajeto determinado de cenários, o que torna a liberdade um pouco mais restrita;
  • Há menor diversidade de gameplay, agora o game design é praticamente restrito a escolhas de diálogo;
  • Quedas de quadro em cutscenes com movimentação de câmera;
  • Como se trata de uma trama mais curta, a protagonista é menos contextualizada e sua escrita possui menos nuances.
Gerda: A Flame in Winter — Liva's Story — PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela Dontnod Entertainment

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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