Felizmente, Chronicles of the Wolf — o novo título da Migami Games — esquiva-se habilidosamente dessa armadilha, entregando uma aventura metroidvania que, sim, ostenta suas inspirações clássicas com orgulho, mas consegue se destacar no âmbito atual independentemente delas. Prepare sua espada e vidro de água benta, caro(a) leitor(a), e, sem mais delongas, confira nossa análise!
Crônicas de pelo e sangue
Chronicles of the Wolf nos conta a história de Mateo Lombardo, um aprendiz de Cavaleiro da lendária Ordem Rosacruz. Por centenas de anos, a instituição formada por exemplares guerreiros protegeu a humanidade do mal que se esconde nas sombras, porém seu maior desafio ainda será reconhecido e enfrentado.
Trata-se de uma misteriosa besta em forma de lobo que está aterrorizando a região de Gévaudan, na França, e ceifando a vida de seus habitantes. Para investigar e resolver a situação, Mateo então é enviado para a província junto com um grupo de Cavaleiros da Ordem. A promessa é que, assim que retornasse da viagem, o jovem finalmente alcançaria seu posto como um legítimo Cavaleiro Rosacruz.
Contudo, ao se aproximarem do local amaldiçoado, um ataque sorrateiro da besta acabou custando a vida de todos os guerreiros do grupo — Lombardo foi o único sobrevivente, resgatado por uma misteriosa mulher vestida de verde que o deixou em um albergue da vila mais próxima.
Agora, caberá ao jovem aprendiz a difícil missão de encontrar e matar a fera que continua a aterrorizar e retirar a vida dos habitantes da região. Será que o único membro restante da Ordem Rosacruz em Gévaudan conseguirá cumprir a tarefa? A resposta fica com o jogador.
Diretamente das lendas do século XVIII
Algo bem interessante é que Chronicles of the Wolf é baseado nas histórias reais da “Besta de Gévaudan” — um animal antropófago que, de fato, aterrorizou a antiga província francesa entre os anos de 1764 e 1767. De acordo com os relatos da época, a criatura foi indicada como responsável pela morte de mais de 100 pessoas, a maioria dessas com mutilações no pescoço.
A hipótese mais aceita trata do animal como sendo um grande lobo (ou cão-lobo), mas há quem acredite que a criatura poderia ser um leão subadulto ou uma hiena, talvez fugidos de algum zoológico. Com a intervenção real e a subsequente caça às feras da região, a ameaça foi eventualmente declarada encerrada, porém não sem antes fazer morada no imaginário popular, com filmes, livros e até séries usando de sua narrativa nos séculos seguintes.
A boa notícia é que, aqui, a Migami Games soube aproveitar a lenda para entregar um título de qualidade. Como as capturas de tela que adornam esta análise provam, Chronicles of the Wolf é uma espécie de sucessor espiritual para os Castlevania clássicos, especialmente os da era 16 bits. Logo, os fãs podem esperar um metroidvania com boa narrativa e que segue a cartilha clássica do gênero, com áreas interconectadas cuja exploração está ligada a constantes upgrades e combates memoráveis contra chefes que, não raramente, ocupam quase a tela inteira de jogo.
Apesar da roupagem levemente aterrorizante, a curva de aprendizado (uma das minhas maiores preocupações para com este lançamento) é acessível, e os controles, responsivos dentro da proposta — nada de andar e atacar ao mesmo tempo ou de usar esquivas acrobáticas aqui; mesmo nos confrontos mais simples, é preciso saber a hora de golpear e de se afastar para triunfar sobre os oponentes, bem ao estilo old-school.
Embora essa abordagem possa decepcionar quem gosta de mais agilidade em jogos 2D, a jogabilidade é, no fim, um dos pontos fortes de Chronicles of the Wolf, trilhando um bom caminho entre o contemporâneo e o retrô, na minha opinião. As boss battles, por exemplo, exigem bons reflexos e atenção para aprender os padrões, e a inclusão de um sistema de experiência, ainda que básico, garante que Mateo esteja sempre aprimorando atributos importantes como força, agilidade e defesa, recompensando o tempo investido na aventura e no personagem.
Explorar, voltar, explorar, voltar…
Chronicles of the Wolf, então, acerta na ambientação e na jogabilidade (aspectos essenciais para qualquer metroidvania de respeito), mas, falando dos pontos negativos, desliza um pouco na apresentação e configuração do mapa. Apesar de ser bem legal falar com os moradores e explorar as vilas que compõem esta Gévaudan virtual (bem como seus arredores, compostos por florestas, pântanos e cemitérios), achei o mapa um pouco confuso a princípio — e a ausência completa de um sistema de marcação (como o de Hollow Knight ou qualquer outro metroidvania moderno) não ajudou nessa impressão.
Ou seja, não é muito raro ficar “perdido” e se pegar tendo que voltar a lugares já percorridos (o infame backtracking) para tentar encontrar o caminho que deve ser seguido, arrastando a jogatina sem necessidade. Por mais que algumas placas e diálogos opcionais deem pistas da direção certa, senti que essa é uma área em que o jogo ficou devendo para ser mais fluido.
Outro ponto que precisa ser mencionado é o espaçamento um pouco desbalanceado entre os pontos de salvamento. Como não há um recurso de save automático, não é incomum morrer em combate e ter que repetir toda uma sessão frustrante porque o último save foi realizado há bastante tempo. A ausência completa de opções de dificuldade também interfere nesse quesito, pois um nível mais brando de desafio poderia contar com mais save points, por exemplo, e, de quebra, eliminar um pouco do grinding que acaba sendo servido junto com o sistema de experiência.
De modo geral, essas não são falhas que chegam a comprometer a experiência (acredito que a maioria do público-alvo nem as notará, por exemplo), mas fica a impressão que Chronicles of the Wolf poderia ter se beneficiado um pouquinho mais de pontuais adições de qualidade de vida. Quem sabe em uma atualização pós-lançamento?
O que é um jogo, senão uma pilha de referências?
Voltando aos pontos positivos: o jogo está localizado em português brasileiro e, graficamente, Chronicles of the Wolf se destaca com belos cenários em pixel-art que certamente agradarão aos saudosistas e fãs do clã Belmont. A paleta de cores sóbrias também produziu um verdadeiro espetáculo visual no meu Switch OLED, e felizmente não notei problema algum na performance, mesmo nas cenas mais movimentadas.
Igualmente, a trilha sonora também cumpre seu papel de ajudar na ambientação e simular um conto de fadas sombrio. A presença de Robert Belgrade na narração, dublador do icônico Alucard, de Symphony of the Night, também é uma grata surpresa que ajuda a elevar o valor da experiência, assim como o cameo de Bloodless, vampira de Bloodstained: Ritual of the Night e Bloodstained: Curse of the Moon.
Logo, quanto mais tempo de jogo passa, mais fica claro que aqui temos um jogo feito por fãs do gênero para outros fãs — uma conclusão reforçada quando analisamos a própria trajetória da desenvolvedora Migami Games, que tem em seu portfólio elogiados fangames baseados na lendária série da Konami, como Castlevania Haunted Castle 2 e Castlevania The Lecarde Chronicles.
Portanto, se você busca um metroidvania nostálgico e divertido no Switch, Chronicles of the Wolf é uma escolha segura e capaz de render pelo menos uma quinzena de horas bem gastas (há ainda algumas surpresas para quem chega ao fim e quer um pouco mais, como um modo boss rush). Como citado, só é preciso ter um pouquinho de paciência com o mapa confuso e os pontos de salvamento inconstantes para erradicar de vez a besta e alçar Mateo Lombardo ao merecido posto de Cavaleiro Rosacruz.
A caminho de Gévaudan
Chronicles of the Wolf me surpreendeu positivamente. Representando suas influências com orgulho, a Migami Games entregou um metroidvania cativante, divertido e que acerta em todos os aspectos fundamentais, como narrativa, ambientação e jogabilidade. Para além da nostalgia, portanto, a conclusão é que esta perigosa viagem a Gévaudan do século XVIII merece ser vivida pelos fãs do gênero que não tenham medo de adentrar castelos bidimensionais assombrados. Afinal, já passou da hora de dar fim aos terrores que atormentam a região.
Prós
- Encarna com sucesso o espírito dos Castlevania clássicos, entregando um metroidvania cativante tanto para os saudosistas quanto para quem só busca uma aventura competente dentro do gênero;
- A curva de aprendizado suave e a jogabilidade responsiva dentro da proposta garantem uma experiência agradável ao longo da jornada;
- Fornece uma interessante releitura da história da “Besta de Gévaudan”, com um casamento perfeito entre narrativa e jogabilidade;
- A presença do dublador de Alucard, bem como o cameo de Bloodstained, ajudam a elevar o valor da experiência;
- Sem problemas de performance no Switch;
- Localizado em português brasileiro.
Contras
- A jogabilidade um pouco lenta, fiel aos clássicos 16 bits, pode incomodar quem gosta de metroidvanias mais ágeis;
- O mapa extremamente básico e a ausência de um sistema de marcação podem levar a backtrackings totalmente desnecessários;
- Distribuição desbalanceada de pontos de salvamento;
- Apesar de não pecar na curva de aprendizado, poderia contar com mais opções de dificuldade.
Chronicles of the Wolf — PC/Switch/PS4/PS5/XSX — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópia digital cedida pela PQube






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