Discussão

Mario vs. Donkey Kong (Switch): por que transformaram o bigodudo em um herói amigável… e sem graça?

O remake implementou mudanças sutis na personalidade do encanador que tiram um pouco da ousadia do jogo original.

Imagem de Mario em Mario vs. Donkey Kong em que o personagem está segurando um boneco de dar corda parecido com ele.

“Opa, espera aí!”, você pode estar pensando depois de ler o título deste texto. “Na análise de Mario vs. Donkey Kong, vocês não disseram que a apresentação gráfica do jogo enchia o Mario com personalidade? Agora vocês dizem que ele é sem graça? Cadê a credibilidade, Nintendo Blast?”.


Calma, vamos explicar. Sim, em nossa análise do remake, mostramos que o salto tecnológico entre o lançamento original no Game Boy Advance e esta nova versão para Nintendo Switch permitiu que as imagens pixelizadas do portátil ganhassem animações mais complexas e carismáticas.

Mas, junto com essas modificações visuais, a equipe da desenvolvedora Nintendo Software Technology também implementou algumas pequenas alterações em cutscenes e áudios que sutilmente mudam a maneira como o bigodudo é retratado. Com isso, grande parte da ousadia que o personagem tinha no título de 2004 deu espaço a uma personalidade muito mais unidimensional — e acredito que há motivos para isso.

Um Mario menos falante

Como ressaltado na análise, uma das mudanças mais notáveis é na parte sonora. No jogo original, Mario não se limitava somente aos característicos “Wahoo!” e “Here We Go!” de sempre. O personagem continuava falando esses bordões a plenos pulmões, mas, junto a eles, estavam frases que traziam outras emoções ao herói além da pura alegria.

Ao ver Donkey Kong roubando os brinquedos de sua fábrica, o encanador se mostrava ameaçador com um "No, you don’t… No, you don’t…" – algo que pode ser traduzido como "Não… Não…". O sentimento se transforma em nervosismo e frustração quando o gorila foge com os Mini-Marios e o bigodudo esbraveja "What are you doing? What’s going on here?""O que você está fazendo? O que está acontecendo aqui?" – em um italiano macarrônico.

Com esses e outros exemplos de falas, Mario apresentava um lado cuidadoso, aflito e, principalmente, engraçado que muitas vezes não é explorado pela Nintendo.

Os créditos finais são um exemplo claro disso. Neles, o personagem agradece a equipe de produção, em especial Shigeru Miyamoto, e ainda chama Charles Martinet, seu intérprete, de "nice Italian boy", um bom menino italiano. É possível perceber o quanto Martinet se sentiu solto para brincar e improvisar com o herói.

Infelizmente, tudo isso foi perdido no remake. Mario ainda possui algumas falas trazidas do original, mas nenhuma delas traz essas outras facetas presentes no GBA.

Um Mario menos sádico

Apesar de sua aparência de bom moço, a mascote da Nintendo também apresentava ares de crueldade no primeiro Mario vs. Donkey Kong. Nas cutscenes que contam a leve história do game, o personagem é visto zombando de Donkey Kong quando o gorila percebe que está carregando um saco vazio, sem bonecos Mini-Mario quaisquer.

Ele começa a rir do vilão, que fica bravo e sequestra os Toads que trabalham na Mario Toy Company. No Switch, o protagonista somente fica confuso junto com DK.

Já no final do título de GBA – atenção para spoilers – o antagonista chora ao ver seus planos serem frustrados pelo encanador, que, com dó, dá um Mini-Mario a ele. Situação um pouco diferente no remake, no qual Donkey Kong fica somente chateado, como se estivesse sendo colocado de lado da diversão. No console híbrido, Mario não é um monstro que faz os outros debulhar lágrimas.

O encanador também não é alguém que se orgulha de causar dores em seus adversários no Switch. Ao finalizar um mundo no jogo de 2024, Mario simplesmente faz sua clássica pose vitoriosa: um pulo com um punho levantado. Enquanto isso, no portátil 32-bit, o vemos jogando latas de lixo, barris, bombas, frutas e Shy Guys no primata, que tem uma expressão de dor no rosto. Tudo isso acompanhado de falas como "Good job!""Bom trabalho!".
Se esse lado grosseiro do personagem é estranho para você, lembre-se de que ele já apareceu justamente na franquia Donkey Kong. Em Donkey Kong Jr. (Arcade/NES), a mascote é o principal vilão da aventura, raptando DK, que deve ser salvo por seu filho. Ou seja, existe uma origem para essa malvadeza do bigodudo.

Um passado mais ousado

Esse tipo de ousadia na série Super Mario era muito mais característica nos anos 2000, em especial na geração do GBA/GameCube. Nessa época, a Nintendo se permitia ser mais experimental com a franquia. Por exemplo, foi nesse período que surgiu o game de futebol Super Mario Strikers (GC), trazendo os personagens do Reino Cogumelo com atitudes mais arrojadas.

Outros títulos esportivos, como Mario Power Tennis (GC) e Mario Golf: Toadstool Tour (GC), também foram além, incluindo cutscenes cômicas que dão corpo a personagens secundários, como Wario e Waluigi. Já Luigi’s Mansion (GC) também deu destaque ao irmão de Mario, mostrando seu lado mais medroso pela primeira vez em um mundo de terror, um gênero pouco explorado pela Big N no passado.

Provavelmente, essa postura mais atrevida foi proposital. Há relatos de Shigeru Miyamoto, criador do encanador, questionando a personalidade sempre alegre do personagem em uma conversa com Shigesato Itoi, da série Earthbound, no ano de 1999. Para Miyamoto, a mascote não precisava estar sorrindo e fazendo o sinal de paz com as mãos o tempo todo, pois seus jogos não eram necessariamente voltados só para crianças.

Coincidentemente (ou não), várias artes de games da série Super Mario nos anos seguintes apresentaram seu protagonista de forma mais determinada, sorrindo menos. Claro, o Mario alegre não havia sumido, mas apresentava também um lado mais durão. Mario vs. Donkey Kong de GBA foi um dos exemplos disso.
Artes de Super Mario Sunshine, Mario Party 5 e Mario vs. Donkey Kong em que Mario aparece sério.
Mario mostrando seu lado mais durão em Super Mario Sunshine (GC), Mario Party 5 (GC) e Mario vs. Donkey Kong (GBA).

Um Mario para todos

Porém, a Nintendo do remake de Mario vs. Donkey Kong é uma companhia completamente diferente. A empresa não mais se preocupa só com a fatia mais hardcore do mercado: ela se mostra como uma marca de entretenimento para todos e isso inclui usar suas propriedades intelectuais de maneira estratégica para alcançar esse objetivo.

O antigo presidente da Nintendo of America, Reggie Fils-Aimé, já comentou sobre essa mudança em 2019, em uma entrevista para o Present Value Podcast. O executivo disse que, quando entrou na empresa em 2003, o marketing tentava ser voltado a um público mais jovem/adulto, com um visual mais urbano, uma ação provavelmente influenciada frente ao sucesso alcançado pelo PlayStation 2 e seus títulos vistos como menos infantis.

Segundo ele, essas iniciativas foram canceladas em prol de conteúdos que ampliassem o alcance da Big N para mais pessoas. Com isso, surgiram iniciativas como o Wii, mas essa semente plantada lá na segunda metade dos anos 2000 continua repercutindo até hoje.
Propaganda de Mario vs. Donkey Kong para GBA com um estilo urbano.
Exemplo de propaganda mais “madura” à qual Reggie se referiu.
Basta ver as mais recentes propagandas do Switch para notar que o apelo multigeracional continua forte na mensagem da empresa. No entanto, para a gigante japonesa, falar com esse grupo de pessoas mais amplo também significou reduzir a ousadia do Mario, aparentemente.

Fazendo jus à sua missão atual de “colocar sorrisos nos rostos das pessoas”, a Big N passou a destacar mais o Mario sorridente, menos carrancudo. Afinal, para uma marca que busca atingir consumidores globais, ter uma mascote com uma personalidade por vezes atrevida pode afastar as pessoas.

E o futuro?

Assim podemos especular por que houve essa mudança em Mario vs. Donkey Kong para Switch. No entanto, é de se lamentar o fato de a Nintendo estar se mostrando menos apta a brincar com seu personagem principal, deixando-o o mais neutro possível para agradar a todos.

Mas o caminho que a empresa está tomando ao lançar produtos fora do mercado de games, como filmes, pode obrigá-la a sair dessa zona de conforto. Em Super Mario Bros.: O Filme, por exemplo, já vimos um Mario alegre e determinado, mas com outras facetas, capaz até mesmo de brigar com Donkey Kong.

Talvez, aos poucos, esse herói com mais personalidade comece a surgir nos jogos também. Será que a recente mudança de intérprete para o encanador tem algo a ver com isso? Só o tempo dirá…

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli

Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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