Blast from Japan

Live a Live (SNES): um RPG audacioso e surpreendente

A história por trás do título japonês que ganhou um remake lançado este mês no Switch.


O Super Nintendo foi a casa de títulos icônicos de diversos gêneros. Dentre o mar de plataformas e beat 'em ups, os RPGs também tiveram um espaço considerável no console, com clássicos como Chrono Trigger e Final Fantasy.


Apesar da maré favorável, Live a Live não conseguiu ganhar o mundo. Com a trava de região, comum nos anos 1990, o game da então Squaresoft acabou ficando restrito ao Japão.


Isso foi revertido agora, quase 30 anos depois, com o lançamento mundial do remake para o Switch. O jogo foi muito elogiado quando saiu originalmente e era um dos mais aguardados pelos japoneses em 2022. Mas, afinal, o que o Live a Live de 1994 tinha de tão especial?

Viver muitas vidas


Um dos charmes do jogo é a variedade de histórias. Sem uma trama principal, é possível escolher entre sete enredos em qualquer ordem.

Cada trama se passa em um período da história da humanidade: Pré-história, China Antiga, Japão Feudal, Velho Oeste dos Estados Unidos, Mundo Contemporâneo, Futuro Próximo e Futuro Distante.

Cada capítulo se diferencia não só pela ambientação e pelos protagonistas, mas também pelas mecânicas próprias. O Mundo Contemporâneo é um torneio de luta; na Pré-história, é possível "farejar" os inimigos ao apertar o botão Y; no Japão Feudal, o objetivo é se infiltrar em um castelo para resgatar um refém; já o Futuro Distante não possui batalhas ao longo de sua duração, focando mais no desenvolvimento da trama.

Com isso, Live a Live ganha uma variedade de temáticas, de cenários e de jogabilidade. Enquanto alguns podem considerar que esse aspecto se assemelha a uma coletânea de minigames, há outra característica importante que dá unidade ao título.

Combater em um sistema único


O sistema de batalha aqui utiliza vários conceitos conhecidos do gênero, misturando-os para criar algo único. Os confrontos são por turnos, ocorrendo em um cenário que ocupa toda a tela dividida em forma de grade. Os personagens podem se mover para qualquer lugar do campo de batalha e atacar quando bem entenderem.

O sistema de ataques, aliás, preza por essa liberdade. As técnicas disponíveis podem ser utilizadas sem restrições, porém, exigem um tempo de carregamento que deixa o personagem vulnerável. Isso acrescenta mais uma camada de estratégia ao combate.

Cada ataque tem uma área de alcance: alguns só podem ser utilizados caso os inimigos estejam próximos, outros acertam vários espaços simultaneamente. Quanto mais poderoso e versátil o golpe, maior será o tempo necessário para desferi-lo.

Vivenciar um final inesperado


Após completar os sete enredos de Live a Live, um oitavo capítulo é destravado, localizado na era medieval. Neste ponto é apresentado um plot twist que leva a história para um tom mais sombrio, algo que combina com o cenário proposto.

O diretor Takashi Tokita revelou que a inspiração para essa virada inesperada veio dos mangás e animes. Ele quando jovem sonhava em trabalhar na área como desenhista ou ator de voz, sendo um grande consumidor destas produções com uma progressão menos convencional da história, pelo menos em comparação ao "final feliz" tão comum no storytelling ocidental.

Quem é surpreendido pelo plot twist percebe também que Tokita e o roteirista Nobuyuki Inoue utilizaram uma técnica literária chamada foreshadowing. Ou seja, indícios do que estava por vir estão espalhados ao longo da jornada. Um exemplo é o próprio logo do jogo, em que a segunda palavra "live" é escrita ao contrário, indicando uma outra palavra de significado mais "maligno", por assim dizer.

Fruto de uma equipe de respeito

Para dar vida a Live a Live, foi composta uma equipe diversa e que está presente em diversos outros produtos conhecidos. A começar pelo diretor Takashi Tokita, que havia sido designer de Final Fantasy IV (SNES) e depois dirigiu Chrono Trigger (SNES) e Parasite Eve (PS).

O roteirista Nobuyuki Inoue trabalhou em Final Fantasy Legend II (GB), Legend of Mana (PS), Triangle Strategy (Switch) e dirigiu o lendário Mother 3 (GBA). Já a compositora Yoko Shimomura vinha do sucesso de Street Fighter II (SNES) e depois produziu a trilha de Super Mario RPG: Legend of the Seven Stars (SNES), de alguns títulos da franquia Kingdom Hearts e de Xenoblade Chronicles (Wii).

Para criar os capítulos em diferentes épocas históricas, foi convidado um time de artistas. Entre eles, destacam-se Gosho Aoyama, do mangá Detective Conan; Kazuhiko Shimamoto, que trabalhou na série Samurai Shodown; e Yoshihide Fujiwara, do anime de Virtua Fighter.

Live a Live ainda retornou em Theatrhythm Final Fantasy: Curtain Call (3DS). As músicas "Birds in the Sky, Fish in the River" e "Megalomania" foram disponibilizadas como DLC, tendo personagens ao fundo e o cenário Demon King como palco. Megalomania, aliás, foi homenageada em Undertale (Switch) na faixa “Megalovania”.

Acesso restrito é coisa do passado



Apesar da boa recepção do título, as vendas no Japão foram baixas. Por isso, a Square e a Nintendo não acreditaram que o trabalho de tradução para as línguas ocidentais valeria a pena.

Takashi Tokita afirma que ficou chocado por não conseguir localizar o jogo para o mercado internacional. No entanto, para o diretor, foi emocionante descobrir que mesmo assim havia pessoas jogando Live a Live em japonês, além de traduções feitas por voluntários.

Estes não foram os únicos confortos para Tokita. Nos eventos ao redor do mundo, os fãs sempre falavam sobre o game com muito entusiasmo e paixão. Isso foi um grande combustível para o RPG finalmente sair de forma oficial do Japão este ano.

O remake segue o estilo gráfico HD-2D de outros lançamentos recentes da atual Square Enix para Switch, como o já citado Triangle Strategy e Octopath Traveler (que também apresenta diferentes histórias).

É a oportunidade para esse RPG de muitas qualidades ganhar todo um novo público. Com a publicação da Nintendo, Live a Live chegou com visual renovado ao Switch em 22 de julho.

Revisão: Thais Santos


Nascido no mesmo dia que Manoel Bandeira (mas com alguns anos de distância), perdido em Angra dos Reis (dos pobres e dos bobos da corte também), sob a influência da MPB, do rock e de coisas esquisitas como a Björk. Professor de história, acostumado a estar à margem de tudo e de todos por ser fora de moda. Gamer velho de guerra, comecei no Atari e até hoje não largo os mascotes - antes rivais - Mario e Sonic.
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