Discussão

Os altos e baixos de Metroid

Samus está de volta (de novo).


Por mais atrasos que possam ocorrer, fãs de Zelda sempre podem dormir tranquilos sabendo que, em algum dia dos próximos anos, a série receberá uma nova entrada para qualquer que seja o console contemporâneo da Nintendo. Fãs de Metroid não têm esse luxo. A Samus pode ser um dos personagens mais amados da empresa, mas isso não muda as baixas vendas da série, nem apaga as controvérsias que cercam alguns títulos. Então, a cada ano que passa sem um novo anúncio, as esperanças por um novo Metroid diminuem. Nada garante que Samus voltará, até porque não seria a primeira nem segunda vez que passamos uma geração toda sem novidades.

Dormência, sucesso e tragédia

Após o lançamento de Super Metroid (SNES), em 1994, a série entrou em hiato até 2002, pulando completamente o Nintendo 64 e o Game Boy Color. Isso ocorreu em parte porque o produtor da série, Gunpei Yokoi, saiu da Nintendo em 1996 e faleceu em 1997. O outro motivo era a dificuldade de adaptar a franquia para o 3D — a Nintendo fez transições extremamente bem-sucedidas com Mario e Zelda, mas Metroid apresentava outra série de obstáculos, como o combate e a exploração. Super Metroid pode ser um dos melhores e mais influentes jogos de todos os tempos, mas não vendeu sequer 2 milhões de unidades, dificultando ainda mais a possibilidade de uma continuação.

Tudo se resolveu em 2002 com a dose dupla de Metroid Fusion (GBA), produzido por vários membros da equipe de Super Metroid, e Metroid Prime (GC), criado por uma equipe nova baseada no Texas, a Retro Studios. Prime e Fusion foram sucessos — não blockbusters, mas colocaram Metroid de volta nas conversas dos jogadores. Fãs de longa data temiam a ideia de uma Samus em primeira pessoa, mas se surpreenderam pela qualidade do resultado. O tom sombrio e sério de Prime apelava a uma comunidade gamer cada vez mais velha, enquanto a perspectiva em primeira pessoa, usada mais para exploração do que para o combate, fez do jogo um dos mais imersivos de sua época. Fusion foi criticado por ser narrativo e linear demais quando comparado a Super Metroid, mas os parasitas X e a SA-X assombram nossas imaginações até hoje.

Entre 2002 a 2010 foram os anos de ouro da série


Nos anos seguintes, Metroid gozou de um status privilegiado na Nintendo. Prime virou uma trilogia e recebeu uma coletânea e dois spin-offs, enquanto Fusion foi seguido pelo remake Zero Mission (GBA), que aprendeu com as críticas e contava com progressão não-linear e narrativa enxuta. Após a conclusão da trilogia Prime, Yoshio Sakamoto, que até então era responsável pela encarnação 2D da heroína, resolveu reinventar a interpretação 3D da série, criando um jogo com dinâmica similar à de Fusion e Zero Mission: Metroid: Other M (Wii). Foi então que o trem descarrilhou.

Other M foi desenvolvido pela Nintendo SPD, em parceria com o Team Ninja, sob a direção de Sakamoto. O jogo tem seus méritos, como o combate dinâmico e a exploração e poderes que remetiam aos jogos 2D, mas sofre de alguns defeitos graves de design, como o uso do Wii Remote como controle único, sessões confusas em primeira pessoa e progressão estritamente linear. O maior problema de todos, entretanto, é a narrativa. A história de Other M é péssima em quase todos os sentidos, com personagens sem carisma, objetivos pouco claros, monólogos intermináveis e, acima de tudo, a relação de Samus com o comandante Adam era machista e completamente destoante da imagem da protagonista até então.


Então, apesar de uma recepção crítica moderada, Other M foi duramente criticado por alguns dos maiores fãs da série. Na época, eu achei (e continuo achando) essa reação um exagero. Eventualmente, ele vendeu um milhão de cópias, mas apenas após drásticos cortes de preço, algo raríssimo para a Nintendo. Other M não é um jogo péssimo, mas foi vítima de seu próprio hype. Após esse dilema, a Nintendo entrou em silêncio sobre a série por anos.

Onde está Samus Aran?

Até o lançamento do jogo seguinte, informações sobre o destino da franquia foram escassas. Tudo que representantes da empresa diziam é que a Nintendo ainda tinha planos para a Samus. Durante a E3 2014, Shinya Takahashi, então diretor da divisão Nintendo SPD, disse que a empresa ainda considerava novos títulos da série, em 2D e 3D:
Faz algum tempo desde que lançamos o último e estamos tendo discussões internas sobre o que podemos fazer agora. Atualmente, temos dois tipos de jogos Metroid. Temos o estilo Prime e o estilo mais tradicional de Metroid. Sentimos que precisamos cuidar de ambos esses estilos de jogo. E a nossa esperança é que em algum momento do futuro próximo poderemos mostrar algo sobre eles.
Fonte: Kotaku 

Essa entrevista encheu corações de esperança — finalmente, uma pessoa importante da Nintendo reconhecendo a necessidade de novos títulos da série. Ao mesmo tempo, o tom empregado por Takahashi poderia implicar que era apenas uma discussão passageira na empresa, sem nada concreto para mostrar. Por sorte, na E3 de 2015, vimos que não havia razão para preocupação… Ou havia? Durante os Nintendo World Championships realizados no evento, a Nintendo revelou um novo jogo multiplayer, chamado Blast Ball. Telespectadores atentos perceberam que o jogo tinha um certo ar familiar: visão em primeira pessoa, canhão de braço, movimentação estilo tanque…
Rocket League, é você?


Dois dias depois, foi revelado Metroid Prime: Federation Force (3DS), recebido com revolta por jogadores do mundo todo. Afinal, Federation Force é algo análogo a Zelda Four Swords ou Tri Force Heroes (3DS), longe de um Metroid Prime 4. O foco no multiplayer e a direção artística duvidosa fizeram do jogo alvo de ódio de diversos fãs de longa data da série. O jogo não é de todo ruim, como eu explico em minha análise. Considerando a proposta multiplayer cooperativa, funciona, mas após as controvérsias de Other M e seis anos sem um novo jogo, nos sentimos traídos pela falta de bom senso demonstrada pela Nintendo. Sem surpreender ninguém, o jogo foi um fracasso de vendas quando lançou em 2016. Entretanto, havia outra luz de esperança.

Na E3 de 2015, quando Federation Force foi anunciado, outro sinal havia sido dado. Kensuke Tanabe, produtor da série Metroid Prime, explicou por que o novo título estava vindo ao 3DS em vez do Wii U:
Se começássemos a trabalhar no Wii U agora, levaria uns três anos. Então provavelmente seria no console NX. É bastante tempo, mas teria que incluir muito conteúdo, que daria bastante trabalho de desenvolvimento.
Fonte: Eurogamer

Considerando que os estúdios de desenvolvimento da Nintendo passaram por uma reestruturação em 2015, é razoável assumir que Tanabe estava realmente se preparando para desenvolver um novo jogo da série para o NX — o console que hoje conhecemos como Nintendo Switch.

Tanabe também afirmou que Federation Force foi um retorno de um projeto antigo dele com a Next Level Games, concebido em 2009 para o Nintendo DSi. Em retrospecto, o jogo faz mais sentido sabendo que um novo Metroid Prime será, de fato, lançado para o Switch, mas continua tendo sido uma péssima jogada com os fãs. Um spin-off é aceitável quando acompanha um novo jogo da série principal, mas, sozinho, apenas deixou um gosto amargo nas nossas bocas.

Na ausência de novos anúncios da Nintendo, fãs decidiram colocar o futuro da série em suas próprias mãos. Em uma miríade de mods e fangames, um se destacou: Another Metroid 2 Remake. Desenvolvido por Milton "DoctorM64" Guasti, um fã argentino da série, AM2R (PC) dá nova vida ao clássico de Game Boy implementando mecânicas oriundas de Super, Fusion e Zero Mission.



Distribuído gratuitamente em agosto de 2016, o jogo foi um sucesso entre fãs, que apreciaram a mistura de elementos clássicos e novos apresentados. Entretanto, a alegria durou pouco e, dois dias após o lançamento oficial, a Nintendo solicitou o fim da distribuição de AM2R. Novamente, fãs se revoltaram com a ação da empresa, apesar do próprio Guasti aceitar a decisão.

O retorno de Samus

Quase um ano depois, chegou o dia fatídico. Na E3 de 2017, a Nintendo anunciou não apenas um, mas dois novos jogos da série! Como prometido por Takahashi três anos atrás, a empresa tinha planos para Metroid tanto em 2D quanto em 3D.

No lado 2D, Yoshio Sakamoto apresentou Metroid: Samus Returns (3DS), uma reimaginação do clássico de Game Boy implementando mecânicas de Super, Zero Mission e Other M. Sim, um ano depois de AM2R, a Nintendo vai lançar seu próprio remake de Metroid II: Return of Samus (GB). Chega a ser irônico. O título Samus Returns é importante em três sentidos. Primeiro, é uma reinterpretação do título original. Segundo, a sigla SR remete ao planeta SR388, local onde se passa a narrativa de Metroid II. Mas o mais importante é o literal retorno de Samus Aran após anos de ausência.


Apesar de Samus Returns parecer estar levando a série 2D no caminho certo (e, com sorte, indica um futuro Metroid 5), o anúncio poderia ter sido morno por si só. Afinal, é apenas a reimaginação de um jogo antigo, Sakamoto perdeu credibilidade com Other M e o estúdio externo de desenvolvimento, Mercury Steam, só tem Castlevania: Mirror of Fate (3DS) de similar a Metroid. Felizmente, o jogo sai em apenas três meses, então mal teremos tempo de especular sobre ele.

No mesmo dia, em uma jogada caracteristicamente não-Nintendo, a empresa revelou Metroid Prime 4, para o Switch. Foi apenas um logo e não fazemos ideia de quando realmente poderemos jogá-lo, mas o anúncio é importante por mais do que o jogo em si. É uma afirmação de que a Nintendo ainda acredita na série, o suficiente para fazer novas entradas seguindo, a princípio, as filosofias fundamentais da série.

No kit de imprensa da Nintendo, é afirmado o seguinte: "Metroid Prime 4 volta às raízes do Metroid Prime original; [...] sob a liderança de Tanabe, uma nova e talentosa equipe de desenvolvimento trará a ação, isolamento e exploração do universo Metroid Prime ao Nintendo Switch." As três palavras-chave escolhidas colocam um sorriso no rosto de qualquer fã de Metroid. É o que queremos há anos, e parece ser o que vamos receber.
Duas palavras e um número. Eu chorei.


Além dessa garantia verbal por parte do Tanabe, o histórico recente da empresa dá ótimos sinais. Tanto The Legend of Zelda: Breath of the Wild (Switch/Wii U) quanto Super Mario Odyssey (Switch) olham para os jogos antigos da série como referência, trazendo experiências exploratórias e abertas para os jogadores. Após anos de jogos lineares e guiados, parece que a Nintendo está voltando a apreciar o valor da liberdade em um videogame.

Tudo que sabemos sobre Metroid Prime 4 é que está em desenvolvimento. A entrevista de 2015 com Tanabe implica que o desenvolvimento começou naquela época, e também indica uma possível mecânica do título: "ao invés de visitar vários planetas eu teria um e focaria na linha do tempo, e poder mudar isso". Veremos, então, viagens no tempo em Metroid? Algo similar já foi visto em Prime 2, então não é nada impossível.
A ambição de Breath of the Wild nos dá esperanças para os próximos jogos da Nintendo.
Pela primeira vez em anos, fãs de Metroid podem dormir tranquilamente. Samus está de volta. Há muito hype a ser tido até o lançamento de Prime 4, então vamos aproveitar enquanto dura. Ao mesmo tempo, todo fã mais antigo deve saber que, infelizmente, o anúncio de Prime 4 não nos diz nada sobre a possibilidade de um eventual Prime 5. Teremos que aguardar e, novamente, ficarmos com ansiedade a cada nova E3.

Revisão: Pedro Vicente

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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