Blast Test

Sea of Stars (Switch) possui gameplay e audiovisual promissores em estilo clássico de JRPG

O título combina influências de clássicos como os das séries Chrono e Breath of Fire, mas também possui personalidade própria em sistema de combate.


Em desenvolvimento pelo Sabotage Studio, sob a direção de Thierry Boulanger (diretor de The Messenger), Sea of Stars é uma alta fantasia com ambientação litorânea e mecânicas de RPG por turnos com encontros visuais. Trata-se de uma aventura de dois heróis (Valere e Zale) que usam o poder do sol e da lua para lutar contra um vilão alquimista. O título lançará dia 29 de agosto de 2023, mas pude testar sua demo exclusiva para Nintendo Switch (disponibilizada dia 8 de fevereiro) para trazer minhas impressões sobre o que esse projeto parece ser capaz de entregar.

Uma fantasia com um roteiro leve e personagens carismáticos

Como de costume em Blast Test, o enredo é o assunto sobre o qual é mais difícil de opinar quando temos em mãos apenas uma demo. Há uma pequena trama incompleta nessa demonstração, mas não sabemos sequer se ela estará na campanha principal ou não, e também não foi oficializado quem está responsável pelo texto do jogo. Contudo, podemos tirar algumas conclusões sobre o tipo de diálogo, o estilo de escrita de personagem e o contexto em que a história se passa.

O jogador pode escolher entre dois protagonistas: uma garota chamada Valere e um rapaz chamado Zale. Independentemente da escolha, ambos estarão em sua party, ao menos nessa demo. Valere trilha o caminho da Deusa Guardiã Luana. Um sábio místico, o Elder Mist, vê um grande potencial nela, acreditando que um dia ela pode ser a única a "criar caminhos na água". Enquanto Zale segue o caminho do Deus Guardião Solen. O mesmo sábio prenunciou que, para encontrar sua luz e atingir todo o seu potencial, ele primeiro precisará "olhar para a noite dentro de si".


Embora estes pareçam ser os protagonistas, há também um cozinheiro gordinho chamado Garl, aprovado para a aventura pelo Elder Mist, após algum receio, que exige que esse garoto se lembre de suas próprias limitações quando se trata de combate. Com isso, o jogo já nos indica que este será um personagem de suporte. Desse modo, os três personagens jogáveis na demo de Sea of Stars formam o mesmo número do grupo inicial do clássico Chrono Trigger.

Os três personagens iniciais são “guerreiros do solstício" e aparentam estar no centro da história, mas parece que pelo menos outros três se juntarão à aventura. Outra coisa que podemos observar pela demo é o contexto fantástico da trama que mistura elementos medievais e futuristas. Os heróis se encontram em um local litorâneo, com estruturas e criaturas tecnológicas, mas também piratas em uma vila rústica à margem da praia.


A maior parte da história da demo passa-se nesse vilarejo, onde podemos perceber o tom da narrativa. Com localização para português brasileiro, o texto mostra um clima leve, brincalhão e descontraído entre os personagens principais e secundários. O que também pode ser notado por cenas cômicas tais como de um pirata que esconde seu corpo musculoso e revela-o após partir ao meio uma mesa, durante uma queda de braços.

Os guerreiros do solstício precisam enfrentar um vilão alquimista, mas isso acaba não sendo aprofundado na demo. Também sabemos que Sea of Stars está localizado no mesmo universo de The Messenger, jogo anterior do mesmo estúdio, porém se passa milhares de anos antes. É bem provável que haja referências a esse jogo, mas apenas indiretas e pontuais, e dificilmente muito elucidativas para o roteiro de The Messenger.

Apesar de alguns personagens mostrarem já um bom carisma por essa demo, meu temor é que o enredo possa falhar em profundidade. Para resgatar a comparação inevitável com Chrono Trigger, apesar desse clássico de SNES ter um clima leve em sua maior parte, também possui uma trama engenhosa de viagem no tempo, e não faltam momentos sérios, como quando viajamos para um futuro distópico em que a humanidade está à beira da extinção em condições deploráveis. Por outro lado, se há algo mais profundo e/ou engenhoso no design narrativo de Sea of Stars é algo que ainda precisamos descobrir.

Uma gameplay clássica, mas também com personalidade e versatilidade

Além do diretor, não sabemos quem está por trás do level design de Sea of Stars, mas conseguiu chamar minha atenção nessa demo. Diferente dos JRPGs nos quais se inspira, o jogo parece ter uma boa dose de puzzle-platform 2D em visão isométrica, o que lembra coisas que vemos nos Zelda 2D. Na era 16 bits vimos alguns action-RPGs com alguns pequenos puzzles, mas Sea of Stars parece bem mais promissor nesse quesito.

Na pequena dungeon que exploramos durante o final demo, podemos entrar em uma caverna e utilizar um mecanismo que combina cristas com cores diferentes para formar portais, os quais nos levam para cenários separados, cada um com alguns inimigos e algum puzzle para solucionar. Os puzzles são simples, mas já mostram o potencial do jogo para trabalhar com mecânicas como teletransporte, empurrar objetos, salto e uso de itens em mecanismos.


Esse level design se beneficia também do fato do jogo ter encontros visuais, e não encontros aleatórios. Você pode ver seus inimigos, e os combates dão-se no próprio cenário em que você se movimenta na dungeon. O sistema é muito semelhante ao de Chrono Trigger, chamado de ATB 2.0. Todavia, os encontros visuais estão mais refinados; você pode se esquivar com maior facilidade das batalhas, desde que não seja atingido pelos inimigos.

Outra diferença é que os combates em si são de turno tradicional, sem barra de ATB, e possuem uma série de mecânicas que dão personalidade ao jogo. Está longe de ser apenas uma “cópia de Chrono Trigger”. Um subsistema bastante promissor é o de absorver energia dos inimigos a cada dano infligido neles. A energia dispersa-se em cristais brilhantes que podem ser acumulados e usados por seus personagens.



O sistema de nocaute também é dinâmico. Mesmo que estejam com 0 de vida, seus personagens se levantam sozinhos depois de um tempo; você só perde a batalha se todos os três estiverem no chão. Isso acrescenta maior dinamismo para o combate.

Por fim, há vários tipos de habilidades para usar. Algumas são comuns e custam um montante da barra de energia, mas podem envolver desafio de ritmo e tempo de reação (como em Super Mario RPG). Outras são cooperativas (combos); requerem um carregamento à parte e são executadas em dupla ou trio.


Em ambos os casos as habilidades levam em conta não só fraquezas de inimigos, mas também o espaço. Dependendo de onde os inimigos estejam, um ataque pode atingir mais de um deles, causar mais ou menos dano, interferir no ritmo da execução de uma habilidade, entre outras possibilidades. Nesse contexto, o personagem Garl vem bem a calhar. Ele não apenas ajuda no suporte do grupo com cura, mas também é capaz de arremessar os inimigos para locais estratégicos.

No mais, contamos com vários elementos de RPG típicos e alguns mais modernos. Temos crafting de itens consumíveis — graças ao fato de Garl ser um cozinheiro —, sistema de level, ponto de descanso (uma fogueira), save point (uma mesa com um livro mágico), inventário, alguns slots para equipamentos e até pescaria. Ao subir de nível é possível escolher os atributos que você quer investir em seus personagens, como força ou magia. Isso é pouco comum em JRPG, mas comum em RPGs ocidentais; é uma boa escolha que acrescenta versatilidade na evolução dos personagens.

Uma fantasia litorânea divertida e relaxante

O ponto que talvez mais chama a atenção à primeira vista em Sea of Stars é seu lindo e carismático visual em ambiente litorâneo (como de Chrono Cross). A direção de arte do game envolve uma pixel art colorida, ao estilo de Breath of Fire, porém mais detalhada e iluminada, como em uma releitura moderna desse estilo.

Por outro lado, o jogo opta por uma diferença de estilo de pixel art para viagem no mapa-múndi, onde se pode ver até mesmo um belo dragão oriental abraçado a uma montanha. Nesta perspectiva, são empregados modelos mais simples para os personagens e uma visão de câmera distante; mais uma vez uma escolha que proporciona uma experiência similar à de Chrono Trigger.


Combina perfeitamente com esse estilo visual colorido e retrô a trilha sonora original (OST) do game. As peças principalmente composta por Eric W. Brown, mas também encontramos algumas músicas de Yasunori Mitsuda (compositor das séries Chrono e Xeno).

As músicas em geral são ricas em sons sintéticos ao estilo 16-bits, mas com maior qualidade de som, e com uma tendência para tons maiores, ritmo homogêneo e frequentemente dançante, enfatizando um clima mais estável, alegre e vivo. Confira no trecho de vídeo abaixo um pouco da sintonia audiovisual.


Junto de tendências do minimalismo e do impressionismo, é interessante notar como Mitsuda traz para a OST seu estilo de composição etnomusical, com influência celta e também do mediterrâneo, o que pode ser notado não só na harmonia, mas também por suas escolhas em percussão e instrumentos de sopro. Por outro lado, Brown possui peças em um estilo retrô com melodias mais fortes e em um ritmo retrô mais típico (comum de jogos de corrida e run-and-gun).

As músicas de Brown são excelentes para o clima das batalhas, criando, ao mesmo tempo, suspense, tensão e empolgação. Mas também há peças do compositor com elementos do estilo de Mitsuda, com ritmo mais saltitado e presença de sons de sopro, xilofone, percussão e pizzicato de cordas, que não geram um contraste tão grande entre as composições de ambos. Confira a playlist abaixo com composições de Brown para o game.

Um projeto com nostalgia, carisma e personalidade

Embora seja incerto como terminará o novo projeto da Sabotage Studio, e apesar de ser difícil avaliar a qualidade de seu enredo (podendo vir a ser seu ponto fraco), o jogo aparenta ser bastante promissor, de um modo que deve agradar aos fãs dos JRPGs clássicos, mas também apresenta personalidade, sobretudo no level design de dungeons e no sistema de combate. Além disso, acima de tudo seu audiovisual é por si só uma grande carta de amor aos fãs de Chrono Trigger.

Revisão: Cristiane Amarante


Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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