Desde o lançamento do Super Nintendo em 1990 a Nintendo liderava as vendas da indústria. Sua posição confortável lhe permitiu estender a vida útil do console e planejar com mais calma o lançamento de sua próxima plataforma. Ao contrário do que acontecera com o Super Nintendo – que fora desenvolvido às pressas –, a Nintendo articulou com Sony e Philips o desenvolvimento de um novo periférico que permitiria ao SNES rodar jogos em CD. Essa mesma tecnologia deveria ser utilizada por seu próximo console. As coisas não sairam conforme planejado. Já era 1993, a antiga aliada Sony estava prestes a lançar seu primeiro console, o PlayStation, e a Big N sequer tinha o fornecedor do chip gráfico do seu próximo console.
A posição da empresa era confortável. Diferente da correria que fora o desenvolvimento do Super Nintendo, agora a Nintendo poderia planejar e arquitetar seu mais novo console levando em consideração as variáveis do mercado. Não havia necessidade de pressa como houvera outrora. Haviam planos de desenvolver um periférico em parceria com a Sony que possibilitaria o SNES ler CDs e, dessa forma, estender mais ainda o ciclo de vida do console. O SNES-CD, como ficou conhecido o periférico, serviria de base para a tecnologia utilizada no próximo console. Por mais estranho que pareça, esse suposto próximo console seria desenvolvido em parceria com a Sony também. Pasmem!
Project Reality
A Nintendo já tinha clara a ideia que um novo console deveria ser lançado para substituir o SNES. Estava trabalhando nisso em parceria com a Sony. Enquanto a Big N cuidava da arquitetura da nova plataforma, sua aliada tomava conta da nova tecnologia de armazenamento e leitura de dados. Depois da confusão causada pelo contrato, e apesar de ter perdido os direitos sobre a tecnologia desenvolvida em parceria com a Sony, a empresa já tinha ido longe demais para largar tudo. O jeito seria aproveitar o que fora feito, adaptando a arquitetura desenvolvida até alí.
O tempo passara, o ano de 1993 chegara. A Sony estava prestes a lançar seu primeiro console, o PlayStation. A Nintendo tinha o projeto, mas não tinha quem o fizesse. Faltavam parcerias para o fornecimento do microprocessador e do chip gráfico do console. Hitachi, Yamaha, Motorola, LSI Logic Corp… todo mundo estava comprometido ou com a Sony, ou com a SEGA. Não havia ninguém disponível. Quer dizer, quase ninguém.
A Silicon Graphics (SGI) era a única empresa que estava mendigando atrás de um contrato. E quando se fala mendigando, eles estavam mesmo. Por meses a empresa bateu nas portas da SEGA na tentativa de vender seu mais novo projeto de sistema de baixo custo de renderização 3D em tempo real. Alegando “falhas de design e deficiências técnicas”, a SEGA rejeitou o projeto várias vezes. Tomando conhecimento da peregrinação da SGI, em agosto daquele ano a Nintendo demonstrou interesse pelo projeto e logo em seguida, em outubro, o anúncio oficial de colaboração entre as duas empresas foi feito. Surgia assim o “Project Reality”.
Demonstração técnica do Project Reality pela Silicon Graphics. Perceba como desde cedo a Nintendo buscava defender o uso do cartucho dizendo que essa “perfomance só é possível com a utilização de cartuchos. Com CDs o desempenho é lento demais”.
Depois de 2 longos anos após o anúncio de parceria com a Silicon Graphics, a Nintendo veio a público com três notícias: duas boas e uma ruim. Uma das boas notícias era que, como se suspeitava, o console não seria 32-bit, mas sim 64-bit; a outra que ele estaria “jogável” no dia 24 de novembro na 7ª Exposição Anual de Software de Shoshinkai, no Japão. A notícia ruim era que o console teria seu lançamento adiado para o primeiro semestre de 1996.
Tais notícias foram suficientes para agitar a mídia especializada, que passou a afirmar que o adiamento ocorrera pela falta de jogos para o lançamento e que as empresas estariam com dificuldades para desenvolver para a plataforma.
Get N, or get Out!
Mesmo com poucos jogos disponíveis no seu lançamento – apenas Super Mario 64, Wave Race 64 e PilotWings 64 –, o console alcançou a marca de 500 mil unidades vendidas no seu quarto mês nos EUA. O preço sugerido de U$250 para o lançamento logo foi reduzido para U$199 e a Nintendo passou a investir pesado em campanhas publicitárias, sendo a mais famosa delas a que utilizava o slogan “Get N, or get Out!”.
Falando em controle, o controle do Nintendo 64 era um item que chamava bastante atenção. Seu formato de tridente com dez botões e um gatilho na traseira, apesar de estranho e gigante, era extremamente confortável e funcional. O Z Trigger, como ficou conhecido o gatilho, proporcionava realismo jamais visto principalmente nos shooters em 1ª pessoa (alguém falou em GoldenEye 007?). Na porta traseira do controle ainda era possível encaixar um acessório. O mais conhecido foi o Rumble Pak que fazia o controle vibrar de acordo com os acontecimentos mostrados no jogo. A sensação de interatividade era inédita. E se você pensa que o DualShock da Sony foi o primeiro controle com o recurso, pode esquecer.
O sucesso incial do console foi inegável. Rapidamente a Big N passou sua rival SEGA e agora estava atrás do PlayStation. Mas alguma coisa fora mal planejada.
Cartuchos antigos em um console novo
Passada a euforia do primeiro ano de vida do console, percebeu-se que o calcanhar de aquiles dele era sua mídia de armazenamento, que ainda utilizava os caros e obsoletos cartuchos. E não é mentira dizer que a Nintendo espantou produtoras e limitou o potencial do console com a utilização dessa mídia.
Antes mesmo do lançamento oficial do console, a Nintendo perdeu a exclusividade sob a série Final Fantasy, que migrou para o console da Sony. Logo em seguida foi a série Dragon Quest. Não demorou muito e a Squaresoft cancelou seu contrato com a empresa e debandou para o PlayStation. Curiosamente, Final Fantasy VII ainda chegou a ser demonstrado na plataforma da Big N.
Demonstração técnica da Squaresoft de FFVII rodando no Nintendo 64 e utilizando os personagens de FFVI
dos cartuchos também era algo que preocupava produtoras e desenvolvedores. Enquanto um CD conseguia armazenar até 650MB de dados, os cartuchos estavam limitados a apenas 32MB. O jeito era sacrificar as famosas animações gráficas (CGs), muito populares à época. Era preciso se virar nos 30 (digo, 32): comprimir texturas, esticar daqui, puxar dalí, repetir acolá. Ah, e nada de músicas cantadas e bem orquestradas também, por favor.
Quando se comparava um jogo lançado para ambas as plataformas, ficou claro que o potencial do Nintendo 64 fora desperdiçado devido a mídia escolhida pela Nintendo. Apenas um único jogo atingiu a mesma qualidade gráfica, sons e animações obtidas nos CD-ROMs – Resident Evil 2! Para tanto a Capcom teve que desenvolver um sistema de compressão de dados para que tudo coubesse em um cartucho turbinado de 64MB – trabalho e dinheiro que nem todos estavam dispostos a “perder”.
Jogos para todos os gostos e pra ninguém botar defeito
Até hoje, 15 anos após o lançamento do Nintendo 64, seus jogos não são o que se pode chamar de “barato”. São raras as situações em que se acha um cartucho em bom estado por menos de R$60. Tendo que repassar os custos de desenvolvimento e produção para os consumidores, era bem comum os jogos superarem a marca de U$80 em seus lançamentos – algo bem difícil nos dias de hoje, mesmo em lançamentos em Blu-Ray e tudo o mais.
Mario Party trazia a alegria das gincanas coletivas para o console; Conker’s Bad Fur Day apresentava o esquilo mais boca suja de todos os tempos; Donkey Kong 64 trouxe o famoso gorila de florestas 2D para uma nova roupagem tridimensional; as séries Fifa e Superstar Soccer agradavam os fãs do tapete verde e rendiam horas e mais horas de boa jogatina.
Recebendo pouco apoio das third-parties (a Konami por exemplo, lançou apenas 13 jogos para o N64 e 50 para o PlayStation), a Nintendo se virou e rebolou para cativar e conquistar os consumidores. O resultado disso tudo foram jogos que permanecem na memória de muitos jogadores até os dias de hoje: Mario Kart 64, Star Fox 64, Paper Mario, The Legend of Zelda: Ocarina of Time, Pokémon Stadium, Super Smash Bros. e muitos outros!
Foram mais de 400 títulos que marcaram época e que agradaram a gregos e troianos. Era perceptível a preocupação da empresa em atender todos os públicos.
À medida que o console ia chegando ao fim do seu ciclo de vida, ficava cada vez mais perceptível que aquele era um console feito para mídias digitais, e não mais os cartuchos. A limitação imposta por esse tipo de mídia forçou as produtoras a desenvolver soluções mirabolantes para explorar ao máximo as capacidades do console. Por custar mais dinheiro que o normal, o mais fácil era abandonar o barco e desenvolver em outra praça. Isso foi sentido principalmente por adoradores de RPG que se sentiram abandonados na plataforma devido a escassez de jogos do gênero.
Muito foi feito para e pelo Nintendo 64 e ele desempenhou um bom trabalho. Mas é inevitável se perguntar: “e se a parceria com a Sony não fosse desmanchada? E se o console rodasse CDs? Como seriam os jogos?”.
Chegando à festa atrasada de novo, a Nintendo lançou o último console de grande importância para a 5ª geração de consoles. Marcada pela tridimensionalização definitiva dos jogos e pela primeira guerra de formato de mídia que se tem notícia nessa indústria, essa foi a geração que mais lançou moda e tendências. A popularização das revistas de vídeo games faziam qualquer um se sentir especialistas no assunto, afinal de contas, bastava falar em quantidade de bits que tava tudo resolvido.
Porém, enquanto a Nintendo combatia e tentava alcançar seu principal rival, uma antiga conhecida da empresa se antecipava para lançar um dos consoles mais impressionantes e que cuja história é tão triste quanto sua morte. Mas esse é assunto para o nosso próximo encontro. Fique esperto, participe nos comentários nos contando suas lembranças e momentos com o Nintendo 64 e até lá!