Resenha

The Legend of Zelda: Twilight Princess é o maior e melhor mangá da série

A adaptação que deu desenvolvimento de personagem a Link como nenhuma outra história fez.


Já escrevi sobre a maioria das adaptações de quadrinhos de The Legend of Zelda (confira os links ao final deste texto), algumas mais interessantes e outras menos, mas todas limitadas em um quesito fundamental: a duração. Em Twilight Princess, a coisa foi bem diferente, possibilitando a criação do maior e melhor mangá da lenda da Triforce.

O jogo foi originalmente lançado para GameCube e Wii em 2006, chegando primeiramente aos Estados Unidos em 19 de novembro e ao Japão em 2 de dezembro. Assim, para comemorar o aniversário de 17 anos da sombria aventura de Link e Midna, vamos conferir uma resenha do mangá que deu vida à saga nas páginas de quadrinhos.

O longo crepúsculo dos mangás de Hyrule

O método de publicação serializada de mangás no Japão lança capítulos em revistas de periodicidade semanal ou mensal que, depois, são compilados em volumes e vendidos como livros. As versões de Zelda criadas por Akira Himekawa (dupla de autoras sob um único pseudônimo) foram planejadas pelos editores para durar um número de capítulos que fechassem exatamente um ou dois volumes.
S. Nagano e A. Honda são a dupla Akira Himekawa, em foto do lançamento da Perfect Edition dos mangás de Zelda, em 2016.
Isso significou que as autoras tinham 180 ou 360 páginas, dependendo do caso, para representar as jornadas dos diferentes heróis chamados Link por mundos de fantasia repletos de ruínas, monstros, perigos, e também amigos.

A princípio, a dupla de autoras planejava lançar o mangá Twilight Princess após The Phantom Hourglass, serializado em 2009, e até fizeram esboços e planejaram um Link de temperamento mais austero para acompanhar o clima daquele que é o título mais sombrio da série. Himekawa achou que a caracterização mais adulta do protagonista e da história pedia publicação em uma revista voltada a um público um pouco mais velho que o alvo infantil mantido nas adaptações anteriores.


Sem conseguir encontrar uma editora disposta a isso, os planos das autoras foram suspensos e os mangás de Zelda entraram em hiato por sete anos. A afinidade delas com a série permaneceu forte e, anos depois, Himekawa buscou a Nintendo mais uma vez para tentar realizar o antigo projeto. Após o sinal verde da dona de Link, a dupla encontrou na editora Shogakukan uma casa para a maior aventura de Hyrule nos quadrinhos, anunciando o novo título em 2015.

Passados dez anos do lançamento do jogo original, Twilight Princess foi adaptado para mangá em 70 capítulos, entre fevereiro de 2016 e janeiro de 2022, no aplicativo da revista MangaONE, formando 11 volumes no total.

Com tempo para contar a história com calma, as possibilidades eram muitas e a abordagem foi bem diferente do que já tinha sido feito antes. Podemos ver nos desenhos o quanto Himekawa amadureceu sua produção, com quadros detalhados e grande uso de retículas digitais para as nuances de sombreamento e textura.




Assim como o jogo Twilight Princess trouxe mudança na direção de arte da série para algo mais escuro, denso e minucioso, o mangá tomou o mesmo caminho e se diferenciou dos demais com suas páginas mais intensas e carregadas, transmitindo confiantemente a atmosfera crepuscular que marca o jogo.

Vemos bem a evolução nesse aspecto quando comparamos com outro mangá em que a ambientação visual sombria também deveria ser um elemento importante para a adaptação da história, que é a porção de A Link to the Past que acontece no Mundo das Trevas. Sendo uma HQ de 2005, é perceptível como os dez anos que o separam do início de Twilight Princess possibilitaram uma evolução na profundidade com que a dupla de autoras exprime o clima em suas composições visuais.

E não é só isso, Himekawa “consertou” as caras distorcidas de certos NPCs, algo que eu nunca gostei no visual do jogo. Parecia até que, após The Wind Waker, alguém quis dar anatomia de proporções mais realistas aos humanos do jogo e, para compensar, outro alguém pegou os modelos de personagens da vila Ordon para brincar e esticou um nariz aqui, um queixo ali, uma testa lá… Veja Rusl abaixo.





Esses traços exagerados e caricaturais foram harmonizados por Himekawa sem, no entanto, mudar o aspecto reconhecível de cada um. O resultado parece apenas que alguém os desenhou melhor e mais proporcionais, aproveitando o fato de que as feições de um personagem de mangá permitem muito mais expressividade e dinamismo que de um modelo tridimensional de gerações passadas de consoles.

A liberdade para recontar uma história

A principal evolução, porém, está na história. Ela ainda é a mesma do começo ao fim, mas foi recheada com muitos trechos expandidos, aprofundados e até criados do zero, com destaque ao desenvolvimento do protagonista. Nos outros mangás, Link já tinha falas e personalidades que não recebe nos jogos.

Em Twilight Princess, isso é levado bastante além e ele passa a ter até um passado sombrio secreto que conduz os passos de sua jornada do herói, com direito a novos personagens em cidade inédita na franquia para preencher a história pregressa do hyruliano.




Os mais puristas podem não gostar da ideia; quem acha que Link deve ser silencioso e genérico para que o jogador se projete nele, como apenas um apenas um elo entre o mundo virtual de Hyrule e a pessoa que joga, certamente vai torcer o nariz. A versão em quadrinhos, porém, pretende dar nova forma ao que existia antes. O objetivo de uma adaptação é tomar uma obra como ponto de partida, não de chegada.

Quem estiver disposto a ver um herói falho que sofre, hesita, duvida de si mesmo e vê-se preso às perigosas correntes do passado, do orgulho e do destino, poderá ter uma boa experiência de releitura da lenda da Triforce de uma maneira diferente e mais apropriada à mídia dos quadrinhos, que, livre de qualquer compromisso com game design, pode focar em contar uma história parte a parte no ritmo que preferir.




Mesmo com adições, nada aqui se perde como filler. O primeiro volume é quase inteiramente dedicado à vila Ordon, apresentando os personagens, as relações de Link com eles e o ataque repentino, finalizando exatamente no momento em que o herói é puxado para o Crepúsculo e transformado em lobo.

O desenvolvimento tem um exemplo simples, mas valioso, no King Bulblin, aquele mini-chefe chifrudo que estrela um duelo montado com Link sobre uma ponte. Ele aparece várias vezes ao longo do jogo, mas só tem duas falas no final de tudo: “Eu sigo o lado mais forte. Isso é tudo que sempre conheci.” A própria Midna demonstra surpresa com a capacidade de fala da criatura.

O discreto, porém recorrente papel de Bulblin no jogo levou Himekawa a se basear nessas falas lacônicas e transformá-lo em um personagem de verdade no mangá, com um arco de desenvolvimento que parte de um importante — e surpreendente! — primeiro confronto com Link.



A edição dos Estados Unidos

Como há muito a contar da história, resolvi dividir esta resenha em duas partes: a primeira é mais descritiva e analítica, evitando entregar spoilers da forma com que o mangá lida com o enredo do jogo. A segunda será narrativa, contando todas as nuances que brotaram do trabalho de Himekawa.

O motivo para querer narrar em detalhes os rumos da lenda recontada em mangá é que temos uma certa dificuldade de acessá-la: Twilight Princess não foi publicado no Brasil. Se nem o lançamento de Tears of the Kingdom fez a Panini relançar os volumes esgotados dos outros mangás de The Legend of Zelda, não nutro esperanças de que o de Twilight Princess tenha publicação brasileira tão cedo. É uma pena deixar o melhor de fora.

A versão mais próxima de nós é a que foi lançada nos Estados Unidos pela Viz Media, completada em 2023, cujos volumes podem ser encontrados em varejistas brasileiros online e os preços ficam na casa dos R$ 50 ou dos R$ 100 (o preço original é 9,99 dólares). Calma, tem como adquirí-los mais barato: comprei oito dos onze volumes e a maior parte custou bem próximo aos R$ 30 na Black Friday de 2022, o que é um abaixo do que o preço de capa de qualquer mangá atualmente publicado no Brasil. Fiquem de olho em promoções de livros importados!




A edição da Viz é agradável, embora tenha tamanho menor (19 cm x 12,7 cm) que a média costumeira em nosso país, como podem ver na imagem. O papel tem boa gramatura e minimiza as transparências que “vazam” o desenho que está nas costas da página, um efeito também disfarçado pelas páginas cobertas de desenhos.

É do tipo off-white, uma modalidade semelhante ao offset, mas com um leve tom de cinza para suavizar a leitura para os olhos. Em contrapartida, um papel branco valorizaria mais o contraste de um mangá com tantos tons de cinza. Esse trabalho ficou a cargo da impressão que, felizmente, é de qualidade e não vi falhas ao longo dos volumes.

Um ponto que não me agrada muito são as capas. A maioria é bastante genérica, dando muito destaque ao herói, perdendo a chance de referenciar o que acontece em suas páginas ou de dar espaço aos personagens secundários. Eles até aparecem na contra-capa, mas em ilustrações tímidas.


Nem mesmo os outros grandes nomes da trama receberam a atenção devida nesse quesito: Link só divide a capa com Midna nos volumes 3 e 11; Zelda e Ganondorf só se juntam a ele no vol. 10. Zant, o sub-vilão que quer libertar Ganondorf, surge de relance na frente do vol. 9, quase todo encoberto pelo herói de verde.

As lendas de duas princesas, dois vilões e um herói

Fechamos a resenha geral da série de mangás de Twilight Princess, mas ainda estamos no começo. Esse foi o texto para quem prefere evitar spoilers, mas teremos mais duas partes que contam a história seguindo o ritmo dos volumes. Confira a seguir o que acontece nos tomos 1 a 7 e, depois, o final da aventura com os números de 8 a 11.




Resenhas das lendas de Zelda em mangá:

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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