Entrevista

Various Daylife (Switch): Entrevistamos os produtores Tomoya Asano e Masaaki Hayasaka

Os produtores das séries Bravely e Octopath Traveler falam sobre tradução em português, preservação de jogos, suas inspirações em clássicos e mais.


Depois de quase uma década afastadas, Square Enix e Nintendo voltaram a se aproximar na geração do Game Cube, mas só passaram a fazer grandes negócios a partir da geração seguinte, no Nintendo DS, graças às produções de Tomoya Asano em uma equipe hoje conhecida por “Team Asano”, responsável pelos remakes 3D de Final Fantasy III e IV e Final Fantasy: The 4 Heroes of the Light. Esses lançamentos abriram as portas para muitos outros, como os da série Bravely e aqueles que usam a técnica HD-2D. Um dos aprendizes de Asano, Masaaki Hayasaka ultimamente tem sido seu produtor assistente na equipe.


Originalmente lançado para Mobile, exclusivamente para o serviço Apple Arcade, Various Daylife foi desenvolvido pelo Team Asano em parceria com a DokiDoki Groove Works, e publicado pela Square Enix. Neste ano (2022), o título foi retirado do serviço da Apple e portado para PS4, PC e Switch. Graças a esse relançamento e à nossa sólida cobertura dos jogos da Square Enix, tivemos a oportunidade de entrevistar os produtores desse jogo, Asano e Hayasaka.

Conversamos sobre as influências clássicas que inspiraram as escolhas de design de Various Daylife, a experiência de desenvolver para mobile e o serviço Apple Arcade, o esforço de preservação de jogos do Team Asano, a importância da tradução em português para a Square Enix e a relevância de elementos de simulação social nos JRPGs e nos projetos futuros de Tomoya Asano e Masaaki Hayasaka. A entrevista foi feita em inglês remotamente contando com o auxílio da Square Enix para a tradução do japonês para o inglês. O texto que você pode conferir abaixo é uma tradução integral das perguntas e das respostas.

Tomoya Asano é diretor da CBU2 Divisão 6 da Square Enix, conceituador e produtor de jogos em HD-2D como Triangle Strategy (Switch) e aqueles das séries Fullmetal Alchemist, Bravely e Octopath Traveler. Os conceitos de seus games têm sido marcados pela influência de clássicos das gerações 8-bits e 16-bits e frequentemente são direcionados a um público mais adulto (casual ou não). Como produtor, é conhecido por parcerias com a Nintendo, desenvolvimento com base em feedback de demos e títulos descritivos e minimais para seus jogos. Caso queira saber mais, escrevi uma detalhada trilogia de máterias sobre a carreira de Tomoya Asano, a formação de sua equipe e a técnica HD-2D: A arte e a ciência por trás da tecnologia HD-2D.

Nintendo Blast: Asano-san, as séries Bravely, Octopath Traveler e Triangle Strategy carregam claras influências de jogos da era de 16 bits, como os da série Dragon Quest, Final Fantasy, SaGa e Tactics Ogre. Você também se inspirou nos JRPGs clássicos para pensar no sistema de batalhas de Various Daylife ou em seu design narrativo com elementos de simulação? Eu gostaria de saber sobre suas inspirações para este jogo.

Tomoya Asano: VARIOUS DAYLIFE é relativamente único em comparação com nossos títulos anteriores. Não temos nenhuma inspiração direta, mas sinto que a batalha — ou a perspectiva durante o combate — tem alguma influência do clássico DRAGON QUEST, e a simulação de trabalho [com perspectiva] slice-of-life foi influenciada por TOKIMEKI MEMORIAL*. Este último é uma simulação de namoro, mas a crença dos criadores foi expressa através do sistema do jogo: se você quer ser apreciado por garotas, não fique apenas correndo atrás delas; você precisava melhorar a si mesmo, sendo diligente em seus estudos e esportes — o que foi um grande choque para mim na minha adolescência.

Este jogo gira em torno de empregos e acontece na vida cotidiana da sociedade adulta, mas eu também queria incorporar uma mensagem e uma narrativa únicas para este título. Espero que as pessoas gostem deste jogo…!

* Nesta resposta, Asano-san refere-se a Tokimeki Memorial (1994), um dos mais importantes e influentes jogos do gênero dating sim, o qual deu origem a uma série popular no Japão com dezenas de lançamentos. O título original foi publicado pela Konami para PC Engine e mais tarde foi portado para múltiplas plataformas (PS/Saturn/SFC/GBC/PSP/Mobile).


NB: Durante minha experiência com o Various Daylife, notei que algumas escolhas de design se encaixam em celulares, como o movimento automático de personagens em missões. Em comparação com sua experiência anterior com os spin-offs do Bravely e do Octopath Traveler, como foi sua experiência com as limitações de um sistema móvel e dentro do serviço Apple Arcade? E quais escolhas de design de jogo poderiam ter sido diferentes para este jogo se ele fosse originalmente criado para um console?

Asano: Como este título era para ser jogado no smartphone, eu queria ter certeza de que os controles fossem simplificados. Não havia controles de câmera e nenhum movimento livre (você só pode mover para a esquerda ou para a direita), que vêm da filosofia de design fundamental de poder jogar apenas com o polegar. Se isso tivesse sido criado originalmente para um console, esse aspecto teria sido muito diferente.

Além disso, embora fosse para o smartphone, acho que esse título não ser free-to-play foi muito importante para que pudéssemos tecer uma história robusta (ou seja, tínhamos um fim em relação ao qual projetaríamos o jogo).

Desde que ingressou na Square Enix, Masaaki Hayasaka atuou como Produtor Assistente em lançamentos do Team Asano como Bravely Second: End Layer (3DS) e Octopath Traveler (Switch). Nesse último título e em Bravely Default II atuou também como Diretor de Som. Em Various Daylife trabalhou como produtor ao lado de Tomoya Asano. Atualmente Hayasaka é o produtor de Dragon Quest III HD-2D Edition, ainda sem data de lançamento.

NB: Hayasaka-san, quando soube que o Various Daylife seria excluído do catálogo do Apple Arcade, fiquei preocupado com o fato de ele ficar indisponível no futuro. Felizmente, o jogo foi anunciado posteriormente para Nintendo Switch e outras plataformas, uma escolha que ajuda a mantê-lo vivo e evita o pior cenário de perdê-lo para sempre após o encerramento do serviço. Nesse contexto, gostaria de saber o que você pensa sobre a questão da preservação dos videogames, que parece ser um problema particularmente sério no caso dos jogos de serviço móvel. A Square Enix tem iniciativas para preservar o acesso aos seus jogos a longo prazo? Qual solução você vê para títulos móveis e jogos como serviço?

Masaaki Hayasaka: Determinar se um jogo mobile ou live service deve ou não ser portado ou refeito como uma versão offline não é baseado em uma regra clara de toda a empresa na SQUARE ENIX. A razão disso é que a situação para cada título varia muito. Nosso título foi criado com o conceito de entregar um jogo que não fica aquém a um jogo de console, então foi relativamente fácil levá-lo para o console; mas mesmo assim, o processo exigia custos e recursos consideráveis. Transformar um título free-to-play em uma versão offline envolve a revisão do sistema fundamental, então imagino que isso exigiria custos muito mais significativos. Então, se fosse para eu pensar em algum tipo de solução para títulos que as pessoas desejam preservação/ports a longo prazo, seria que os jogadores apoiassem o título enquanto ele ainda está em serviço, ou talvez crowdfunding, na minha opinião pessoal. Se houvesse alguma maneira de fazer uma pledge financeira diretamente para os títulos que desejamos portar, isso tornaria muito fácil entender o quanto os fãs são apaixonados pelo trabalho.

NB: Desde antes mesmo da antiga Square Enix Division 11 ser integrada na Division 6, nunca vi um projeto de sua equipe que tivesse sido traduzido para o português. Para minha surpresa, o Various Daylife apresenta o português do Brasil. Como a Square Enix vê a importância do português e outros idiomas em seus lançamentos? Quando se trata de sua equipe, podemos esperar que futuros lançamentos incluam também o português? Talvez o próximo título em que você está atuando como produtor, Dragon Quest III HD-2D Edition? Se sim, seria a primeira vez que Dragon Quest está disponível em nosso idioma e tenho certeza que tornaria o título muito mais acessível aqui no Brasil, assim como Various Daylife.

Hayasaka: Esta é apenas a minha opinião pessoal*, mas hoje em dia você precisa estar atento para vender um título globalmente e, portanto, naturalmente, a localização para outros idiomas será imperativa. Dito isto, não é fácil adicionar um suporte a um novo idioma. Especialmente em jogos como os nossos, que têm muita ênfase na história, exigiria muito custo e recursos apenas para adicionar mais um idioma. Com este título (inicialmente lançado em uma plataforma de assinatura), procuramos enfrentar desafios que nunca tentamos antes, por isso oferecemos suporte a mais do que o dobro dos idiomas que normalmente ofereceríamos. Dito isso, temo ser incapaz de dizer com certeza que podemos fazer o mesmo daqui para frente, para ser honesto. Então, como o Team Asano escolhe em quais idiomas um jogo está localizado? A resposta é simples: “se existe ou não uma grande população de jogadores no território que fala a língua”. Acho que um exemplo claro seria os idiomas inglês e chinês sempre recebendo suporte em muitos jogos [japoneses]. Então, se, por exemplo, VARIOUS DAYLIFE tiver vendas recordes em regiões que falam português brasileiro, isso definitivamente teria um grande impacto em quais idiomas nós, Team Asano, planejamos localizar. Como tal, ficaríamos gratos se você e outros membros da mídia pudessem nos ajudar a espalhar a palavra de VARIOUS DAYLIFE para o maior número de pessoas possível!

* Embora Hayasaka deixe claro logo de início que essa é uma opinião pessoal sua, a Square Enix me pediu para adicionar uma nota para garantir que isso esteja absolutamente claro. Isso dito, deixo aqui a ênfase de que essa resposta é um posicionamento do produtor e não reflete a posição geral sobre o que a empresa pensa sobre o assunto em questão.


Nintendo Blast: Asano-san e Hayasaka-san, uma das tendências em JRPGs na última década foi a adição de elementos de simulação. Os mais comuns giram em torno do amor e/ou amizade entre personagens e também de minijogos, como pesca e outras atividades etc. A simulação social é uma parte fundamental do game design de Various Daylife. Podemos esperar que os elementos de simulação social sejam mais comuns em seus jogos de agora em diante? Você diria que este título teve alguma influência em suas aspirações para projetos futuros?

Hayasaka: Eu acho que há duas maneiras gerais de pensar aqui. A primeira é ter um tipo de tema que você deseja transmitir e incorporá-lo ao jogo. A outra é desenvolver continuamente várias ideias e, naturalmente, chegar ao produto final. Então, para a primeira forma de pensar, um exemplo seria algo como: “os relacionamentos se tornaram tão poucos e distantes entre si na sociedade moderna, então eu quero fazer um jogo que enfatize a importância das conexões sociais!” Por outro lado, VARIOUS DAYLIFE foi mais a última maneira de pensar: “queremos fazer um título para celular 🡪 todo mundo constantemente tem seus smartphones 🡪 deve ser um jogo que pode ser jogado em intervalos curtos durante nosso tempo livre”. A partir daí, a jogabilidade principal passou a fazer com que o jogador cuidasse de várias tarefas para desenvolver seu personagem. Essa maneira de pensar realmente difere de pessoa para pessoa, além disso, os tempos também podem mudar a maneira de pensar das pessoas. Então, se me perguntarem se “espero que os elementos de simulação social sejam mais comuns”, eu teria que dizer que acontece que agora vemos muitos jogos com um elemento semelhante. Em termos de aspirações para projetos futuros — ao contrário de um RPG mais típico, o jogador não ganhará pontos de experiência através da batalha neste jogo. Ter a experiência de criar um RPG único que dê uma reviravolta nas tradições provavelmente será vantajoso em futuros títulos em que trabalhar.

Asano: Hum, eu me pergunto… Esta é apenas a minha opinião, mas sinto que o conteúdo de entretenimento se tornará ainda mais diversificado e segmentado, portanto, espera-se que os jogos de console tenham uma quantidade adequada de rejogabilidade. Parte dessa rejogabilidade provavelmente envolveria os elementos que você mencionou, como relacionamentos românticos e platônicos entre personagens e minijogos, como pesca. Quanto às aspirações futuras, VARIOUS DAYLIFE me permitiu experimentar desafios e prazer em criar um jogo mais casual (e único) (mas de forma alguma feito para um público mais jovem), e [inclusive em] suas configurações de mundo, em comparação com OCTOPATH TRAVELLER ou TRIANGLE STRATEGY. Eu adoraria enfrentar um desafio como esse novamente se eu tiver outra oportunidade de fazê-lo.

O que achou do papo? Aproveito para lembrar que recentemente também entrevistei os principais nomes por trás de NieR:Automata aqui no Nintendo Blast, talvez você queira conferir. Para mim novamente foi uma imensa honra, sobretudo como um grande fã do trabalho de Tomoya Asano. Agradeço à Square Enix Latam pela oportunidade.

Você já tinha ouvido falar da série Tokimeki Memorial? Ela é bem pouco conhecida no Ocidente, mas é interessante o quão influente é ao ponto de ter impacto fora de seu gênero em um jogo como Various Daylife. Aliás, chegou a jogar esse jogo do Asano? Eu acho que é um título muito interessante, embora funcionalmente mais adequado aos celulares, como apontou Asano e também como avaliei em minha análise para o Nintendo Boy. Caso tenha jogado, gostaria de saber o que você achou da localização em português, algo inédito até então nas produções do Team Asano. E o que você pensa sobre a preservação de jogos e sobre o aumento de elementos de simulação social em JRPGs? Deixe seu ponto de vista nos comentários abaixo.
Revisão: Diogo Mendes

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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