Mega Man, o retorno de uma lenda

O mascote da Capcom, quase esquecido na última década, ressurge com força na atual geração.



Na fase inicial de Mega Man X, após perder a luta para o vilão Vile, Mega Man fica impotente diante do desafio monumental que lhe espera. Porém, em uma das cenas mais marcantes da história dos videogames, seu fiel escudeiro e amigo Zero consola o herói, dizendo que com muito esforço e trabalho duro, Mega Man, um dia, poderá ser tão forte quanto ele. E essa é basicamente a premissa de todos os jogos da série: os desafios serão sempre maiores que o protagonista, mas ele pode vencê-los. Porém, não será fácil.


Basicamente a mesma dinâmica pode ser aplicada à franquia durante todos esses anos. Tentar sobreviver em meio a mudanças profundas e incontroláveis do mercado de games. Poucas franquias conseguiram essa façanha desde os anos 80 até hoje.


Mega Man, conhecido como Rockman no Japão, é uma das franquias mais longevas de que se tem notícia no mundo dos jogos eletrônicos e uma das mais produtivas da Capcom, junto com Street Fighter. Ao todo são 50 jogos distribuídos em diversas plataformas que acabaram se dividindo em 7 séries ao longo do tempo. De altos e baixos, a série quase caiu no esquecimento por conta da dificuldade na transição para o 3D, porém voltou com força em seu mais recente lançamento de 2018, Mega Man 11.

Assim nasce o bombardeiro azul

Em meados dos anos 80, no auge do Famicom e do NES, a Capcom precisava de um mascote para chamar de seu. Akira Kiramura ficou encarregado do desenvolvimento do novo jogo, enquanto Keiji Inafune iria trabalhar o design do personagem. Inicialmente surgiu a ideia de trazer um jogo do Astro Boy para o console da Nintendo, porém esse projeto foi rapidamente descartado, dando origem ao Rockman.


Nessa época o desenvolvimento de personagens era limitado pelas características técnicas do hardware que iria rodar o jogo, por isso Mega Man acabou nascendo com a cor azul. A ideia de troca de armas ou poderes estava lá desde o começo, e cada nova arma equipada mudaria o personagem de cor, aproveitando a paleta de 54 cores do NES. Em 17 de dezembro de 1987 o Japão recebe o primeiro jogo da série clássica lançada para o Famicom.

Apesar de ser um plataformer, ele inova a fórmula básica de ir do ponto A ao ponto B do cenário para vencer. Em Mega Man, você pode escolher em qual cenário começar a aventura, onde cada um deles terá um chefe robô que deve ser derrotado. Ao derrotá-lo, você adquire seu poder. Até aí, tudo bem. A sacada foi fazer com que os chefes tivessem pontos fracos, e esses pontos fracos eram justamente os poderes que o jogador adquire ao derrotar um dos robôs inimigos anteriores. A diversão estaria em encontrar o poder certo para derrotar cada robô inimigo, traçando uma ordem de cenários a ser seguida.


A fórmula não só deu certo, como gerou diversas continuações. Ao todo foram lançados 6 jogos para o Nintendinho, e todos eles chegaram ao ocidente (algo difícil de acontecer na época, levando em conta franquias como Final Fantasy e Dragon Quest).

Apesar das capas, digamos, de gosto duvidoso que a franquia recebeu no ocidente, o sucesso aqui foi tão grande quanto na terra do sol nascente. Os jogos, além do level design criativo e bem feito e da dificuldade desafiadora, ficaram bastante conhecidos pelas suas trilhas sonoras marcantes. A música do castelo do dr. Wily no Mega Man 2 é, até hoje, considerada uma das melhores trilhas já criadas em um videogame.

Chegam as primeiras mudanças

Com a chegada do Super Famicom, o mascote azul da Capcom tinha que preparar sua aterrissagem na terra dos 16 bits. Keiji Inafune foi encarregado de redesenhar o Mega Man para o novo console da Nintendo, e o resultado foi a criação do personagem Zero e o nascimento de uma nova série do bombardeiro azul, o Mega Man X. Dessa vez, a história se passaria muitos anos depois da cronologia inicial e traria um tom mais maduro e até um pouco mais sombrio aos jogos. A presença dos humanos dr. Light e dr. Wily foi substituída por um mundo praticamente dominado por robôs.


O jogo chegou ao Super Nintendo em 17 de dezembro de 1993 e gerou mais duas continuações, com Mega Man X2 e Mega Man X3. A mecânica inicial continuava a mesma: eram oito cenários, cada um com um chefe robô que deveria ser derrotado usando a arma de outro robô de algum outro cenário. O jogador, novamente, deveria descobrir a ordem em que os inimigos deveriam ser derrotados.


Porém, dessa vez, Mega Man conta com power ups cruciais para completar a aventura, como armaduras, tanques de energia e cápsulas que aumentavam o hp do personagem. Essa dinâmica trouxe um ar de RPG para a saga, pois o personagem evolui e fica mais forte conforme o jogador explora os cenários e encontra os itens específicos para cada habilidade. Além disso, novas mecânicas, como o dash e a escalada em paredes, também foram adicionadas, dando mais variedade ao gameplay. De resto, os títulos da série X mantinham a mesma qualidade de level design e dificuldade da série clássica, além da tradicional trilha sonora marcante.

O início do fim?

Chega então a quinta geração de videogames, encabeçada por consoles como Playstation, Nintendo 64 e Sega Saturn. O CD Rom virou norma, e uma mudança avassaladora começava. Os velhos sprits pixelados foram trocados por modelos poligonais e os jogos 3D agora eram a bola da vez.

A Nintendo mostrou como se faz um jogo tridimensional com seus excelentes Super Mario 64 e The Legend of Zelda Ocarina of Time. Muitas franquias conseguiram se adaptar, mesmo que do seu jeito, às novas tendências. Algumas delas foram até beneficiadas pelos novos tempos, como Final Fantasy, The Legend of Zelda e Metal Gear Solid; outras, encontraram dificuldades insuperáveis, como Sonic The Hedgehog, Castlevania e nosso querido bombardeio azul.


Mega Man estreou no Playstation e no Sega Saturn com os excelentes Mega Man 8 e Mega Man X4, continuações diretas dos jogos dos 16 bits. Contudo, apesar de serem jogos de qualidade inquestionável, mostraram que a Capcom não estava pronta para adaptar a franquia ao 3D. Com o sucesso de Resident Evil, o foco da desenvolvedora mudou e os jogos do robozinho azul foram recebendo cada vez menos orçamento, resultando nos sofríveis Mega Man X5 e Mega Man X6.

Apesar de muitos fãs ainda gostarem desses títulos, a falta de animações nas cutscenes e a reutilização de cenários e músicas mostrava a falta de polimento e cuidado que eram encontrados nos títulos anteriores. A Capcom até tentou com o Mega Man 64 (Mega Man Legends nas outras plataformas), mas o jogo ficou tão descaracterizado que acabou alienando grande parte da fanbase do robozinho azul, tornando-se um jogo de nicho.


A partir da Sexta geração, com os fracassos de Mega Man X7, e a tentativa frustrada de voltar às origens com Mega Man X8, o mascote azul da Capcom foi finalmente colocado na geladeira. Porém, nem tudo estava perdido. O robozinho azul, apesar de fazer feio nos consoles de mesa, mandava muito bem nos portáteis. Uma sub série intitulada Mega Man Zero era lançada em 2002 para o Game Boy Advance sob a supervisão e produção de Keiji Inafune. Passada vários anos depois da linha do tempo de Mega Man X, a série composta de 4 jogos contava a trajetória de Zero em busca de respostas sobre seu passado, levando-o a confrontar seu companheiro X em uma aventura cheia de intrigas e reviravoltas.


O jogo foi um sucesso de vendas, e gerou duas continuações para o Nintendo DS, com Mega Man ZX e Mega Man ZX Advent. Todas as características marcantes da franquia Mega Man estavam presentes: ótimo nível de desafio, trilha sonora espetacular, jogabilidade fantástica, etc. Porém, parecia que a Capcom tinha perdido o interesse em levar o robozinho azul para os consoles de mesa, e a falta de jogos da série principal incomodava os fãs. Estes, deviam se contentar com os spin-offs dos portáteis: alguns excelentes como a série Zero, outros nem tanto, como a série Battle Network.

Uma luz no fim do túnel

A sétima geração de videogames trouxe uma grata surpresa aos fãs da série clássica de Mega Man. Foram lançados dois jogos do robozinho azul para os consoles de mesa, Mega Man 9 e Mega Man 10, continuações diretas dos lançamentos anteriores. Contudo, os jogos vieram em formato 8 bits - uma clara homenagem aos primeiros jogos da franquia - o que não agradou a todos. Claro, o sentimento de nostalgia que os novos títulos traziam era indiscutível.

Tudo estava lá: os cenários com os chefes robôs, cuja ordem deveria ser descoberta pelo jogador, a dificuldade desafiante (até demais nesses novos jogos), a trilha sonora marcante. Porém, havia aqueles que achavam que um novo jogo do Mega Man deveria ser feito nos gráficos da atual geração; sem contar que a disponibilização dos jogos apenas no formato digital tirava, para alguns, a pompa que outrora a franquia tinha.


Sem contar que a série X, querida por muitos que viveram a era de ouro dos 16 bits, nem dava sinal de vida. Apesar de dividir a comunidade, esses novos lançamentos deixavam claro uma mensagem: a Capcom não conseguiu adaptar seu mascote azul para os jogos tridimensionais. Por conta disso, alguns fãs simplesmente fecharam os olhos para as novas entradas da série e declararam que os jogos do Mega Man tinham recebido o mesmo destino de franquias como Ghosts 'n Goblins, Contra e Castlevania - o esquecimento.


Porém, algo estranho estava acontecendo na indústria dos jogos durante a transição para a oitava geração de consoles. Apesar da evolução nos gráficos, das TVs de 4k e da tendência ao foto realismo cinematográfico, uma onda silenciosa assombrava os amantes dos 60 frames por segundo: o retrogaming.

Uma comunidade cada vez maior de saudosistas dos jogos de 8 e 16 bits ganhava força, e era acompanhada pela ascensão dos jogos independentes, que cada vez mais faziam referências aos gráficos pixelados. O pixel virou arte. Sucessos como Super Meat Boy e Shovel Knight colocavam em cheque a obrigatoriedade do realismo cinematográfico como medida de qualidade em um jogo. Games com gráficos de 8 bits ganham notas tão altas quanto GTA, e se tornaram sucesso de crítica e público.

O renascimento de uma lenda

E eis que entra em cena o Nintendo Switch, um coringa na indústria de games, que prova, com seu estrondoso sucesso, que o foto realismo cinematográfico não é essencial, nem sequer necessário, para os jogos eletrônicos. Uma tendência de gerações foi quebrada pela Nintendo (novamente?) ao reinventar as regras do mercado. O novo híbrido da Big N consegue juntar o que existe de melhor em tendências modernas, jogos indies e unir jogadores novos e saudosistas dos velhos jogos de plataforma.



E é aí que, em outubro de 2018, temos o lançamento de Mega Man 11 para diversos consoles. O jogo dessa vez se define como plataforma 2D, trazendo elementos clássicos com gráficos modernos e cartunescos. A Capcom, antes cambaleante sobre que rumos tomar com a série, finalmente consolida seu estilo. Tudo graças às modernas tendências que o mercado de jogos eletrônicos vem sofrendo. Aproveitando a onda retrogamer, a desenvolvedora lançou, também, quatro coletâneas das séries principais de Mega Man: Mega Man Legacy Collection 1 e 2 e Mega Man X Legacy Collection 1 e 2. As coletâneas contém todos os jogos das séries clássica e X, e foram um sucesso de vendas.



Os fãs deram o recado para a Capcom, e mostraram seu amor pelo robozinho azul mais uma vez. Inclusive, a casa do Mario, lar original da série, foi onde as vendas foram mais expressivas. Falta agora a desenvolvedora japonesa sacudir a poeira e tirar outras séries da franquia do armário, trazendo a luz do dia às diversas linhas do tempo que a franquia Mega Man possui.

Quantas possibilidade ainda existem para os jogos da série Zero ou Battle Network? Quando será que o projeto Mega Man Legends será retomado? O que esperar do futuro da franquia? A produtora japonesa chegou a afirmar que o futuro do bombardeiro azul dependeria das vendas das coletâneas e do último jogo da série. Bem, o recado foi dado Capcom. Agora queremos mais Mega Man.

Revisão: Vinícius Fernandes

Apaixonado por JRPG, fanboy de Final Fantasy, gosta de um bom papo de boteco com cerveja e Rock'n Roll. Escreve para a Game Blast pois sonha em ser escritor.
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