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Análise: Front Mission 1st: Remake (Switch) volta com sua rica customização de mechas em TRPG

Este clássico precisa ser jogado por fãs de RPG tático, e esta é sua melhor versão, mas merecia mais revisões e aprimoramentos de audiovisual.


Desenvolvido e publicado pela Forever Entertainment com licença cedida pela Square Enix e apoio financeiro da Nintendo, Front Mission 1st: Remake é um remake de Front Mission 1st (PS1), uma versão expandida do original Front Mission (SNES). Primeiro título de uma das mais importantes séries de RPG tático, o jogo é conhecido por uma séria trama futurista de conflito militar e geopolítico com mechas altamente customizáveis. A proposta do remake é conservadora em gameplay e enredo, mas traz opções de controle, uma versão remasterizada opcional para a música, visuais revisados em 3D e melhorias na qualidade de vida.

Uma boa história militar futurista com clima de Guerra Fria

Escrita por Toshiro Tsuchida (também diretor/produtor em toda a série Front Mission), a história de Front Mission é situada em 2090, em boa parte ambientada em uma ilha fictícia do Oceano Pacífico chamada Huffman Island que teria se formado pela atividade vulcânica. Inicialmente, o território ficou sob os cuidados das Nações Unidas, mas, em meados de 2020, após a unificação das Américas em Estados Unidos do Novo Continente (USN) e sua retirada do comitê das Nações Unidas, a ilha teria ficado sob seu controle.

Décadas depois, a União Cooperativa da Oceania (OCU) contesta essa aquisição, tendo também participado da colonização do território. Esse desentendimento leva ao 1º Conflito Huffman, em 2070, e a uma divisão política da ilha. Porém, essa separação tem apenas um reconhecimento mútuo tácito e gera tensões geopolíticas que passaram a ser conhecidas como Crise Huffman. Passado algum tempo, a crise termina em guerra devido ao que ficou conhecido como Incidente de Larcus, em 2090.


Esse incidente lembra muito algumas desavenças reais que ocorreram durante a Guerra Fria. Basicamente, o Incidente de Larcus é uma acusação da USN de que a OCU seria responsável por um ataque no leste da ilha a uma usina do distrito de Larcus detonada por explosivos, mas a OCU alega que isso teria sido uma armação.

Com uma declaração mútua de guerra, surge o 2º Conflito Huffman, período em que o jogo se passa, contando com sofisticadas unidades tecnológicas de mechas dos dois lados do conflito em batalhas por terra. Tais máquinas são chamadas Wanderpanzers (do alemão, wander, caminhador, e panzer, armadura), geralmente abreviadas como Wanzers. Sem entrar em muito spoiler, mais tarde se descobrirá que o incidente está relacionado a uma instituição de pesquisa da USN, o Nirvana Institute, e a guerra sofrerá algumas reviravoltas.


Desde a versão de PS1, a trama se desenrola em duas rotas paralelas. Na primeira delas (rota principal), o jogador segue Lloyd Clive, um capitão da OCU que liderara uma expedição de reconhecimento em uma fábrica de munições da USN no distrito de Larcus, quando seu pelotão foi emboscado por unidades da USN sob comando de Driscoll, um oficial que teria mandado detonar explosivos na usina de Larcus e fugido. Contudo, Lloyd e sua equipe acabam sendo responsabilizados e dispensados do serviço militar da OCU.

Um ano depois do incidente, um coronel, Guri B. Olson, encontra Lloyd em uma arena de luta de Wanzer na cidade de Bariden e resolve recrutá-lo para um grupo de mercenários, os Canyon Crows, o qual é contratado pela OCU para ajudar na guerra. Assim, o protagonista se vê novamente dentro do conflito.


Ao longo de mais de 30 missões — aproximadamente 20 horas de jogo —, a história segue um fluxo linear, mas o jogador acompanha missões alternadas que refletem uma dupla jornada de Lloyd. Por um lado, ele tenta recuperar sua reputação, vingar o ataque à sua noiva no Incidente de Larcus e fazer valer a sua versão da história. Por outro, contribui na guerra, ajudando a OCU a se defender de ataques e a conquistar o restante do território insular.

Contudo, só é possível entender essa guerra olhando para os dois lados com atenção. Assim como em guerras reais, não é tão simples distinguir um lado do “bem” e um lado do “mal”. Na rota alternativa, o jogador segue Kevin Greenfield, um oficial da USN, líder do pelotão Black Hounds, em uma história que começa antes do Incidente de Larcus, durante uma perseguição a uma organização terrorista que não tem a ver diretamente com a Ilha. O quartel-general da organização fica na Cordilheira dos Andes.


Devido a um equívoco na operação sob seu comando, o oficial é demitido e preso pela USN. De forma semelhante ao que acontece com Lloyd em relação à OCN, Kevin Greenfield retorna à USN, porém na divisão de pesquisa de armas na Huffman Island, o Nirvana Institute, liderado pelo já citado comandante Driscoll. Depois do Incidente de Larcus, Kevin é convocado para liderar o pelotão dos Silver Lynxes na ofensiva da USN contra a OCN.

A história é bem escrita, crível e mostra sutilezas e mistérios dos dois lados da guerra, com foco narrativo político-militar entre nações mais do que entre personagens. Desse modo, a maioria dos personagens é pouco desenvolvida, mas a execução da trama é bem-sucedida em sua proposta, inclusive de forma sucinta em linhas de diálogo. Por outro lado, o enredo tem uma visão um tanto restrita da guerra ao plano militar. O jogo traz uma visão crítica interessante, mas poderia explorar mais o plano social, econômico ou mesmo cultural.

Apesar de haver duas rotas, a primeira, de Lloyd, é a mais importante e a que recomendo para quem quer começar o jogo. Cada uma delas possui um percurso bem guiado e linear, embora haja algumas poucas missões opcionais. Em sua jornada, o jogador progressivamente aumentará o seu grupo com personagens que se aliam ao protagonista, sendo alguns opcionais.

Um level design mediano, mas com uma excelente e única customização de unidades

Originalmente sob a direção de Hideo Iwasaki (que também trabalhou nos Front Mission 2, 3 e 4), Front Mission trouxe uma gameplay única para o mundo dos RPGs de estratégia a partir do conceito de mechas personalizáveis. A ideia foi inicialmente sugerida por Tsuchida e teve resistência para ser aceita na Square Enix, como comentado em entrevista. Felizmente, a ideia se mostrou muito interessante para sistemas de ataque e customização, sistemas estes que foram aplicados em um level design relativamente simples.

Os campos de batalha têm elevações topológicas, assim como outros TRPGs da Square Enix, como Triangle Strategy e Tactics Ogre Reborn. Entretanto, não espere muita complexidade nesse aspecto. A topologia não foi tão explorada, embora em alguns momentos possa fazer diferença para a movimentação, como algumas unidades serem melhores do que outras para terrenos acidentados. Todavia, mais importantes que isso são os obstáculos no caminho, o terreno e a distância dos alvos.


Em tabuleiros de tamanho moderado, algumas vezes o jogador enfrentará inimigos em florestas densas, cidades com ruas estreitas ou pontes elevadas. Essas variáveis são relevantes para planejar em cada caso como conciliar uma boa defesa e ataques a curta e a longa distância. Toda essa movimentação ocorre por turnos uniformes entre exércitos, o que significa que o jogador poderá mover todas as suas unidades e depois seu adversário fará o mesmo, tal como em Fire Emblem.

Em seu grupo, o jogador terá uma progressiva expansão do número de membros, podendo escalar geralmente de 5 a 10 para usar em combate (raramente menos ou mais do que isso). Cada personagem pode carregar itens consumíveis e possui um Wanzer cujas partes (corpo, braços, armas, CPU, pernas e mochila) podem ser compradas e personalizadas nas cidades; nesses locais, também se pode apostar dinheiro em arenas de luta entre Wanzers. Seus mechas podem carregar até quatro armas, uma em cada mão e ombro.


Para as mãos, há três grupos de armas: corpo a corpo, curto alcance e múltiplo uso. Há pouca opção de armas de ataque direto corporal, mas, basicamente, possuem grande precisão e causam muito dano a alguma das partes específicas do Wanzer adversário. Já as armas de curto alcance (como lança-chamas e metralhadora) podem atingir uma ou mais partes do alvo, mas dão menos dano e têm uma precisão moderada. Em ambos os casos, o adversário pode contra-atacar ou se defender, mas não é possível contra-atacar ataques sofridos a longa distância.

As armas de múltiplo uso (como lança-granadas) podem ser usadas tanto a curto quanto a longo alcance e fazem um bom estrago, mas são pouco precisas. Caso queira, o jogador também pode usar armas especializadas de longo alcance (lança-mísseis) nos ombros de seu Wanzer. Esses equipamentos são poderosos e contam com uma precisão razoável, porém possuem munição limitada (em quantidade de mísseis). Além disso, caso opte por carregá-las, não será possível usar escudos/ombreiras, que reduzem substancialmente o dano sofrido.


Seus personagens evoluem tanto em nível geral quanto em perícia em determinado tipo de ataque e também podem acumular habilidades passivas. É preciso formar um batalhão equilibrado. Às vezes, é útil ter membros da equipe especializados em algum setor, como apenas a longo alcance ou somente corpo a corpo, e a customização também envolve a movimentação da unidade e o seu peso limite.

Com algumas exceções, a missão costuma ser exterminar todos os seus adversários, algo que nem sempre é resolvido com força bruta. Mesmo muito bem equipado, é preciso evoluir bem seus personagens e também ter boas táticas, sobretudo no confronto direto. Isso porque, quando você ataca ou é atacado, é possível escolher se defender ou qual arma usar na contraofensiva. Dependendo das circunstâncias, também é possível mirar em uma parte específica do inimigo.


Front Mission tem ótima transparência de informações e uma dificuldade razoável, principalmente na rota de Kevin. Às vezes, há um desbalanceamento em relação aos recursos de Wanzers inimigos em relação aos seus, mas, quando em desvantagem, convém retornar para a base, evoluir mais seus personagens e ter bastante cautela; as batalhas podem ser um pouco longas. Não há permadeath, mas você não vai querer que suas unidades morram, uma vez que terá de arcar com os custos da manutenção dos Wanzers.

Por outro lado, a IA dos inimigos é muito ruim. Eles facilmente se isolam em locais, se movimentam de forma pouco coordenada e não costumam ser muito agressivos, exceto quando suas unidades chegam perto de seu alcance de ataque; o mesmo vale para a IA de unidades aliadas. Quando não estão sob seu controle, é difícil cuidar delas, facilmente se suicidam ou ficam estacionadas em algum local. Mesmo com uma atualização planejada para a correção de certos bugs, não há garantias de que a IA do jogo seja afetada.

Revisões modestas em audiovisual, mas geralmente adequadas

Originalmente, o jogo não permitia qualquer controle de câmera, contando com uma perspectiva isométrica, prejudicando um pouco a visibilidade das unidades quando há alguns tipos de objetos na frente delas, como construções ou árvores. Ainda assim, caso queira experimentar o jogo desse modo, esta versão para Switch dá essa possibilidade. Como alternativa, você pode jogar usando aproximação e rotação do campo de batalha em 3D, porém, apenas nas beiradas do mapa há limites para girar a câmera.

Além dessa melhoria, esta versão também permite aumentar a velocidade de movimento, cortar transição para batalha, entre outros aprimoramentos de qualidade de vida. O jogo também possui suporte a vários idiomas, inclusive português europeu. Por outro lado, o audiovisual teve um avanço um pouco tímido.


A direção de som acrescenta pouco em sons ambientes. As imagens de fundo na cidade estão bem-feitas, mas o mapa-múndi continua simples e a cenografia durante as batalhas não é muito detalhada. Os gráficos em 3D são uma excelente adição, mas poderiam ter sido mais polidos, mesmo que se quisesse manter as transições de batalha simples e formulaicas, ao estilo de Advance Wars.

A evolução do design de personagens também é modesta. Originalmente, os personagens foram baseados em belas ilustrações de Yoshitaka Amano (ilustrador de Final Fantasy e character designer dos seis primeiros jogos dessa série). Embora consiga preservar o tom ao mesmo tempo sério e punk de suas artes, esse remake poderia ter adotado um estilo mais próximo ao de Amano para as imagens de perfil; além disso, com maior variação e, talvez, animações.

Acredito que a imersão nos papéis dos personagens é um pouco prejudicada pelo fato de serem pouco vistos fora de seus Wanzers, e se agrava com o fato de não ter voice acting. As interações mais relevantes ocorrem durante o início das batalhas ou nos bares das cidades. Nesse segundo caso, há um pouco mais de imersão de cenário e música (confira no trecho de vídeo abaixo).


Por fim, a trilha sonora possui versão remasterizada, mas não há novidade nem em arranjos e nem em faixas, o que é uma pena, principalmente porque algumas músicas mereciam ser mais longas e retrabalhadas. De todo modo, alguns timbres ficaram bem melhores de se ouvir e são ótimas as composições originais de Yoko Shimomura (conhecida sobretudo por Live A Live, Kingdom Hearts e Super Mario RPG) e de Noriko Matsueda (também compositor de Front Mission 2).

De modo geral, o trabalho musical parece adequado para a proposta, incitando um clima dramático e animado ao mesmo tempo, porém as faixas tendem a ser curtas e os temas de batalha são bastante repetitivos. Shimomura traz geralmente um tom mais alegre para a trilha, às vezes até um pouco pop, enquanto que as melodias de Matsueda tendem a ser mais sombrias e com um toque de jazz fusion. Tanto em um caso quanto em outro, são harmonias um pouco dançantes e, ao mesmo tempo, com um ritmo militar. Confira na playlist a seguir algumas faixas da versão original (SNES):

Um bom clássico com um remake modesto, mas ainda sua melhor versão

Front Mission continua um bom jogo, mas possui limitações principalmente em level design e narrativa que o colocam um pouco abaixo de outros RPGs táticos que o sucederam. Isso dito, e embora a Forever Entertainment tenha trazido pouco conteúdo e uma revisão técnica modesta, Front Mission 1st: Remake é a melhor versão desse game, com músicas remasterizadas e melhorias significativas em gráficos e qualidade de vida. Dado que se trata de um clássico e também um TRPG ainda bastante interessante em sistema de combate e alguns aspectos de enredo e música, é um título altamente indicado para fãs de RPG tático. Para novatos no gênero, no entanto, há opções mais acessíveis e imersivas para se recomendar.

Prós

  • Uma história de guerra futurista bem escrita e séria em termos de geopolítica e diferentes lados do conflito;
  • Uma leitura coerente e realista dos mechas (na medida do possível) e do mundo futuro, sem muitos exageros fantásticos;
  • Um sistema de combate engenhoso, razoavelmente desafiador, flexível e bem customizável para as unidades;
  • Rotação e gráficos em 3D que aperfeiçoam a experiência e outras melhorias de qualidade de vida bem-vindas, ao mesmo tempo em que é dada também a opção da experiência audiovisual original;
  • O trabalho visual continua com personagens com um estilo ao mesmo tempo punk e sério que combina com a trama;
  • Ótimas composições musicais com um ritmo militar adequado ao mesmo tempo que com uma personalidade própria em algumas influências de pop e jazz fusion.

Contras

  • O enredo da guerra poderia ser mais aprofundado para além do âmbito estritamente militar;
  • Os personagens geralmente não são muito desenvolvidos textualmente e também o jogo não proporciona muita imersão em seus papéis, sendo pouco representados e com ausência de voice acting;
  • Poderia ter gráficos mais polidos de modo geral;
  • IA ruim de modo geral, tanto de inimigos quanto de aliados, e algumas vezes com bugs;
  • Level design poderia ter sido aprimorado nesse remake, ele mantém cenários com elaboração mediana e ritmo um pouco repetitivo, e é ocasionalmente desbalanceado;
  • Trilha sonora possui boas composições, mas não possui faixas novas e nem novos arranjos, além de que os temas de batalha são repetitivos.
Front Mission 1st: Remake — Switch — Nota: 8.0
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital fornecida pela Forever Entertainment

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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